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domingo, 7 de setembro de 2014

História do Trabalho: a primeira greve fabril

Em 1824 em Pawtucket, R.I., mulheres tecedeiras fizeram a mãe de todas as greves. Por Joey L. DeFrancesco e David Segal.

A causa imediata da greve foi uma decisão dos donos das fábricas de Pawtucket de cortar os salários das trabalhadoras em 25% e aumentar a jornada diária em mais uma hora para todos os trabalhadores.
O que os patrões não foram capazes de prever foi que as trabalhadoras não fossem tão facilmente controladas como as crianças.
Em Maio de 1824, 102 trabalhadoras em Pawtucket, Rhode Island, deixaram os seus teares depois de os donos das fábricas terem anunciado um corte nos salários. As trabalhadoras votaram pela recusa em voltar ao trabalho enquanto os antigos salários não fossem repostos. A seguir, uniram-se com outros trabalhadores fabris – crianças e alguns grupos de homens – e também com agricultores locais e artesãos que se juntaram à causa. Em breve, trabalhadores de praticamente todas as oito fábricas da aldeia estavam em greve, bloqueando fisicamente as portas para que ninguém pudesse entrar. Durante uma semana, foi o caos na aldeia. Operários e camponeses marcharam em massa para as casas dos donos das fábricas, arremessando pedras e insultos. Foi a primeira greve fabril nos Estados Unidos e a primeira greve de qualquer espécie envolvendo mulheres.
A Slater Mill, que empregava algumas das grevistas, é atualmente um ponto de referência nacional e museu e uma nova exposição que é um misto de arte e história – A Mãe de Todas as Greves: a Greve das Trabalhadoras Texteis de 1824 – concentra-se nessa greve de uma semana.
Construída em 1793, a Slater Mill foi a primeira fábrica têxtil nos Estados Unidos. Nas décadas que se seguiram, dúzias de outras fábricas foram construídas em Pawtucket e a cidade desempenhou um papel chave na maturação do capitalismo industrial dos Estados Unidos. A fábrica instituiu sistemas inovadores para controlar os trabalhadores: tempo fabril altamente regimental (em que as horas de trabalho eram contadas ao minuto), campainhas e uma loja da empresa.
A causa imediata da greve – “turn-out” como então foi chamada a greve – foi uma decisão dos donos das fábricas de Pawtucket de cortar os salários das trabalhadoras em 25% e aumentar a jornada diária em mais uma hora para todos os trabalhadores. Mas o ressentimento dos proprietários das fábricas há anos que existia, não só entre os trabalhadores da fábrica, mas também entre outros habitantes da cidade. Mesmo antes de a primeira fábrica ter sido construída, as pessoas que residiam em Pawtucket tentaram sabotar a construção das barragens que iriam alimentar as fábricas. Desconfiavam dos ricos forasteiros que compravam grandes pedaços de terra e que alteravam enormemente a paisagem.  A tensão subiu na última década quando os donos das fábricas chamaram os contribuintes para financiar projectos locais que beneficiavam sobretudo as fábricas.
As mulheres juntaram-se à força do trabalho das fábricas de Pawtucket nos primeiros anos de 1820 com a introdução do tear mecânico que possibilitava aos fabricantes tecer tecido acabado à máquina. Antes, as crianças tinham servido como os primeiros operadores da fábrica, mas estas novas máquinas requeriam uma força de trabalho mais velha, mais hábil e, portanto, os donos das fábricas trouxeram a próxima mais barata força de trabalho: jovens mulheres, geralmente entre os 15 e os 30 anos. O que os patrões não foram capazes de prever foi que as trabalhadoras não pudessem ser tão facilmente controladas como as crianças. Rapidamente se uniram para tomar a direção direta e coletivamente. Chocados com a exibição de uma ação coletiva sem precedentes, os donos das fábricas cederam ao fim de uma semana, provavelmente alcançando um compromisso que restaurou os salários pelo menos até próximo do que tinham sido, embora sejam desconhecidos os detalhes exatos do acordo.
Nas décadas seguintes, as greves de Pawtucket inspiraram ações militantes semelhantes por toda a New England, subindo de tom e levando a uma crise de governação acicatada por uma revolta estatal conhecida como a Dorr Rebellion, durante a qual milhares de habitantes de Rhode Island votaram a favor de uma nova constituição que ampliava o sufrágio e criou um governo sombra de curta duração que desafiou a legitimidade do estado em exercício.
A exposição de Slater Mill conta a história da greve e das suas consequências que incluiu ferozes medidas por parte dos donos das fábricas que introduziram estilos de direção ainda mais draconianos, criaram departamentos de polícia e encorajaram sociedades religiosas e de temperança como forma de reforçar a “maquinaria moral” das cidades fabris. Mas a exposição também aponta para o futuro, usando obras conceptuais para explorar o efeito psicológico das medidas de controlo da força de trabalho desenvolvidas durante este período e acompanhar o seu legado até aos dias de hoje. Ao lado de artefatos históricos encontram-se interpretações artísticas contemporâneas como um conjunto de letras cor de rosa monumentais de G. Cozzen dispostas pela fábrica e que escrevem a palavra “Autonomia” que só pode ser vista de um certo canto da sala, perturbando o regime de disciplina da fábrica. “The Selvage” de Kristina Brown é uma obra que retrata operárias forçadas na rigidez do tempo e do horário da fábrica. O “é proibido suicidar-se” de Chelsea Carl liga a greve de 1824 ao presente, usando texto para relacionar a disposição do chão da fábrica com os aspectos da moderna justiça social.
Hoje, em Rhode Island, as mulheres continuam na dianteira do movimento laboral porque continuam a serem os trabalhadores mais profundamente explorados. As empregadas de limpeza de hotel de Providence, que são praticamente só mulheres – muitas das quais vivem numa  Pawtucket mais acessível – estavam a fazer uma luta para aumentar os seus salários para $15 à hora. A exposição serve para recordar que há 190 anos um pequeno grupo de trabalhadoras foi capaz de levar uma aldeia inteira a desafiar a vontade da classe dominante.

Tradução de Almerinda Bento para esquerda.net
Joey L DeFrancesco é um organizador, artista e músico que vive em  Providence, RI. É programador e intérprete no Museu Slater Mill. Recentemente, criou o programa da história do trabalho do museu e curou a exposição The Mother of All Strikes: The Textile Worker Turnout of 1824.
David Segal é o director executivo da Demand Progress e membro visitante no Yale Information Society Project. Foi um antigo representante do estado de Rhode Island e antigo membro da Câmara de Providence.
Publicado em In These Times.

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