Califórnia vive seca histórica, petição exige que Nestlé pare de engarrafar água - Blog A CRÍTICA

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quinta-feira, 23 de abril de 2015

Califórnia vive seca histórica, petição exige que Nestlé pare de engarrafar água

Governador dos estado norte-americano decreta racionamento de 25%, afetando a população de 38 milhões de habitantes, devido à seca persistente, mas a multinacional engarrafa água de fontes do estado para vender no mercado nacional e até para exportar.

Tomi Mori

Multinacionais engarrafam água para exportar? Isto é poupar água?
Multinacionais engarrafam água para exportar? Isto é poupar água?

Uma petição que já angariou 150 mil assinaturas, impulsionada pela organização Courage Campaign, exige que a multinacional Nestlé pare imediatamente de engarrafar água, numa situação em que o estado da Califórnia está sob racionamento.

O governador democrata, Jerry Brown, decretou, recentemente, um racionamento de 25%, afetando a população de 38 milhões de pessoas desse estado da costa Oeste dos Estados Unidos. Em Beverly Hills, habitada por ricos e milionários, esse racionamento pode chegar a 36%.


Por que a Califórnia enfrenta esta seca histórica?

O problema da água na Califórnia é histórico, remontando à chamada Guerra da Água, no início do século passado, durante a construção do aqueduto de Los Angeles.

No entanto, esse problema não impediu que a Califórnia se transformasse num dos principais estados americanos. Para se ter uma ideia, apenas o PIB desse estado seria suficiente para colocá-lo no oitavo posto do ranking da economia mundial, ficando atrás apenas dos EUA, China, Japão, Alemanha, França, Brasil e Reino Unido.

A importância da Califórnia, para os Estados Unidos, é de tal magnitude que alguns números são suficientes para demonstrá-lo. Pelo menos metade das frutas produzidas nos EUA são provenientes do estado, que também lidera a produção de vegetais. Cidades conhecidas como San Francisco, San Diego e Los Angeles fazem parte dele. Também dois mitos da sociedade industrial estão sediados ali, Hollywood e o Silicon Valley, ninho de empresas high-tech como Facebook, Apple, Oracle, Cisco, AMD, Intel, eBay, Google, Hewlett Packard, Maxim, SanDisk, Symantec e Yahoo!, para citar algumas das mais conhecidas de uma lista imensa.

Estes dados permitem-nos compreender a dimensão que a atual seca na Califórnia pode ter para a população local, para o conjunto dos EUA e também para alguns países latino-americanos, já que uma significativa parcela da população é de origem hispânica.

Investigações da NASA demonstram que desde 2002 as reservas de água do estado vêm declinando. Essa situação agravou-se nos últimos quatros anos com uma seca persistente que, segundo as autoridades, faz com que a atual seca seja considerada de "extrema seca" para 66% e de "excecional seca" para 41% do estado.

Segundo declarou o cientista da NASA Jay Famiglietti, que também é professor da Universidade da Califórnia, "o estado tem um ano de água nos reservatórios, e a outra fonte, a água subterrânea, apresenta baixo nível". Segundo esclarece, "a Califórnia não tem plano de contingência para uma seca persistente como esta, exceto, aparentemente, ficar em estado de emergência e rezar por chuva".

A seca tem origem nas mudanças climáticas. Isso fica claro com a diminuição das chuvas e da neve no estado. Janeiro de 2015 foi o mais seco desde que os cientistas começaram a coletar dados, em 1895. Segundo uma recente investigação, pela primeira vez, em 75 anos, que não se encontra neve no Philipps snow course, em Sierra Nevada. As águas do degelo são importantes para encher os reservatórios de água.

Outro elemento que leva à falta de água é o crescimento da população, que atingiu 38 milhões. E, por último, a maior parte da água é utilizada na agricultura. As atividades agrícolas do estado mais que quadruplicaram nas ultimas três décadas, passando de 7,3 mil milhões de dólares em 1974, para cerca de 31 mil milhões de dólares, em maio de 2014. Sendo os principais produtos o leite, amêndoas e uvas.

