Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
A Conferência do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, a Rio
1992, adotou o chamado “Princípio da Precaução” definido como: “Para que
o ambiente seja protegido, serão aplicadas pelos Estados, de acordo com
as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam ameaças de
riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza
científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em
termos de custo, para evitar a degradação ambiental”.
Desta forma, naquela época, mesmo ainda não estando totalmente claro o
processo de aquecimento global, a Conferência do Rio forneceu
instrumentos para mitigar as mudanças climáticas. Foi criada a
Conferência Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas
visando a estabilização da concentração de gases do efeito estufa (GEE)
na atmosfera. Ficou decidido que os 194 países-membros da Convenção do
Clima se reuniriam anualmente nas reuniões chamadas Conferência das
Partes (COP) para deliberar sobre as ações em defesa da atmosfera
terrestre.
Na COP-3, ocorrida na cidade de Kyoto, em 1997, foi aprovado o
Protocolo de Kyoto, que estabelecia metas para reduzir as emissões de
gases do efeito estufa até o ano de 2012. Com base na ideia das
“Responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, foi estabelecido que os
países desenvolvidos deveriam arcar com as maiores responsabilidades na
redução de GEE e na transferência de recursos aos países em
desenvolvimento.
Porém, os Estados Unidos não ratificaram o documento, com a alegação
de que isto prejudicaria o crescimento econômico nacional. Já a China,
como país em desenvolvimento, não tinha obrigações de corte de emissões.
Portanto, os dois maiores poluidores do mundo ficaram livres para
continuar poluindo o Planeta e as emissões globais de dióxido de
carbono, pela queima de combustíveis fósseis, passaram de 23 bilhões de
toneladas em 1992 para 36 bilhões de toneladas em 2013. Neste sentido, o
Protocolo de Kyoto pode ser considerado um fracasso.
Além disto, houve um deslocamento geográfico da origem das emissões,
com o “Norte Global” diminuindo participação relativa e o “Sul Global”
aumentando suas emissões absolutas e relativas. Estados Unidos, União
Europeia, Rússia e Japão reduziram a percentagem de emissões, enquanto
China, Índia e o resto do Terceiro Mundo aumentaram suas cargas de
poluição. O caso da China é impressionante, pois subiu de 11% das
emissões globais para 26% (mais do que a soma de Estados Unidos e União
Europeia). Estados Unidos e China respondem por 40% das emissões globais
de dióxido de carbono (CO2).
Neste contexto, um acordo climático, conforme anunciado em 11 de
novembro de 2014, entre os dois gigantes da poluição mundial é uma
notícia auspiciosa no sentido de tentar evitar uma a catástrofe
climática.
No acerto sino-americano, assinado em Pequim pelos presidentes Barack
Obama e Xi Jinping, os Estados Unidos se comprometem a diminuir suas
emissões entre 26% e 27% até 2025, em relação aos níveis de 2005,
ampliando a proposta de redução para além da meta de 17% até 2020 feita
anteriormente. A China se comprometeu a começar a redução de emissões a
partir de 2030 – podendo, inclusive, antecipar esta data – e ter 20% de
energia limpa em sua matriz energética no mesmo ano. Xi Jiping,
presidente chinês, afirmou que o país instalará até 1.000 GW (gigawatt)
de energias limpas até 2030.
Se olharmos para a falta de resultados concretos das negociações
anuais da Convenção do Clima (adotada na Rio/92), o acordo EUA-China
apresenta um avanço e pode ajudar no processo de negociação da 20ª
Conferência das Partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre
Mudanças Climáticas – COP20 que vai acontecer entre os dias 01 e 12 de
dezembro de 2014, em Lima, Peru.
Não resta dúvidas que as duas superpotências da degradação ambiental
dão sinais de preocupação com o possível colapso climático e começam a
buscar saídas. Enquanto isso, o Brasil vai na direção contrária, pois
destrói seus recursos hídricos, aumenta o desmatamento e piora sua
matriz energética, fazendo do petróleo (do pré-sal) e das hidrelétricas
na Amazônia a alternativa para a continuidade do modelo econômico
classificado como “desenvolvimentismo ecocida e antropocêntrico”.
Em artigo reproduzido no jornal Folha de São Paulo, o economista
keynesiano Paul Krugman disse sobre o acordo: “O princípio que acaba de
ser estabelecido é muito importante. Até agora, aqueles de nós que
argumentavam que era possível induzir a China a aderir a um acordo
internacional sobre o clima estavam apenas especulando. Agora os
chineses mesmos disseram que estão de fato dispostos a negociar – e os
oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles não estão falando
sério”.
Krugman continua o argumento favorável às negociações: “Eu sei, eu
sei. A terminologia empregada pelos chineses foi um tanto vaga, e os
níveis de emissões pretendidos são muito mais altos do que os
especialistas em meio ambiente desejam. De fato, mesmo que o acordo
funcionasse exatamente como pretendido, o planeta ainda sofreria uma
alta extremamente prejudicial em sua temperatura. Mas considere a
situação. Os Estados Unidos não são exatamente o parceiro mais confiável
nesse tipo de negociação, já que grupos que negam a mudança no clima
controlam o Congresso e a única perspectiva de ação no futuro próximo, e
talvez por muitos anos, dependeria de decretos do Executivo. (Para não
mencionar a possibilidade de que o próximo presidente bem pode ser um
inimigo do meio ambiente que reverteria tudo que o presidente Barack
Obama venha a fazer). Enquanto isso, a liderança chinesa precisa lidar
com os nacionalistas do país, que odeiam qualquer sugestão de que o
Ocidente dite políticas a uma nação recentemente transformada em
superpotência. Assim, o que temos aqui é mais uma declaração de
princípios do que uma formulação de futuras políticas. Mas o princípio
que acaba de ser estabelecido é muito importante. Até agora, aqueles de
nós que argumentavam que era possível induzir a China a aderir a um
acordo internacional sobre o clima estavam apenas especulando. Agora os
chineses mesmos disseram que estão de fato dispostos a negociar – e os
oponentes de qualquer ação precisam alegar que eles não estão falando
sério. Seria desnecessário dizer que não espero que os suspeitos
habituais reconheçam que uma grande porção do argumento dos
antiambientalistas acaba de desabar. Mas desabou. Esta foi uma boa
semana para o planeta”.
