Entrevista feita por Letícia Naísa em Motherboard
Brian Greene é um dos principais físicos da atualidade e estuda a Teoria das Cordas, uma teoria qque busca unificar a relatividade com a mecânica quântica.
Motherboard: Como é sua rotina de trabalho? Você trabalha sozinho ou tem uma equipe?
Brian Greene: Normalmente eu trabalho com uma equipe, alguns dos meus estudantes, algumas vezes envolvo estudantes de pós doutorado, às vezes colegas. Realmente depende do projeto, mas às vezes temos um grupo de pessoas que jogam ideias, fazem uns cálculos, se juntam, veem onde as coisas estão e progridem desse jeito.
Como você se interessou por física?
Quando eu era jovem, eu era fascinado por matemática. Essa grande beleza dos números. E quando eu fiquei mais velho, eu descobri que a matemática poderia ser usada para descrever o mundo, o universo. Então virou algo muito maior do que apenas um jogo bonito, virou um caminho para descobrir as coisas. E foi assim que eu me envolvi na área.
Você tem um grande público de não cientistas que se interessam pelos seus livros. Por que o senhor acha que seus livros vendem tanto? Como o senhor atinge um público tão abrangente?
Eu acho que uma coisa que as pessoas têm é uma grande curiosidade sobre como nós chegamos aqui. Como o universo chegou aqui. E algumas vezes eu penso que muita gente está procurando por significados maiores dentro dessa realidade em que vivemos. Os meus livros falam para esse tipo de jornada, mas não de uma forma mística, não de uma forma fictícia, mas eu tento usar os métodos poderosos da ciência para revelar algumas respostas. E eu acho que muitas pessoas gostam dessa abordagem.
Você acha que as analogias ajudam?
Eu acho que as analogias são vitais. As ideias sobre as quais estamos falando são muito abstratas, muito pouco familiares, então meu trabalho na construção desses livros é construir uma ponte entre o conhecido e o desconhecido. E as analogias são a base dessa ponte, uma vez que elas permitem que você pense sobre coisas que você sabe mas aprende algo sobre uma coisa que você não sabe.
Como você se aproximou da teoria das cordas?
Quando eu era estudante na graduação na metade dos anos 80, eu era fascinado pela gravidade, como a gravidade funcionava. Em particular, como a gravidade e a mecânica quântica se encontravam. E inesperadamente, quase que do nada, a teoria das cordas surgiu como uma teoria potencial que poderia fazer exatamente esse encontro da gravidade com a mecânica quântica. Então eu larguei todo o resto que eu fazia e comecei a trabalhar na teoria das cordas.
As pessoas têm é uma grande curiosidade sobre como nós chegamos aqui. Como o universo chegou aqui. E algumas vezes eu penso que muita gente está procurando por significados maiores
Existe alguma evidência da teoria das cordas?
Não, nenhuma. É uma resposta simples. Há muitos palpites de que a teoria está no caminho certo, é capaz de compreender algumas áreas experimentais estabelecidas da física, que levaram centenas de anos para serem postas em práticas: gravidade, mecânica quântica, física de partículas, essas disciplinas se encaixam naturalmente na teoria das cordas, como uma mão dentro de uma luva. Isso nos deixa confiantes sobre essa teoria poder ser a teoria unificada que tanto buscamos. Mas até que haja evidências, nós não saberemos.
Crédito: Facebook/ Brian Greene.
E como se explica a teoria das cordas para alguém leigo?
A ideia básica da teoria das cordas é que, a grosso modo, nós sempre aprendemos que a matéria contém moléculas, moléculas são feitas de átomos, átomos são feitos de ingredientes menores, elétrons, prótons e nêutrons e até os prótons são feitos de ingredientes menores, pequenas partículas chamadas quarks. Aí a ideia tradicional termina. Pequenas partículas pontuais fazendo matéria. A teoria das cordas sugere que se você olhar ainda mais profundamente nessas partículas, mais profundo do que conseguimos, encontraremos uma nova camada dessa história. Uma outra boneca, se você quiser, na sequência de bonecas russas. E esse pequeno ingrediente seria um pequeno filamento de uma cordinha vibrante, por isso chamamos de teoria das cordas. Então a ideia seria que as diferentes vibrações de uma corda, como as vibrações de um violino, que produzem diferentes notas musicais, diferentes vibrações dessas pequenas cordas produziriam diferentes tipos de partículas. Uma corda vibrando de um jeito seria um quark, vibrando de outro jeito, seria um elétron e assim por diante. Então tudo é unificado sob essa única ideia de cordas vibrantes.
Então cada vibração cria uma partícula?
Sim.
Alguns físicos são céticos com relação à teoria das cordas, o que você acha desse ceticismo?
