A falta de limites, o privilégio outorgado à competição e aos lucros, acima da cooperação e dos bens públicos, bem como a capitulação dos governos frente ao poder do dinheiro, fizeram da plutocracia moderna uma realidade dominante que precisa ser revertida.
Por Soren Ambrose
O território de Boegbor, um povoado no condado de Grand Bassa, na Libéria, foi entregue à empresa Equatorial Palm Oil por meio de uma concessão de 50 anos. Foto: Wade C. L. Williams/IPS |
A plutocracia é uma sociedade ou um sistema governado ou dominado por uma pequena minoria que concentra a maior parte da riqueza. Os ricos sempre foram poderosos e sempre houve elementos da plutocracia em todas as sociedades.
Pais desesperados que não podem pagar escola privada; famílias que ficam sem assistência médica porque as empresas mineiras que contaminam os seus rios sonegam os impostos que pagaria o seu tratamento; mulheres que dormem apenas quatro horas por dia para conciliar o cuidado com a família e a casa com um trabalho que gere rendimento; comunidades inteiras expulsas das suas terras para dar lugar às companhias estrangeiras; trabalhadores com salários tão magros que sofrem má nutrição.
Esses são apenas alguns dos informes publicados por colegas nos últimos meses. As pessoas sentem-se frustradas pelo aumento do poder dos plutocratas.
Mas o grau de controle que exercem atualmente, o número de super-ricos que essencialmente compram o poder político, a perseverança quase impossível necessária para superar as relações públicas e os recursos legais e técnicos controlados por grandes empresas e pessoas ricas, maior densidade de concentração da riqueza nos países maiores e a natureza global dos recursos, poder e conexões acumuladas que combinam para excluir opções democráticas significativas e espaços para uma vida além dos valores materialistas da plutocracia.
A lógica que se tira de tudo isto, a cobiça pelo dinheiro, o poder e o controle, é a antítese da preservação de um ambiente no qual prospere a vida. Ao longo da história a humanidade suportou vários sistemas sociais e políticos desequilibrados. As origens da economia de mercado remontam há vários séculos, mas só neste se tornou tão monolítica e com quase todo mundo só feitiço.
Vivemos a era do hipercapitalismo: fomos além da industrialização e do valor agregado até ao ponto em que as regras são escritas por financistas; poder-se-ia dizer que o setor financeiro passou a concentrar o maior poder político da história, uma vez que alguém realmente produza algo.
Um breve período de relativa igualdade nos países mais ricos após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) deu lugar no final dos anos 1970 a uma poderosa ideologia de competição, de crescimento sem fim e de lucros ilimitados. Essa forma de pensar foi traçada de forma deliberada por institutos muito bem financiados por aspirantes a plutocratas.
A falta de limites, o privilégio outorgado à competição e aos lucros, acima da cooperação e dos bens públicos, bem como a capitulação dos governos frente ao poder do dinheiro, fizeram da plutocracia moderna uma realidade dominante que precisa ser revertida.
Os analistas costumam falar de como as pessoas podem “contribuir para a economia”. Esta já não facilita o funcionamento da sociedade, os seres humanos vivem para servi-la. A “liberdade” foi reconfigurada para se referir à escolha do consumidor, em lugar da capacidade de determinar como ordenar a vida das pessoas.
Há alguns anos, debatia-se bastante sobre o conceito de “auge petrolífero”, a possibilidade de que estaríamos a alcançar o início do fim dos fornecimentos utilizáveis de petróleo. Mas podemos estar a chegar a um ponto mais perigoso: o auge da plutocracia, em que a sociedade e o meio ambiente já não podem mais sustentar a concentração de poder e recursos.
É preocupante ouvir sistematicamente colegas de todo o mundo mencionarem o grau com que as pessoas com poder limitam o poder das pessoas.
