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quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Institut Pasteur de São Paulo investiga relação entre clima e saúde para antecipar riscos de epidemias

Estudo busca compreender como mudanças climáticas afetam doenças transmitidas por vetores e pretende transformar evidências científicas em políticas públicas de saúde.

 


As mudanças climáticas já não são apenas uma preocupação ambiental: seus impactos chegam cada vez mais ao setor da saúde. Doenças antes restritas a regiões tropicais começam a se espalhar para áreas temperadas, alterando o mapa global de riscos. Para enfrentar esse desafio, o Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) lidera, no Brasil, um estudo de ponta sobre a relação entre clima e saúde, com foco nas doenças transmitidas por vetores. O projeto integra a iniciativa internacional da Pasteur Network, que reúne mais de 30 institutos em 25 países, e conta com apoio da Rockefeller Foundation e do Institute of Philanthropy de Hong Kong.

 

Conduzida pelo pesquisador Mauro César Cafundó de Morais, pós-doutor e cientista de dados, a pesquisa atua em quatro grandes eixos: ondas de calor e seus impactos na saúde; efeitos de eventos climáticos extremos; segurança alimentar e hídrica; e, de forma prioritária no Brasil, doenças transmissíveis por vetores sensíveis ao clima. Entre os focos estão as arboviroses já conhecidas da população brasileira — como dengue, zika, chikungunya e febre amarela — e doenças que exigem crescente atenção científica. É o caso da febre do Oropouche e do vírus do Nilo Ocidental, que já teve casos registrados no Ceará e no Piauí, mas ainda não provocou surtos.

 

“As variáveis climáticas afetam diretamente a sobrevivência e a reprodução dos vetores, ampliando sua capacidade de transmitir doenças”, explica Morais. “O caso da febre amarela é emblemático: apesar da vacina eficaz e disponível, novas áreas do país vêm sendo classificadas como de risco, o que reforça a necessidade de vigilância constante.”

 

Desafios científicos e colaboração internacional – O estudo enfrenta um dos maiores desafios da ciência de dados aplicada à saúde: harmonizar informações de naturezas e escalas diferentes. Dados climáticos coletados quase em tempo real por satélites da NASA e do programa europeu Copernicus precisam ser integrados a bases nacionais de saúde, como o DataSUS, que operam em outra temporalidade. O IPSP também utiliza plataformas de ciência cidadã, como WikiAves e MapBiomas. Enquanto a primeira ajuda a rastrear aves migratórias — hospedeiras intermediárias de vírus como o do Nilo Ocidental —, o MapBiomas fornece informações sobre cobertura e uso do solo, incluindo desmatamento e queimadas. Esses dados são fundamentais porque a alteração de ecossistemas naturais modifica a distribuição de mosquitos e outros vetores, ampliando o contato com populações humanas e favorecendo a ocorrência de surtos.

 

“O desafio científico está em conectar escalas distintas de dados de clima e saúde, garantindo qualidade e consistência para que sejam úteis na prática”, afirma o pesquisador. Essa complexidade é trabalhada em colaboração com instituições como o Instituto Butantan, a Fiocruz e centros da Pasteur Network na Ásia e na África. A troca de informações tem revelado semelhanças surpreendentes: no Vietnã, por exemplo, pesquisadores enfrentam problemas semelhantes aos do Brasil no combate à dengue, criando oportunidades de cooperação em escala global.

 

Do laboratório à saúde pública – Atualmente na fase de coleta e análise de dados, o projeto deve avançar para o desenvolvimento de modelos matemáticos e de aprendizado de máquina capazes de prever surtos com maior precisão. A meta é que esses modelos possam se integrar a sistemas já em operação, como o InfoDengue e o InfoGripe, que geram alertas de risco às secretarias de saúde. “Não existe vacina contra o aquecimento global, mas os dados climáticos podem nos ajudar a antecipar decisões de saúde pública”, ressalta Morais.

 

O horizonte do estudo vai além da academia: até janeiro de 2027, a expectativa é gerar não apenas artigos científicos, mas também recomendações práticas — os chamados white papers — capazes de subsidiar gestores na formulação de políticas públicas e otimizar o uso dos recursos do SUS diante dos novos desafios impostos pelas mudanças climáticas.

 

Saúde única e impacto social – A abordagem do projeto se insere no conceito de One Health (Saúde Única), que integra saúde humana, animal e ambiental. Além das arboviroses, os pesquisadores do IPSP também colaboram em estudos sobre leishmaniose na Amazônia, mostrando como mudanças climáticas, fatores sociais e ecológicos se combinam para ampliar riscos.

 

“O conhecimento precisa sair da academia e chegar às políticas públicas. Só assim será possível enfrentar os impactos das mudanças climáticas com eficiência e equidade”, afirma Morais.

 

***

Sobre IPSP: O Institut Pasteur de São Paulo (IPSP) é uma associação privada, sem fins lucrativos, fundada em 31 de março de 2023 pelo Institut Pasteur, fundação francesa de direito privado, e pela Universidade de São Paulo (USP). Sediado dentro da USP, na Capital Paulista, o IPSP desenvolve pesquisas de classe internacional em Ciências Biológicas sobre doenças transmissíveis, não transmissíveis, emergentes, reemergentes, negligenciadas ou progressivas, incluindo as que levam ao comprometimento do desenvolvimento ou degeneração do sistema neurológico. Seu objetivo é desenvolver métodos preventivos, de diagnóstico/prognóstico e terapêuticos em relação às doenças estudadas, promovendo a inovação, a transferência e a difusão do conhecimento, em prol da saúde pública. O IPSP integra a Rede Pasteur composta por mais de 30 institutos de pesquisa, presentes em 25 países.

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