Esta longa citação do artigo de Krugman serve para mostrar como é
difícil encontrar um ponto de negociação entre os Estados Unidos e a
China e como é trabalhoso lidar com as oposições políticas internas,
mesmo para um acordo que é limitado em termos de deter o aquecimento
global no longo prazo. O caminho é cheio de sobressaltos.
De modo geral, o acordo foi comemorado pelos ambientalistas. Segundo
Joe Romm, do site Think Progress, o novo acordo climático histórico
entre EUA-China muda a trajetória das emissões globais de poluição de
carbono, aumentando muito as chances de um acordo global na COP-21, em
Paris, em 2015.
O acordo poderá diminuir, cumulativamente, cerca de 640
bilhões de toneladas de emissões de CO2 do ar neste século. Quando se
adiciona a recente decisão da União Europeia (EU em inglês) de reduzir
até 2030 as emissões totais em 40% abaixo dos níveis de 1990, tem-se o
compromisso dos países que representam mais da metade de todas as
emissões globais, o que, por sua vez, coloca pressão sobre todos os
demais países.
O compromisso chinês de investir na geração de eletricidade livre de
emissões de carbono também é uma virada de jogo. Isto permitirá o
crescimento exponencial das energias renováveis (como solar e eólica)
nas próximas décadas e o avanço do processo de descarbonização. Mas este
processo de mudança da matriz energética não está livre de armadilhas
como mostra Gail Tverberg (2014).
O acordo EUA-China aumenta muito a chance de haver uma boa negociação
para substituir o Protocolo de Kyoto, viabilizando um caminho de menor
emissões que podem estabilizar os níveis de CO2 e manter o aquecimento
global perto de 2° C. Ele garante que a energia de menor carbono será a
nova fonte de energia dominante nas próximas décadas. Ainda segundo
Romm, os ativistas do clima certamente compartilham essa conquista, mas
vão continuar em vigilância contínua, pois as forças anticiência e os
interesses da indústria dos combustíveis fósseis já se alinharam contra
ele e o caminho para a estabilização real dos níveis de concentração de
CO2 na atmosfera é muito longo.
De fato, nada está garantido no sentido de mitigar o aquecimento
global, pois o lobby dos interesses da acumulação de lucros querem
continuar com o processo de dominação e exploração da natureza. Além
disto, a maior parte da população mundial está mais interessada em
garantir acesso ao paraíso consumista do que em mudar o modelo
“desenvolvimentista ecocida e antropocêntrico”.
Historicamente as pessoas só se mobilizam quando a “água bate no
pescoço”, como diz o ditado popular. Esta frase é uma maneira simples de
se entender o “Paradoxo de Giddens”, que pode ser resumido da seguinte
maneira: como os perigos mais graves do aquecimento global não são
visíveis no dia a dia, embora possam levar a civilização ao colapso, as
pessoas não apoiam as ações necessárias para revertê-lo; mas, esperar
seus efeitos mais visíveis e sérios para então tomar uma atitude será
tarde demais.
As negociações entre EUA e China e as declarações do G20 sobre a
necessidade de mitigar o aquecimento global são bem-vindas. Mas podem
ser apenas uma forma que os governantes encontram para procrastinar e
adiar as ações verdadeiramente necessárias. Nada garante, por exemplo, a
efetividade da promessa da China de cortar as emissões depois de 2030.
O Brasil prometeu reduzir a poluição, mas as emissões brasileiras de
gases de efeito estufa aumentaram 7,8% em 2013 na comparação com o ano
anterior, de acordo os dados do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissões
de Gases de Efeito Estufa), na contramão dos números do Ministério da
Ciência, que atualizou recentemente o Inventário Nacional. Até agora, as
promessas nacionais e internacionais são apenas intenções incapazes de
mudar o rumo que pode nos jogar na catástrofe climática.
Todavia, vamos torcer para que as negociações internacionais sejam
bem-sucedidas, que o Brasil reverta seu processo de desmatamento e de
dependência dos hidrocarbonetos e que as pessoas não morram afogadas
pelos efeitos das tempestades, furacões e elevação do nível do mar e nem
morram de sede e fome devido à crise hídrica, às queimadas, à erosão
dos solos e ao processo de desertificação. As catástrofes climáticas
podem ser potencializadas pelos eventos extremos provocados pelas
mudanças climáticas, causadas pelo aumento das atividades antrópicas
danosas ao meio ambiente, decorrentes do desenvolvimentismo
demoeconômico que tem provocado um holocausto biológico.
Referências:
Paul Krugman. China, carvão, clima. FSP, 14/11/2014
Joe Romm. Why The U.S.-China CO2 Deal Is An Energy, Climate, And Political Gamechanger, site Think Progress, 12/11/2014
Gail Tverberg. Eight Pitfalls in Evaluating Green Energy Solutions, blog, 18/11/2014
José Eustáquio Diniz Alves,
Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor
titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas
Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail:
jed_alves@yahoo.com.br
Publicado no Portal EcoDebate, 26/11/2014
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