Por Marcelo Caldeira Pedroso, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
No mundo dos negócios, os empreendedores buscam oportunidades com base em suas experiências anteriores e expectativas atuais, e vislumbram resultados futuros extraordinários. Assim, eles olham para o passado, tomam decisões no presente e estabelecem uma expectativa otimista para o futuro.
Conforme o avanço da jornada empreendedora, geralmente o otimismo se defronta com a realidade. Os empreendedores se deparam com a escassez de recursos, uma vez que dificilmente possuem todos os ativos necessários (ex.: financeiros, tecnológicos, infraestrutura, acesso ao mercado) para desenvolver uma iniciativa empreendedora. Eles convivem com as incertezas inerentes ao empreendedorismo, adicionalmente às outras variáveis que não estão sob seu controle, tais como crises econômicas, mudanças regulatórias e movimentos estratégicos de empresas concorrentes. Além disso, eles passam a lidar com importantes questões psicológicas, particularmente advindas das frustrações e dificuldades associadas à inovação e ao empreendedorismo.
Um fato interessante é que alguns empreendedores somente compreendem essa realidade no decorrer da iniciativa empreendedora. Vejam, por exemplo, as considerações do Jensen Huang, um dos fundadores da Nvidia, sobre lançar um novo negócio, em uma narrativa três décadas após sua fundação:
“Eu não faria isso novamente. A razão pela qual não faria remete ao motivo de ser tão difícil… Construir a Nvidia acabou sendo um milhão de vezes mais difícil do que esperava. E, na época, se eu tivesse percebido a dor e o sofrimento, o quão vulnerável me sentiria, os desafios que enfrentaria, a vergonha e o constrangimento, e a lista de todas as coisas que dão errado, não acho que começaria uma empresa… Acho que esse é o superpoder de um empreendedor.”
Essas palavras reforçam dois elementos importantes do empreendedorismo. Primeiro, o senso de realidade: a atividade empreendedora é repleta de desafios. Segundo, destaca-se o perfil do empreendedor que está associado a um conjunto peculiar de características pessoais.
Assim, a vida de um empreendedor não é fácil! Ele apresenta um processo decisório com um delicado balanceamento entre passado, presente e futuro. Ele precisa conviver com a escassez, inúmeras incertezas e variáveis que não estão sob seu controle. Nesse cenário, as frustrações são inevitáveis; e saber lidar com elas é imperioso.
Definitivamente, empreender não é para qualquer um. Então, qual seria o perfil ideal de um indivíduo empreendedor?
Basicamente, considero três elementos principais que compõem o perfil do empreendedor: paixão empreendedora, competências empreendedoras e mentalidade empreendedora (ou mindset empreendedor). Eu denomino “perfil ideal do empreendedor” (ou IEP – ideal entrepreneur profile) quando um indivíduo com intenção empreendedora apresenta essas três dimensões de forma harmoniosa.
Paixão empreendedora
A paixão pode ser considerada como uma forte disposição que um indivíduo tem para investir significativamente recursos e tempo em atividades das quais ele gosta, considera importantes e fazem parte da sua identidade. A psicanálise aborda a paixão como um impulso energético interno que direciona o comportamento dos indivíduos. Em outras palavras, a paixão pode ser caracterizada como a energia que nos impulsiona para realizar nossos sonhos. Essa pulsão pode ser inconsciente ou emocional, típica de um indivíduo apaixonado por empreender. Ou a paixão pode ser racionalizada – ou seja, estar conectada a uma razão. Nesse caso, a paixão vira propósito.
A psicologia considera a paixão segundo duas perspectivas: a obsessiva e a harmoniosa. A paixão obsessiva está associada a uma pressão intrapessoal (ex.: necessidade de aceitação social) para o indivíduo se envolver em atividades das quais ele gosta, visando atender algum objetivo. Dessa forma, o indivíduo direciona o foco para os objetivos em vez da tarefa em si. A paixão harmoniosa representa um forte desejo de se envolver livremente em uma atividade que a pessoa considera significativa. Nesse caso, a satisfação deriva da atividade em si.
Essa discussão no contexto do empreendedorismo é abordada no tema paixão empreendedora (ou paixão por empreender). Esse assunto vem sendo pesquisado em diferentes contextos, incluindo o empreendedorismo científico. Sabe-se que a criação de novos negócios é positivamente influenciada por indivíduos que mantêm, no longo prazo, uma grande paixão por empreender.