Segundo afirma o governo de Jerry Brown, a seca irá continuar em 2016 e poderá prolongar-se.

Lucrando com a seca

De tudo o que foi escrito antes, o leitor que não tenha interesse sobre os EUA poderia chegar à conclusão de que isso não é um problema relevante, já que parece estarmos a falar do paraíso. No entanto, a Califórnia apresenta também um brutal contraste social. Cerca de 7,6% da população está desempregada. E tem também a maior taxa de pobreza americana, 23,5%.

A atual seca que, certamente, afeta milionários e também uma ampla classe média, afetará principalmente a população mais pobre. O aumento do preço dos produtos agrícolas e o aumento do desemprego são inevitáveis nessas circunstâncias, elevando o índice de inflação, que todos sabemos é um mecanismo de redução salarial.

Através do racionamento, o governador proíbe que se desperdice água irrigando os relvados das casas e também os canteiros das ruas. Os milionários poderão irrigar os seus jardins com champanhe e, não há por que se preocupar com esses detalhes. Mas, também, serão elevadas as tarifas de consumo da água, afetando diretamente os bolsos daqueles que já estão vitimados por um sistema desigual.

Bem, numa situação como a vivida pelos californianos, era de se esperar que todos, sem exceção, contribuíssem para amenizar a crise.

Mas, o absurdo de tudo isso é que algumas empresas multinacionais, como a Nestlé, PepsiCo e Coca-Cola Co, estão a obter lucros fabulosos com a seca. Imoral?

Privatização da água

É comum que muitos se oponham a privatização da água. A água, assim como o ar, é considerada um direito humano e, portanto não poderiam ser privatizados. Mas o que muitos não percebem é que, enquanto continuamos a discutir se é justo ou não a privatização da água num futuro distante, as empresas já estão a privatizar na prática há varias décadas. A diferença é que, nos últimos anos, a utilização privada da água tem aumentado de forma espetacular.

É por esse motivo que a população californiana, indignada pelo facto de que multinacionais como a Nestlé, Pepsi e Coca-Cola, entre outras, continuem a ter os seus lucros fabulosos engarrafando água durante um sério racionamento.

A Nestlé, através das suas marcas como a Arrowhead e Pure Life, continua a engarrafar em pelo menos doze fontes naturais do estado. Essa água não só é consumida no mercado americano, como também é exportada, demonstrando a que ponto chega a fome de lucro dessas empresas. A Pepsi, com a Aquafina; e a Coca Cola com a Dasani, alem da Cristal Geyser, continuam a engarrafar durante o racionamento. O agravante disso é que as multinacionais estão a levar os aquíferos à exaustão. Alguns são antigos e, uma vez retirada a água, essa jamais será reposta.

Um exemplo de uma crise global

A crise da água na Califórnia demonstra a gravidade das mudanças climáticas. Tem afetado todas as regiões do mundo. Que o principal país imperialista esteja a passar por isso é um exemplo mais que eloquente da incapacidade de resolver um problema que, sem dúvida, é insolúvel nos marcos do modo de produção capitalista. E a produção capitalista, a qual se mantém desenfreada, responsável por toda a catástrofe climática atual.

A Bloomberg, por exemplo, ao contrário, encontra a causa dessa situação na incompetência e nas tarifas erradas que estariam a ser cobradas. Não resta dúvida de que a incompetência faz parte da crise atual. Não resta dúvida também de que as tarifas cobradas são equivocadas. As multinacionais que engarrafam pagam uma miséria pela utilização da água, enquanto o principal custo do sistema recai sobre as costas da população. Segundo denuncia o The Desert Sun, de San Bernardino, a Nestlé utiliza uma permissão para transportar água na floresta nacional, em San Bernardino, vencida em 1988. Mas isso não é capaz de explicar por que não chove ou por que não neva.

O despreparo para enfrentar a situação é alarmante, mas serve apenas de exemplo para demonstrar a gravidade da situação daqueles países, não desenvolvidos, ou com relativo desenvolvimento, que passarão por secas inevitáveis devido à crise climática. A crise climática encontra-se no centro da atual agenda política.


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