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quinta-feira, 19 de junho de 2014

VONTADE POLÍTICA É A VERDADEIRA SECA DO NORDESTE

As áreas sedimentares que possibilitam a acumulação de água no subsolo são muito esparsas na região Nordeste

Por: João Suassuna - Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco
  

Já é mais do que sabido que as secas do Nordeste são periódicas e, enquanto fenômeno natural, não há como combatê-las. Todavia, os seus efeitos podem ser enfrentados com tecnologias apropriadas, tornando possível a convivência do homem com o meio árido.

Quando tratamos de tecnologias agrícolas para o Semi-árido - entendidas aqui como aquelas fixadoras do homem no campo - temos que ter em mente um ponto que é fundamental: a exploração, e com muita competência, da capacidade de suporte da região. Neste aspecto somos otimistas.

O Nordeste brasileiro tem 1.600.000 Km² e apenas 2% dessa área são passíveis de irrigação. Apesar de restrita, devido a problemas de qualidade de solos, bem como de quantidade e qualidade de água, a região poderá vir a ser um dos maiores pólos de fruticultura do mundo. Estima-se o potencial irrigado do Vale do Rio São Francisco em aproximadamente 1 milhão de hectares. Como termo de comparação, o Chile, país com clima temperado, produziu no ano de 1997, em aproximadamente 200 mil hectares irrigados, algo em torno de 1,5 bilhão de dólares em frutas. Temos, seguramente, nas margens do São Francisco, a capacidade de produzir cinco vezes mais do que o Chile, com uma vantagem adicional: o nosso semi-árido é o único no mundo localizado em uma região tropical, significando dizer que não temos a ocorrência de neve nos invernos. Este aspecto, aliado a intensa insolação - o semi-árido tem aproximadamente 3000 horas de sol por ano - e com técnicas avançadas de irrigação, possibilita até 3 colheitas por ano. A uva é um bom exemplo de produção nas margens do São Francisco.

Fala-se muito no extenso lençol de água no subsolo do Nordeste, e que sua exploração poderia ser a solução para resolver de vez os problemas hídricos da região. Não é bem assim. Nesse aspecto, temos que ter um pouco de cautela. Água de subsolo só existe quando a geologia assim o permite. As áreas sedimentares que possibilitam a acumulação de água no subsolo são muito esparsas na região. No Semi-árido, o Estado do Piauí é o que apresenta um maior percentual de áreas sedimentares (praticamente todo o estado) e tem demonstrado exemplos de fartura hídrica, a exemplo dos poços jorrantes no município de Cristino Castro. Quando houver possibilidade de exploração das águas destas áreas no Semi-árido, vamos assim fazê-lo. O que não se pode é extrapolar o exemplo do Piauí para o Nordeste como um todo. Nos demais estados, as áreas sedimentares são por demais esparsas não justificando aquela premissa inicial de exploração intensa das águas do subsolo. Para se ter uma idéia do problema, 70% do semi-árido encontram-se sobre um embasamento cristalino, no qual as únicas possibilidades de acesso a água ocorrem através de fraturas nas rochas cristalinas e nos aluviões próximos a rios e riachos. Em geral, essas águas são poucas e extremamente salinas.

Paralelamente à questão da água do subsolo da região fala-se muito, nos dias de hoje, na polêmica transposição das águas do Rio São Francisco como alternativa redentora para mitigar a sede dos nordestinos. Esta questão precisa ser tratada com cuidado. As prioridades iniciais do Rio São Francisco foram para gerar energia elétrica e irrigar. Isto deveria ser encarado como uma questão de segurança nacional. O rio, por ter o seu curso no Semi-árido inteiramente sobre regiões cristalinas, apresenta, como de regra, afluentes com caráter temporário. Esse aspecto traz, como conseqüência, uma redução de sua vazão no período de estiagem. Para solucionar este problema, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF construiu a represa de Sobradinho para manter a vazão do rio em patamares adequados à geração de energia elétrica no complexo de Paulo Afonso. Sabemos, no entanto, que Sobradinho tem operado em regimes críticos - em janeiro de 1998 apresentava apenas 13% de sua capacidade de acumulação - voltando à tona as ruínas das cidades que foram submersas com o represamento de suas águas, significando dizer que o rio praticamente havia voltado ao leito normal como antes de ser represado. Somado a esse problema da vazão, é importante esclarecer que o uso da água do São Francisco na irrigação é consuntivo, ou seja, a água não retorna ao rio após ser levada até as culturas. Nesse quadro de penúria hídrica, querer-se subtrair mais água do rio para abastecimento das populações é, na melhor das hipóteses, uma ação inconseqüente. Certamente não teremos água para atender a tudo isso (geração, irrigação e abastecimento). Ação muito mais coerente, quanto a este aspecto, seria a de se propiciar um melhor gerenciamento no uso das águas das grandes represas do Nordeste. Orós, no Estado do Ceará, por exemplo, que possui 2 bilhões de m³ de água, até hoje não justificou o porquê da sua construção. As águas estão lá evaporando e não se conhece um projeto de envergadura que justifique a sua condição de maior represa do Ceará. O Estado da Paraíba saiu na frente na campanha de um bom gerenciamento das águas de represas. Está para ser concluído o canal Redenção que irá transportar as águas dos açudes Coremas/Mãe D’água para irrigação nas várzeas de Souza. A represa Ribeiro Gonçalves, no Rio Grande do Norte, que chega a ser até um pouco maior que Orós (possui 2,2 bilhões de m³) está irrigando os municípios de Açu e Ipanguaçu e têm surgido vários pólos interessantes de fruticultura na região. O bom uso das águas das represas, ao nosso modo de entender, seria uma alternativa mais coerente na atual conjuntura em detrimento da alternativa de transposição das águas do São Francisco.

