“Felizmente, cresceu muito no Brasil o número dos que acreditam que têm direitos” - Blog A CRÍTICA

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sábado, 5 de outubro de 2013

“Felizmente, cresceu muito no Brasil o número dos que acreditam que têm direitos”

“O Brasil tem uma das constituições mais avançadas do mundo. Mas, para avançarmos ainda mais, é preciso difundir isso. É preciso trabalhar agora pela efetividade das normas constitucionais. Ainda restam injustiças, discriminações, violências”, afirmou o Prof. Dr. Dalmo de Abreu Dallari, da Universidade de São Paulo – USP, durante a palestra “Constituição e Constituinte: limites, avanços, golpes e resistências”, realizada em 03-10-2013 na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros, no Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A palestra integra a programação do evento Constituição 25 Anos: República, Democracia e Cidadania, organizado pelo IHU.
“È preciso conscientizar as pessoas para que façam valer seus direitos. Felizmente, cresceu muito no Brasil o número dos que acreditam que têm direitos. Embora haja a reação de grupos a isso, os quais impõem obstáculos, resistências”, destaca o jurista. Dallari cita o acesso indígena à terra tradicionalmente ocupada por estas comunidades como um exemplo de direito que sofre a reação de grupos de interesses conservadores, ligados ao agronegócio e à exploração mineral. Outro grupo identificado por ele como ativo nas ações de redução de direitos encontra-se no próprio poder legislativo: “Um dos núcleos desta resistência está no Senado. O Senado é uma excrescência”.
Senado garantiu a escravidão
Dalmo Dallari explica que a Constituição Federal de 1988 inspirou-se na primeira constituição escrita, a dos Estados Unidos, de 1787, fruto da necessidade de constituição de um governo comum pelas 13 colônias (estados) que fundaram o país. O próprio termo “constituição” viria daí: a intenção de constituir um governo. Conforme o jurista, a constituição estadunidense baseou-se nos conceitos de Montesquieu de separação e independência dos poderes políticos. Entretanto, a decisão por separar o legislativo em duas câmaras deveu-se à tensão existente entre as colônias do norte, onde já impactava a atividade industrial, mais populosas, e o sul agrário, que utilizava-se de mão-de-obra escrava nas vastas áreas plantadas e onde as mulheres se somavam aos escravos entre aqueles que não tinham direito a voto.
De acordo com Dallari, cartas trocadas entre os grandes latifundiários do sul estadunidense demonstram que os proprietários de terras estavam preocupados com o fato de o poder legislativo ser composto por um número de deputados proporcional ao número de eleitores de cada colônia e com a possibilidade de aprovação de uma legislação abolicionista. Os latifundiários proporam então que fosse criada uma segunda casa legislativa, o Senado, onde cada colônia teria o mesmo número de parlamentares. Como todos os projetos e leis debatidos e aprovados no legislativo deveriam passar pelas duas câmaras, o sul agrário, menos populoso que o norte, conseguiu equilibrar a disputa política. “Graças a isso, eles mantiveram a escravidão por mais 78 anos. No caso do Brasil, não foi exatamente a escravidão que motivou a criação do Senado, mas sim a preocupação em manter privilégios”, enfatiza o jurista.
Participação popular
O jurista lembra a frase “Esta é uma constituição cidadã”, pronunciada por Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte, para afirmar que a constituição brasileira “foi feita com intensa participação popular”. “Mas, além disso, ela é humanista e democrática. A constituinte acolheu em seu texto os direitos humanos”, complementa o próprio Dallari. Este caráter democrático estaria representado, por exemplo, na possibilidade de apresentação de projetos de iniciativa popular, ainda que o número de assinaturas exigido para isso, de 0,5% do total de eleitores, seja bastante elevado. Entre os projetos aprovados a partir de iniciativas populares, o professor cita a Lei Maria da Penhae a Lei da Ficha Limpa.
O que Dalmo Dallari lamenta foi o fato de a Constituição Federal ter sido elaborada pelo mesmo grupo de parlamentares que, após aprovado o texto final, continuou no exercício de seis mandatos, o que abriu a possibilidade de legislarem em causa própria. “Velhas lideranças políticas oligárquicas interferiram para que, em lugar de se convocar uma assembleia constituinte exclusiva, o povo elegesse deputados e senadores com competência para fazer a constituição e, após terminada a mesma, continuassem suas funções legislativas. As consequências disso podem ser notadas no texto da constituição. Por exemplo, o referendum só se realiza se o congresso aprovar”, menciona ele para ilustrar os limites impostos à possibilidade de serem tomadas decisões de forma direta pelo eleitor.
Direitos humanos
Dalmo Dallari lembra que o primeiro documento a falar em direitos foi a Declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, proposto durante a Revolução Francesa. Em complementariedade a este, que não incluía os direitos da mulher, seria proposto dois anos depois outro documento, a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã, de autoria de Marie Gouze (1748-1793), filha de um açougueiro, e que havia adotado o nome de Olympe de Gouges para assinar as cartas e manifestos que redigia. Em virtude de suas manifestações, ela foi condenada à morte sob as acusações de ser contra revolucionária e uma mulher "desnaturada", vindo a ser submetida à guilhotina em 1793.
O termo “direitos humanos” apareceria pela primeira vez em uma declaração de direitos após a 2ª Guerra Mundial, quando a Organização das Nações Unidas propôs uma nova formulação capaz de contemplar os dois gêneros e superar as atrocidades do conflito. Conforme Dallari, a França propôs então que o documento da ONU recebesse o mesmo nome da declaração elaborada durante a Revolução Francesa, proposta que foi rejeitada. Como tratava-se de uma declaração, e não de um tratado, sua observação pelos países aderentes não era obrigatório. Décadas depois, para reforçar o comprometimento das nações com o documento, seriam apresentadas duas propostas de pactos de direitos humanos. Uma delas, apresentada pelos Estados Unidos, aprovava os direitos civis e políticos, em conformidade com a tradição do antigo direito inglês, marcada por “uma visão individualista, que isola o indivíduo da convivência” e “por um direito egoísta, cada um tem o seu”. A outra, apresentada pela União Soviética, ampliava o conceito para os direitos econômicos, sociais e culturais. Não houve acordo na elaboração de um único pacto, e a ONU acabou por submeter à avaliação das nações-membro os dois documentos de forma separada.

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