Eu acho que eles estão completamente certos de serem céticos. E na verdade, eu nem deveria dizer “eles” porque eu me incluo entre eles também. Eu sou extremamente cético com relação à teoria das cordas e todo mundo deveria ser cético, porque até o momento em que uma ideia tenha um suporte empírico, você não sabe se ela é relevante, se ela está correta. Meu ponto de vista é que existem evidências circunstanciais suficientes, palpites suficientes da matemática de que a teoria merece uma determinada atenção, que eu e outros estamos dispostos a dar. Se outros [físicos] não estão convencidos por esses palpites, então eles estão livres para não trabalhar com a teoria das cordas, para trabalhar com coisas que eles acham que têm maior chance de estarem corretas. Nisso que consiste ser um físico, você faz escolhas de onde posicionar seus esforços, não dá para trabalhar com tudo. Todos são livres para fazerem suas próprias escolhas e é por isso que a área é saudável.
Qual é a diferença entre a aplicação da teoria das cordas em casos grandes, como galáxias e buracos negros, e casos pequenos, dos objetos da nossa rotina?
A aplicação é a mesma, o que é extraordinário, porque você pensaria que a teoria das cordas deve ser apenas aplicável em coisas pequenas, porque estamos falando de cordas muito pequenas. Mas buracos negros são um grande exemplo, porque eles requerem que você coloque as leis das coisas pequenas em grandes coisas, unificando tudo. Porque o centro dos buracos negros são coisas que se chocam em um tamanho muito pequeno, então você precisa tanto da gravidade quanto da mecânica quântica ao mesmo tempo. E a teoria das cordas é a único jeito de fazer isso hoje. E o extraordinário disso é que, e isso é uma das evidências que eu mencionei antes, você pode usar a teoria das cordas para calcular aspectos dos buracos negros que nenhuma teoria conseguiu calcular antes. Alguns chamam de entropia de um buraco negro. Soa técnico, mas, a rigor, aprendemos com Stephen Hawking em 1974 que os buracos negros têm um conjunto de desordem associado a eles. É isso que é a entropia. E o Hawking conseguiu prever o quanto dessa desordem existia. Mas ele não conseguia fazer isso de um jeito matematicamente indiscutível. A teoria das cordas finalmente surgiu 25 anos depois e derivou o quanto de entropia os buracos negros deveriam ter. E a resposta concorda com o que Hawking descobriu, mas agora de um jeito mais sólido, com base na matemática.
De novo, isso não significa que a teoria das cordas está correta, talvez seja algum tipo de coincidência, algum tipo de propriedade universal que qualquer cálculo definido poderia atingir, mas muitos de nós vemos isso como uma forte evidência circunstancial da teoria das cordas.
Eu estava lendo seu livro, Universo Elegante, e você diz que a relatividade geral e a mecânica quântica não podem coexistir. Por que?
A ideia central básica de que a teoria da teoria quântica e da relatividade geral parecerem estranhas uma à outra. A ideia de que o espaço e o tempo podem se curvar de uma maneira harmoniosa. Grandes distâncias apresentam uma grande agitação. E é essa agitação selvagem do quantum que gerencia um conflito com a curvatura harmoniosa da relatividade geral. São essas ideias que se chocam. A teoria das cordas encontra um caminho de acalmar a agitação do quantum para que possa se fundir com a harmoniosa noção de espaço e tempo da relatividade geral.
Em uma palestra sua do TED de 2005 você fala sobre a possibilidade de medir energia das partículas para prova a existência de dimensões extras. Essa medição aconteceu? Como se daria?
Bem, o grande colisor de partículas LHC tem funcionado por alguns anos. Está sendo atualizado então não está funcionando hoje. Mas deve ser ligado novamente logo. E até agora não há evidência para nenhuma das ideias que eu sugeri naquela apresentação. Mas eu vou ressaltar que até naquela apresentação, se você olhar atentamente, eu enfatizo que essas são possibilidades, um tiro no escuro. Seria impressionado se isso tivesse acontecido com um resultado positivo. Mas lidando com a negativa, infelizmente não prova a teoria das cordas errada, mas eu reitero que infelizmente, eu adoraria provar a teoria das cordas errada. Eu não ligo se estiver certa ou errada, eu só quero saber. E nós construímos uma situação em que nós simplesmente não sabemos se estamos certos ou errados. E essa é a natureza da pesquisa teórica desse campo hoje.
Por que você acha que é importante levar o conhecimento da física para o maior número de pessoas que você puder com os seus livros?
Eu acredito que, de alguma forma, minhas experiências dizem que muita gente quer saber o que acontece na linha de frente. As pessoas são muito curiosas sobre questões que nós, humanos, temos nos feito há milhares de anos. De onde veio o universo? Qual é a natureza do tempo? Como as coisas serão no futuro? Do que as coisas são feitas? Quais são as leis fundamentais regendo tudo que nós vivemos?
