“Banco do Sul pode ser uma alternativa, mas o dos Bric's não” - Blog A CRÍTICA

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sábado, 23 de agosto de 2014

“Banco do Sul pode ser uma alternativa, mas o dos Bric's não”

Em entrevista ao jornal suíço Le Courrier (Genebra), Éric Toussaint afirma que continua a creditar no Banco do Sul, um projeto lançado em 2007 por sete Estados sul-americanos como alternativa ao Banco Mundial. Em contrapartida, mostra-se cético quanto ao projeto de banco de investimento anunciado pelos Bric's.

“A criação de uma alternativa ao Banco Mundial poderia de facto ser uma excelente notícia, mas não acredito que seja este o caso”, afirma Éric Toussaint sobre o banco dos Bric's - Foto de Moyan Brenn/flickr
Os meandros financeiros do desenvolvimento não têm segredos para Éric Toussaint. Fundador em 1990 do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM), este politólogo belga foi associado pelo Governo equatoriano ao lançamento do Banco do Sul. Apesar da paralisia atual deste organismo, Éric Toussaint continua a acreditar nesse projeto lançado em 2007 por sete Estados sul-americanos como alternativa ao Banco Mundial(BM). Em contrapartida, mostra-se cético quanto ao projeto de banco de investimento anunciado pelos cinco principais países emergentes.
Os BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul] anunciaram a intenção de criarem uma alternativa ao Banco Mundial (BM). Isto é uma boa notícia para o desenvolvimento?
E. Toussaint: A criação de uma alternativa ao BM poderia de fato ser uma excelente notícia, mas não acredito que seja este o caso. Os cinco países que constituem os BRICS são países capitalistas emergentes que procuram proteger os seus interesses, na mesma medida em que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o BM são instrumentos controlados pelas grandes potências tradicionais. O Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) é diferente, uma vez que promete não impor condições – do tipo planos do ajustamento estrutural – para a concessão de empréstimos e promete aplicar (mas fá-lo-á?) o princípio: um país, um voto. Isto não basta para construir uma alternativa. Seria apenas um mal menor.
Se bem entendi: trocar-se-ia um BM submisso a Washington, por um NBD ao serviço do imperialismo chinês?
Melhor dizendo, segundo o economista brasileiro Rui Mauro Marini, subimperialismo, no sentido de que esses países, com a China e o Brasil à cabeça, investem massivamente nos países em desenvolvimento para defender os seus próprios interesses políticos e econômicos, e não para desenvolver quem recebe os fundos. O que os diferencia do verdadeiro imperialismo, como o dos EUA, é o fato de não utilizarem – ou ainda não utilizarem? – meios militares. A exceção é a Rússia.
Na sua opinião, como seria uma verdadeira alternativa ao BM?
O banco dos Bric's “promete não impor condições – do tipo planos do ajustamento estrutural – para a concessão de empréstimos e promete aplicar (mas fá-lo-á?) o princípio: um país, um voto. Isto não basta para construir uma alternativa. Seria apenas um mal menor”
O anúncio em 2007 da criação do Banco do Sul (BdS) representa essa esperança. A pedido do presidente Rafael Correa, participei na redação da posição equatoriana quando da criação do Banco do Sul, e depois num conselho de ministros dos sete países fundadores. O Equador e a Venezuela tinham uma visão clara de uma instituição que deveria servir o emprego e a integração continental. E tinham projetos concretos, como uma indústria farmacêutica de produtos genéricos ou a ligação ferroviária entre os países da América do Sul, com produção local de material de transporte, o que significaria menos poluição e avanços industriais e tecnológicos. O BdS seria ainda uma moeda comum e alternativa, o sucre. Ou a ideia de transferir meios dos países mais dotados de reservas cambiais para os outros países. Era um projeto de integração, que levava em conta os interesses dos povos e poderia estender-se sem dificuldade à América Central e às Caraíbas, nomeadamente por pretender ser transparente – contabilidade pública, auditorias externas – e democrático. Para ser alternativa ao BM, era preciso ser um exemplo, e portanto ambicioso. Por exemplo, estava excluída a hipótese de os funcionários do BdS beneficiarem de imunidade judiciária, contrariamente aos do BM...
