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sexta-feira, 12 de junho de 2015

As medidas de ajuste fiscal

Publicado na Revista Economistas nº16

Antes mesmo de iniciado o segundo mandato, a nova equipe econômica do governo da presidenta Dilma Rousseff anunciou um conjunto de medidas voltadas para reverter a alta do déficit público. Maior rigor fiscal tem sido a ênfase dos novos ministros da área econômica, pois entendem que o endividamento público e as dificuldades em financiá-lo são fatores que podem, no médio prazo, desestabilizar a economia.

Os temores do governo decorrem da observação da trajetória de alguns indicadores relativos às finanças públicas. As contas consolidadas do setor público em 2014 resultaram em déficit nominal de 6,7% e déficit primário de 0,63% do PIB. Estes resultados indicam que o saldo entre receitas e despesas públicas não foi suficiente para pagar os juros da dívida e houve deterioração dos indicadores fiscais em relação ao ano anterior. Afinal, em 2013, o déficit nominal tinha sido de 3,25% e o setor público tinha gerado um superávit primário de 1,88% do PIB. O déficit primário do ano passado chama a atenção porque é o primeiro deste tipo desde 2002.

O déficit primário de 2014 foi gerado principalmente pelo governo central, embora os estados também tenham passado de uma situação superavitária para deficitária entre 2013 e o ano passado. No caso do governo central (governo federal e Banco Central), o resultado primário foi determinado por um aumento de receitas de 3,6%, inferior ao aumento de 12,8% nas despesas totais.

A Secretaria do Tesouro explica que o desempenho das receitas foi afetado pelo baixo crescimento econômico e pelas desonerações tributárias. Assim, a arrecadação da CSLL praticamente estável (0,6% de variação) reflete o fraco crescimento econômico e da renda, enquanto a queda nas receitas de PIS/Cofins está ligada às desonerações (-3,1% e de -5,8%, respectivamente). Vale notar que em função do mercado de trabalho ainda favorável, as receitas da Previdência Social tiveram quase 10% de aumento em 2014, apesar da desoneração da folha compensada por R$ 9,0 bilhões que o Tesouro repassou à Previdência.

No lado das despesas, a Secretaria da Receita Federal informa que as despesas de custeio e capital foram as que mais contribuíram para o déficit primário. Entre estas, cabe destacar o aumento relativo de 22% nas despesas do FAT e de 21,5% em outras despesas de capital. Entre estas últimas destacam-se as despesas discricionárias para os ministérios da Saúde, da Educação e do Desenvolvimento Social, os investimentos do PAC e a compensação pela desoneração da folha. O aumento das despesas da Previdência Social, de 10,4%, ficou próximo do aumento das receitas previdenciárias, o que mostra que não é daí que têm surgido as pressões sobre as contas do governo central. Na mesma linha, o item pessoal e encargos teve variação de 8,4%.

Apesar do resultado primário negativo, o principal fator determinante do déficit nominal do setor público ainda é o pagamento de juros. O ciclo de alta da taxa Selic, visando combater a inflação, elevou em quase um ponto percentual a carga de juros como proporção do PIB, de 5,14%, em 2013, para 6,07%, em 2014. Este aumento nos gastos com juros concentrou-se principalmente sobre o governo federal, que destinou o equivalente a 5,33% do PIB aos credores. É importante observar que essa sangria nas contas do governo transfere renda dos contribuintes, de forma geral, em benefício dos rentistas, notadamente do setor financeiro.

A propósito, o setor bancário, na contramão dos demais, apresenta-se extremamente saudável e com lucros crescentes. O lucro líquido dos três maiores bancos privados do país - Itaú, Bradesco e Santander - totalizou R$ 41,8 bilhões, em 2014. O Itaú, por exemplo, obteve um aumento de 30,2% no lucro líquido, entre 2013 e 2014. A receita com títulos e valores mobiliários desses bancos aumentou, em média, 41,1%, muito além da receita com operações de crédito. Assim, os constantes aumentos na taxa básica de juros da economia (Selic) têm favorecido e feito aumentar enormemente o lucro do setor bancário que, neste contexto, não precisa preocupar-se em fornecer crédito ao setor produtivo, uma vez que já aufere grande resultado financiando a rolagem da dívida pública, cada vez mais onerosa, além das tarifas bancárias financiarem boa parte do custo fixo.