Então eu acho que é uma tragédia que as pessoas tenham essas questões tão profundas, mas sejam incapazes de aprender o que a física moderna tem para dizer sobre essas perguntas porque elas não falam a linguagem da matemática. Então o ouro do livro é traduzir das ideias matemáticas que temos desenvolvido para uma linguagem mais familiar para os realmente curiosos, mas não tecnicamente treinados, para que mais pessoas possam entender.
Você tem muito retorno das pessoas que leem seus livros?
Grande retorno. Eu recebo milhares de emails das pessoas que passaram por essa jornada, tinham algum interesse, mas não perceberam o quão profundo esse interesse era. Ou não tinham interesse algum e alguém deu um livro meu ou de outra pessoa e fez despertar uma paixão. Ou algum estudante que agora está fazendo doutorado em física e me diz que leu meu livro quando era criança e o inspirou a fazer o que faz. Essas coisas são muito gratificantes.
Você acha que esse tipo de trabalho é parte do trabalho de um pesquisador?
Eu não diria que é necessariamente parte do trabalho. Há alguns pesquisadores que não têm interesse e eles não devem ser forçados a publicar seus trabalhos se não for algo que eles têm paixão de fazer. Mas há alguns de nós que gostam de fazer pesquisa e também gostam de falar sobre isso para um público maior. Então é ótimo que haja oportunidade para isso.
Você está escrevendo alguma coisa agora?
Nenhum livro por enquanto, mas estamos envolvidos em alguns projetos para levar ciência ao público. Alguns tipos de romances, eu diria, filmes, música. Alguns projetos que vão além da escrita. Que eu acho muito animadores.
O que te fascina sobre a teoria das cordas?
A possibilidade de chegar à teoria unificada que o Einstein previu mas nunca descobriu. A possibilidade de usar uma teoria para responder questões como de onde vem o tempo, como o universo começou. Então é o fato de que, se a teoria estiver certa, ela responderá algumas das verdades eternas mais profundas. É muito animador.
Eu vi um comentário seu no Facebook sobre o prêmio Nobel de física. O que você achou?
Bem, é um trabalho muito importante. É mais ligado ao lado da aplicação das coisas do que às coisas mais fundamentadas como outros trabalhos que já ganharam prêmios. Mas como a comunidade enfatiza, Alfred Nobel queria que alguns dos prêmios tivessem impacto direto na humanidade. E isso é verdade no caso desses ganhadores do prêmio Nobel.
Você espera ganhar um prêmio Nobel algum dia?
Eu? (rindo). Eu duvido muito.
Por quê?
Porque o trabalho que eu faço lida com especulações. Eu acho que os prêmios Nobel são mais focados em trabalhos que sabemos ser verdade, porque são verificados. E há muitos trabalhos bons desse tipo. Então a natureza da busca por uma teoria unificada, por dimensões extras, sugere algo além do nosso objetivo experimental por muito tempo.
Como essas dimensões extras existem? É difícil imaginá-las.
É realmente muito difícil imaginar. As analogias são bem úteis. Uma analogia que eu gosto de usar, você viu sem dúvida, é de um longo tubo, que tem as dimensões grandes óbvias, o comprimento, mas também tem uma dimensão pequena curva, e você vê uma curva bem pequena, difícil de enxergar. Isso poderia ser visto no universo, as dimensões grandes e fáceis de ver, que eu você conhecemos. Mas também poderia ter outras que estão tão enroladas que nós não vemos. Pelo menos não ainda.
Você fala também sobre multiversos. Como você conseguiu enxergar isso?
É muito difícil de imaginar. Mas por outro lado, não é tão difícil imaginar que poderia ter acontecido mais de um big bang. Mais de um evento que tenha criado mais de um ambiente. Então já que parece que o nosso universo emergiu desse tipo de ponto inicial, não há razão para não acreditar que poderia ter outros que emergiram de outras versões, outras instâncias de outro big bang.
Não soa meio como ficção científica?
Soa sim como ficção científica. Mas com a diferença crucial de que isso não emergiu de um trabalho de imaginação, mas de um estudo cuidadoso de equações matemáticas, que já se provaram relevantes para uma gama de dados experimentais observados. Então é baseado de um jeito que a ficção científica não é.
Como você tem ideias para os seus livros?
Normalmente é algo que eu tenho interesse. Às vezes tem a ver com o trabalho que eu estou fazendo no momento. São ideias que ficam me preocupando por algum tempo e eu sinto que elas chegaram a um ponto em que elas contam uma história interessante.
Você tem alguma conclusão sobre o que é o universo?
Conclusão no sentido do que o universo significa? Eu estou tão esclarecido hoje quanto eu estava há 30 anos atrás sobre o que tudo significa.
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