A crise provém do excesso de crédito gerado pela voracidade dos bancos da eurozona. De aqui transformou-se numa crise de dívida soberana e o passo seguinte foi transferir o peso da dívida para os povos dos países deficitários.
Por Alejandro Nadal
As negociações entre a equipe do novo governo grego e os membros do Eurogrupo chegaram ao ponto de não-retorno. O governo do Syriza poderia dobrar-se e aceitar as condições impostas pelo Eurogrupo. Mas poderia resistir. Esgotar-se-ia o tempo para pedir uma prorrogação do plano de resgate e o seu absurdo programa de austeridade. A Grécia iniciaria a sua saída do euro.
Os ministros de finanças de Alemanha e Holanda, Schäuble e Dijsselbloem (hoje chefe do Eurogrupo), foram claros: os bancos emprestaram aos gregos as poupanças dos demais e agora é preciso pagar essa dívida. Mas essa postura apoia-se numa teoria macroeconômica equivocada e numa análise errônea sobre o funcionamento dos bancos. Referimos-nos à teoria sobre fundos emprestáveis e à análise que atribui aos bancos o simples papel de intermediários entre aforradores e demandantes de capitais.
Utilizemos a narrativa seguinte. Numa economia há gente paciente e há gente impaciente. Os primeiros poupam e os segundos tomam emprestadas essas poupanças para os seus projetos (de consumo e investimento). As poupanças convertem-se em fundos emprestáveis: há entidades, chamadas bancos, que atuam como intermediários entre esses dois grupos de pessoas. A taxa de juro determina-se no mercado desses fundos emprestáveis.
Tudo isto soa lógico, mas é falso.
De acordo com essa visão macroeconômica, o crédito para realizar investimentos está constrangido pela poupança. A poupança é o que fica quando ao rendimento lhe tiramos o consumo. Quanto menos consumo, mais poupança. Sem poupança, os fundos emprestáveis seriam zero e não haveria crédito. Esta ideia de que a poupança serve para financiar o investimento implica a noção de que quando há mais poupança aumenta a oferta de crédito. Os textos introdutórios de Krugman e Mankiw, utilizados em centenas de universidades, transmitem esta falsa história.
A visão sobre a crise na Europa que adotam Schäuble e Dijsselbloem baseia-se nesta teoria. Os bancos da eurozona teriam levado o excesso de poupança de países como a Alemanha e a Holanda a países com déficiy de poupança, como a Grécia.
Mas a análise da evolução de ativos e passivos transfronteiriços dos bancos na eurozona entre 1997 e 2011 revela uma expansão inusitada do crédito que não tem nada a ver com a poupança na Europa. Os dados do Banco Internacional de Pagamentos mostram que em 2002 os ativos dos bancos da eurozona em operações transfronteiriças ascendiam a uns 2 trilhões (milhões de milhões) de euros. Cinco anos depois, em 2008, esses ativos transfronteiriços tinham atingido a prodigiosa cifra de 10 trilhões de euros. Um aumento de 500 por cento! Esses ativos, cabe recordar, representam entre outras coisas os empréstimos que realizam os bancos (os empréstimos inscrevem-se como ativos na contabilidade do banco porque os credores deverão reembolsá-los).
Como se comparam as operações transfronteiriças dos bancos com o PIB e a poupança nacional dos países da eurozona? As contas nacionais na Europa indicam que o PIB dos 18 países da eurozona em 2008 ascendeu a 9,5 trilhões de euros. Ou seja que os ativos (empréstimos) transfronteiriços dos bancos esse ano foram superiores ao PIB dos países da eurozona. Algo está muito mal nessa teoria que vê nas poupanças a fonte do crédito.
A realidade é que os bancos comerciais privados e públicos têm a capacidade de criar moeda do nada. É uma verdade que se prefere ignorar porque é a fonte do poder de banqueiros e financeiros. Mas o fenómeno da criação monetária é evidente e é o que permite o funcionamento de uma economia capitalista.
Os bancos da eurozona, em especial aqueles que tinham vantagens de escala e de reputação, encontraram uma grande oportunidade no momento em que se consumou a união monetária. O mercado de países da bacia do Mediterrâneo oferecia-lhes terreno virgem para as suas operações: não só tinha uma mesma referência monetária, como também as regras macroeconómicas (Tratado de Maastricht) asseguravam baixa inflação. Enviaram os seus agentes mais aguerridos para promover os seus créditos e encontraram um público ávido de crédito barato. O resultado está nas cifras mencionadas acima. A superabundância de crédito entre 2000 e 2009 é o resultado destas operações dos bancos.
A crise provém do excesso de crédito gerado pela voracidade dos bancos da eurozona. De aqui transformou-se numa crise de dívida soberana e o passo seguinte foi transferir o peso da dívida para os povos dos países deficitários. Mas a irresponsabilidade dos bancos comerciais privados na génese da dívida não pode ser ignorada.
O Syriza tem razão ao recusar o sacrifício do povo grego no altar da austeridade fiscal. Veremos se as elites no velho continente compreendem que a alma de Europa não se pode perder num mundo em que a criação monetária está em mãos privadas e é guiada pela sede do lucro.
Publicado no La Jornada
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