Assim, os grandes números das contas públicas mostram que, em 2014, os fatores que determinaram o déficit nominal recorde foram: a alta das taxas de juros, maiores gastos com investimentos, desonerações tributárias e o funcionamento dos ministérios e programas da área social. Fica evidente a complicada equação envolvendo o combate à inflação, o estímulo ao crescimento econômico e o objetivo de justiça social. O equilíbrio do orçamento público parece ser, neste primeiro instante, o compromisso mais explícito assumido pelos novos formuladores da política econômica. A meta do governo, para este ano, é gerar um superávit primário de 1,2% do PIB (cerca de R$ 56 bilhões). Para os dois anos seguintes, a meta aumenta para 2,0% do PIB. Com esses resultados, o governo pretende estabilizar a relação dívida pública/PIB e ganhar o crédito necessário para tratar de questões como o déficit externo e a inflação.

Cortes nos gastos e aumento de receitas, via aumento da carga tributária, são os instrumentos tradicionais para ajustar as contas públicas. Do lado das receitas, algumas medidas já foram concretizadas, como as alterações nas alíquotas da Cide - Contribuição Incidente sobre o Domínio Econômico (o “imposto dos combustíveis”), o aumento das alíquotas do PIS/Cofins, que incidem sobre a comercialização de gasolina, diesel e produtos importados, cobrança de IPI para distribuidores de produtos cosméticos e aumento do IOF para empréstimos pessoais.

A política de desonerações da  folha foi completamente alterada, com elevação de alíquotas e direito ao empresário de optar pela base tributária que melhor lhe convier. Na verdade, a desoneração só continua valendo para as receitas de exportações, que continuam livres de qualquer contribuição previdenciária. As vendas para o mercado interno terão aumento de custos, que as empresas tentarão transferir para os consumidores ou compensar com redução e cortes nos empregos ou nos salários.

Além disso, a presidenta vetou o reajuste de 6,5% na tabela do imposto de renda, o que aumentará tanto o número de contribuintes quanto a alíquota efetiva sobre cada um deles, caso o rendimento tributável tenha variação superior à do reajuste da tabela que o governo pretende fixar em 4,5%. Aliás, é esta diferença positiva entre o rendimento tributável e o índice de reajuste da tabela do IR que tem resultado em crescimento real da arrecadação com este imposto nos últimos anos. A contrapartida a isso é uma carga de IR cada vez maior sobre a classe média assalariada, principalmente.

Do lado dos cortes de gastos, já foram tomadas medidas que incidiram especificamente sobre a seguridade social. Seguro desemprego, abono salarial, pensões, entre outros, são alguns dos benefícios que terão acesso mais restrito. Além disso, o governo cortou os aportes de recursos do Tesouro para o BNDES, que, por sua vez, aumentou a TJLP e promoveu reajustes de preços e tarifas públicas visando carrear recursos para as empresas estatais.

As medidas trazem impactos sobre a vida da população mais vulnerável, que sofre com a rotatividade elevada e os baixos salários no mercado de trabalho. Em 2013, 43,4% dos trabalhadores formais permaneceram por menos de seis meses no mesmo emprego e mais da metade, 54,8%, ganhava, em 2013, até dois salários mínimos.

A alta rotatividade no emprego, que ultrapassa os 100% dos empregos em certos setores, impedirá que uma proporção razoável de trabalhadores cumpra as exigências para o primeiro acesso ao seguro -desemprego e acessos subsequentes. O número de trabalhadores impedidos de solicitar o seguro desemprego aumentará, com forte impacto principalmente sobre os jovens desempregados.

Sobre o abono, a medida limita o direito ao benefício aos trabalhadores que mantiveram vínculos formais por pelo menos seis meses, e passará a ser pago proporcionalmente ao período de vínculo. Haverá, portanto, redução da cobertura e do valor deste programa social de complementação de renda.

O governo diz que as medidas visam combater fraudes, devido ao aumento no número de requisições. No entanto, não são as fraudes, mas sim a persistência deste grande volume de desligamentos, seguido de contratações e recontratações, que determinam o crescimento quantitativo do uso do seguro-desemprego.

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