Outro aspecto importante e merecedor de atenção como alternativa produtiva no Semi-árido é o setor extrativista vegetal. Temos no Semi-árido uma riqueza enorme de plantas adaptadas ao ambiente seco que poderiam ser economicamente exploradas. Citamos alguns exemplos: como produtoras de óleos, Catolé, Faveleira, Marmeleiro e Oiticica; de látex, Pinhão, Maniçoba; de ceras, Carnaúba; de fibras, Bromeliaceas; medicinais, Babosa, Juazeiro; frutíferas, Imbuzeiro e as forrageiras de um modo geral. Temos um número de plantas enorme e praticamente não se conhece nada sobre elas. Ações de governo, nesse sentido, seriam importantíssimas.

A pecuária talvez seja a mais importante das alternativas para a região seca, principalmente por se tratar de uma região carente em proteína. Ações realizadas com sucesso no Carirí paraibano, especificamente no Município de Taperoá, têm demonstrado que o cultivo da palma e a fenação de forrageiras resistentes à seca como é o caso do capim buffel e do urocloa, aliados a criação de um gado igualmente resistente e de dupla aptidão (carne e laticínios) a exemplo do Guzerá e do Sindi oriundos dos desertos da Índia e de pequenos ruminantes melhorados geneticamente (caprinos e ovinos), têm possibilitado a sobrevivência digna do homem na região. A piscicultura é outra alternativa que poderá ser desenvolvida através da utilização do potencial de açudes já instalado. Ações governamentais que deem suporte aos produtores, sejam eles pequenos ou grandes, principalmente no setor creditício, são importantes e oportunas.

No que diz respeito à produção de grãos, entendemos que esta prática deveria ser banida dos limites do Polígono das Secas. A instabilidade climática da região é severa e torna a produção de grãos uma verdadeira loteria. Não podemos expor o homem nordestino a situações vexatórias. Estudos da EMBRAPA atestam que as colheitas seguras, nos limites do Semi-árido, ocorrem em apenas 20% dos casos. Em 10 anos agrícolas, apenas 2 apresentam colheitas com sucesso. Este percentual é muito baixo se levarmos em consideração que a fome dos animais, aí incluído o homem, ocorre em 100% dos casos. Um animal que não se alimenta hoje, inexoravelmente amanhã estará com fome. Atualmente, basta a ocorrência de uma única chuva para levar os governos estaduais a abarrotarem o Semi-árido com sementes selecionadas, e acharem que esta prática é sinônimo de boa administração. O que ocorre, na maioria das vezes, é que outras chuvas demoram a ocorrer e todo o trabalho do nordestino no preparo do solo e plantio é desperdiçado, e o que é pior, ele normalmente não dispõe de outra alternativa que lhe garanta o sustento e a vida. Muitas vezes termina por se alimentar de palma - alimento que é fornecido aos animais - como única opção de alimento disponível, como se verificou recentemente aqui em Pernambuco. Como produzir grãos numa região com problemas climáticos tão sérios, se podemos produzir, e com competência, a proteína animal em termos de carne, leite e peixes e, a partir desses produtos, adquirir os grãos necessários à alimentação, produzidos em outras localidades do país, com condições mais propícias para assim fazê-lo ? É uma questão de se adequar uma política agrícola, que efetivamente não temos, à uma realidade regional. Neste aspecto somos pessimistas.

Entendemos que os políticos, isso em regra geral, costumam fazer política com o sofrimento e a miséria do povo. As alternativas de produção existem e não são implementadas porque, na verdade, tem faltado aos administradores públicos a indispensável vontade política para definir ações estruturadoras no semi-árido. E tem faltado porque concretizá-la significa contrariar interesses, muitas vezes situados na base de apoio parlamentar do governo. É exatamente aí onde está a nossa verdadeira seca.



Texto publicado na GAZETA DO NORDESTE do dia 19 de maio de 1998

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