Infelizmente o Banco do Sul ainda não entrou em atividade. Sete anos após a sua fundação, o banco não concedeu nenhum empréstimo! As autoridades venezuelanas anunciaram o seu arranque para antes do final de 2014. A ver vamos.
O banco dos BRICS terá melhor sorte?
Conseguirão eles pôr-se de acordo sobre projetos comuns? É caso para perguntar se esses cinco países não se associaram sobretudo para mostrar às potências tradicionais que são capazes de o fazer. A realidade, na minha opinião, é que esses países têm muito poucos interesses comuns.
Terão eles capacidade financeira para dar vida a um banco desses?
Sem qualquer dúvida! A China, só por si, possui 3 bilhões de dólares em reservas cambiais e não sabe que lhes há-de fazer. É uma reserva enorme, quase duas vezes o total das dívidas públicas externas dos países em desenvolvimento. Uma grande parte desse dinheiro foi aplicado em títulos do Tesouro norte-americano. A China é o maior credor dos EUA. O Brasil e a Rússia também possuem avultadas reservas de divisas. Só a África do Sul terá dificuldade em entrar com os 10 mil milhões de dólares para o capital de lançamento da instituição (que vão acrescer aos 5 mil milhões a depositar no fundo de reserva).
O investimento do Brasil no NBD não é uma certidão de óbito para o BdS?
O BdS já está com os pés para a cova... Mas com ou sem Brasil, a América do Sul ainda tem meios financeiros para levar o projeto por diante. Na minha opinião, o Brasil é o principal responsável pelo bloqueio atual. Esse país tem o seu próprio banco de desenvolvimento, o BNDES, que investe muitíssimo no estrangeiro. O seu peso, na América do Sul, equivale ao do Banco Interamericano de Desenvolvimento e aos empréstimos do BM na região! O Brasil privilegia o BNDES. Só participou no BdS para travar um potencial concorrente.
Esse fracasso e as dificuldades atuais da Argentina e da Venezuela não serão sinal de que o sonho de independência latino-americano está fora de alcance?
No momento em que Hugo Chávez propôs o BdS, o projeto era inteiramente razoável! O erro provavelmente consistiu em achar que o Brasil tinha de entrar, custasse o que custasse.
Apesar de tudo, a maioria dos países do continente provou que podia afastar-se do consenso neoliberal. Novas estruturas começaram a funcionar, como a ALBA. Temos também a decisão do Equador, da Bolívia e da Venezuela de se retirarem do tribunal do BM em matéria de investimento. E o aumento dos impostos pagos pelas grandes empresas estrangeiras que exploram os recursos naturais desses países. É insuficiente olhar para as potencialidades reais desses países e os desafios importantes, mas ainda é tempo: seria necessária uma reação forte nos próximos dois anos. Alguns responsáveis governamentais pressionam nesse sentido.
Senão, receio que a América do Sul venha a enfrentar graves dificuldades financeiras. Um cenário semelhante ao da crise da dívida de 1982 ameaça voltar.
Há indícios nesse sentido?
Sim, os EUA preparam-se para aumentar as taxas de juro, que baixaram massivamente com a crise de 2007-2008. Isso irá encarecer o financiamento da dívida no preciso momento em que os Estados sul-americanos estão sob a ameaça duma diminuição da procura mundial de matérias-primas. Receio que estes países se apercebam daqui a dois a três anos que perderam uma magnífica ocasião, durante o decênio anterior, de se dotarem de instrumentos financeiros alternativos destinados a blindá-los contra as decisões tomadas pelos países do Norte.
Entrevista a Éric Toussaint, feita por Benito Perez do jornal suíço Le Courrier (Genebra). Tradução para português de Rui Viana Pereira para cadtm.org

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