As provas do auge da plutocracia são:
* O até agora bastante exitoso esforço dos interesses empresariais para impedir medidas significativas em matéria de alterações climáticas;
* A pressão de uma agricultura de propriedade restrita, grandes fornecimentos e alta tecnologia que exclui os pequenos agricultores, entre os quais uma grande proporção é de mulheres, que alimentam a maior parte da população do planeta;
* A conivência de governos e empresas para conseguir o controle da terra e dos recursos naturais das comunidades para gerar lucros para estrangeiros privilegiados;
* A “corrida para o abismo” dos governos para sacrificar rendimento mediante a exonerações de impostos a fim de atrair investidores estrangeiros, mesmo quando os benefícios não estão claros ou são insignificantes;
* O fracasso dos governos na criação de leis que protejam os trabalhadores de abusos que vão desde o seu tráfico, passando por salários miseráveis, até condições de trabalho que representam um risco inaceitável, nas quais as mulheres sofrem maior precariedade, magros salários e tarefas desumanas;
* O fracasso no reconhecimento do abuso sistemático dos direitos das mulheres em muitas áreas, mas em particular os profundos subsídios não compensados que oferecem às economias com o seu trabalho de cuidado não remunerado ou mal pago, mas que permite o funcionamento das famílias e das sociedades;
* A pressão sobre os países, e ultimamente a conivência entre governos e companhias, para mudar as leis de proteção ao consumidor e comerciais para que as empresas estrangeiras possam dominar os mercados:
* O uso da coerção, incluída a violência, por parte das elites poderosas de empresas privadas, movimentos fundamentalistas e regimes repressivos para controlar o corpo das mulheres bem como as suas escolhas reprodutivas e sexuais, o seu trabalho, a sua mobilidade e a sua voz política;
* A pressão para privatizar escolas à custa de uma educação pública decente, apesar da total falta de evidência de que os resultados irão beneficiar alguém mais que não seja os seus proprietários;
* O desperdício injustificado com o setor público, e o recurso da maioria dos países e das instituições intergovernamentais doadoras à noção de “desenvolvimento encabeçado pelo setor privado”, mesmo diante da falta de modelos positivos;
* A fetichização do investimento direto estrangeiro em países de baixo rendimento apesar da evidência contundente de que nenhum país conseguiu um desenvolvimento sustentável com capitais estrangeiros;
* A crescente coincidência de interesses entre governos, corporações e elites para limitar a liberdade de ação de movimentos sociais e grupos de interesses públicos, estreitando o espaço político em todas as partes do mundo;
* A crescente dominação exercida pelas grandes corporações e pessoas mais ricas nos debates e nos processos da Organização das Nações Unidas (ONU);
* A descarada defesa ideológica da desigualdade e da concentração maciça de poder e recursos de pessoas ricas e dos institutos que financiam;
* O crescente número de desastres e emergências tornam-se oportunidades para gerar lucro, enquanto as áreas afetadas se refazem segundo as regras dos plutocratas;
* A negativa dos governos em combater a crise do desemprego juvenil com programas de emprego público para atender a já reconhecida crise que paira sobre a infraestrutura desenfreada;
* A falácia da escassez revelada pela capacidade dos governos para encontrar importantes somas dos recursos públicos para financiar guerras, resgates financeiros, mas raramente para programas que empreguem pessoas, combatam a fome e as doenças e impulsionem a energia renovável;
A hiperconcentração da riqueza nas mãos de uns poucos corrompeu sistemas democráticos, tanto nos países ricos como nos pobres. Necessitamos democratizar o poder. Mas, não significa monitorizar melhor as eleições, mas que o poder seja mais horizontal, mais acessível a mais pessoas, àquelas que estão envolvidas nas decisões que são tomadas.
Não há uma receita única para que isso aconteça. É preciso passar uma e outra vez, todos os dias, em todas as partes, com crescentes conexões para que aqueles com dinheiro e influência não nos deixem de fora. Devemos ocupar espaços e não deixá-los, e depois ocupar outros.
Quênia, 27 de abril de 2015
Artigo de Soren Ambrose, chefe de Política da organização ActionAid International, publicado por Envolverde/IPS.
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