A consideração do modelo dualista de paixão (obsessiva e a harmoniosa) no âmbito do empreendedorismo possibilita algumas considerações. O empreendedor que apresenta uma paixão empreendedora harmoniosa geralmente apresenta uma adaptação saudável e está aberto a novas experiências. Por outro lado, o empreendedor com paixão empreendedora obsessiva tende a apresentar uma persistência rígida e está sujeito a maiores frustrações.
Competências empreendedoras
As competências empreendedoras remetem ao conjunto de conhecimentos, experiências e habilidades do indivíduo em empreender. As competências são associadas ao processo de aprendizagem, e podem ser adquiridas ou modificadas por meio da educação empreendedora (formação e estudo), experiência (profissional e empreendedora) e observação.
As competências empreendedoras podem ser associadas à capacidade de um empreendedor em identificar oportunidades, desenhar o modelo de negócio, montar o time (ex.: sócios-fundadores), captar investimentos, escalar o novo negócio e sair no momento adequado. Essas competências abordam diferentes dimensões, tais como visão estratégica, capacidade de liderança e de gestão e habilidade de desenvolver relacionamentos e conhecimentos técnicos.
Dificilmente todas essas competências podem ser encontradas em uma única pessoa. Por isso, sugiro fortemente a montagem de times de inovação (ou de fundadores) para iniciar um novo negócio. Além disso, a formação do time é um dos principais critérios para obtenção de recursos advindos do capital de risco, particularmente nos estágios iniciais de uma startup. Adicionalmente, algumas pesquisas mostram que a diversidade do time de fundadores aumenta a chance de sucesso de uma iniciativa empreendedora.
É importante considerar que níveis distintos de competências empreendedoras causam diferentes graus de resultados. As lacunas nas competências empreendedoras podem ocasionar decisões inapropriadas, com impactos importantes no destino da iniciativa empreendedora.
Mentalidade empreendedora
A mentalidade empreendedora (ou mindset empreendedor) pode ser entendida como uma configuração ou estado mental. Essa mentalidade pode ser considerada segundo três aspectos:
Um dos elementos cruciais da mentalidade empreendedora contempla a adaptabilidade do empreendedor. Esta pode ser definida como a capacidade de um empreendedor ser flexível e autorregulador nas próprias cognições, emoções e comportamentos em contextos dinâmicos e incertos. Alguns sinais de adaptabilidade podem ser verificados na forma como o empreendedor interage com o mundo exterior e lida com incertezas e ambiguidades.
Nesse sentido, eventuais limitações nos aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais da mentalidade empreendedora de um indivíduo podem reduzir sua capacidade de adaptação às oscilações e incertezas típicas de uma jornada empreendedora. Isso pode ocasionar consequências importantes, tais como o comprometimento da sua saúde mental.
Como desenvolver um empreendedor
Geralmente, algumas pessoas me fazem as seguintes perguntas: é possível desenvolver um empreendedor? Na universidade, conseguimos transformar um pesquisador ou cientista em empreendedor?
Em primeiro lugar, é importante considerar que há elementos antecedentes à escolha de um indivíduo em seguir uma jornada empreendedora. Por exemplo, algumas pesquisas mostram que componentes genéticos, fatores familiares (incluindo a influência direta dos pais) e a própria personalidade do indivíduo influenciam sua intenção empreendedora e a consequente decisão por seguir uma trajetória empreendedora.
Assim, não pretendo trazer respostas definitivas para as questões acima. Mas posso trazer algumas dicas para os empreendedores:
- Compreenda sua paixão e encontre um ponto de equilíbrio. Nessa linha, empreendedores com paixão obsessiva deveriam aproveitar (ainda mais) a jornada empreendedora. E indivíduos com paixão harmoniosa poderiam reconhecer (ainda mais) a satisfação pelos resultados obtidos.
- Desenvolva suas competências empreendedoras por meio da educação empreendedora e pela exposição às práticas empreendedoras. Esses dois elementos são considerados simultaneamente no empreendedorismo baseado em ação (ou action based-entrepreneurship), uma abordagem que eu recomendo.
- Desenvolva uma mentalidade empreendedora visando considerar os aspectos cognitivos, comportamentais e emocionais associados à jornada empreendedora. Coloque ênfase na sua capacidade de adaptabilidade.
Não creio que um empreendedor seja um personagem mítico, ou alguém com “superpoderes” ou um super-herói. Entendo que ele é um indivíduo especial no sentido de apresentar um conjunto peculiar de características pessoais, que eu denomino “perfil ideal do empreendedor” (ou IEP – ideal entrepreneur profile).
Considero que as dimensões desse perfil podem ser compreendidas e desenvolvidas de forma complementar e harmoniosa. Com isso, podemos desenvolver um empreendedor ou até mesmo transformar um cientista em empreendedor.



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