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segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Manuel Castells: Sociedades polarizadas


A crise exacerbou a desigualdade e a polarização em todos os países e, particularmente, onde começou, na Europa e nos EUA.

por Manuel Castells



Nós vivemos em sociedades cada vez mais polarizadas. Isso é, onde os ricos estão ficando mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. E os riquíssimos se apropriam de mais riqueza a cada dia. Quanto mais?

O Credit Suisse acaba de publicar seu respeitado relatório sobre a riqueza global. Ele estima que 1% da população mundial detém 50% dos ativos do planeta. Assim, o do 1% e  do 99% não foram slogans, mas a nossa realidade. Além disso, 0,7% possuem 45,2% da riqueza; 7,4% tem 39,4% dos ativos e 21% uns 12,5% da riqueza, enquanto 3.386.000 (71% da população) sobrevivem com apenas 3% da riqueza. A tendência é que os ativos de 80% da população sejam reduzidos e quanto mais pobres mais é reduzido, enquanto os 10% mais ricos quanto mais ricos mais aumenta.

Os 10% da população mundial detém 88% da riqueza, enquanto o 50% mais pobres têm apenas 1%. A concentração máxima já não está em 1% e sim no 0,1%. A crise exacerbou a desigualdade e a polarização em todos os países, particularmente na Europa e nos Estados Unidos, onde ela começou. Não havia um tal nível de desigualdade no mundo por um século.

Outra fonte, a lista de bilionários da Forbes em 1987 afirmava que 140 pessoas controlavam 0,4% do patrimõnio mundial; em 2013 foram de 1.400, os que detinham 1,5% da riqueza. As projeções de Piketty indicam que 2.000 indivíduos, de acordo com extrapolações de tendências atuais, irão se apropriar do 7,2% dos ativos em 2050, e 59% em 2100. O economista Joseph Stiglitz disse que 85 pessoas têm ativos equivalentes a 50% da população mundial.

Muito se fala sobre o crescimento da China, Índia e América Latina nos últimos tempos como corretores de distribuição de riqueza, com o surgimento de uma nova classe média. O relatório define a classe média, em termos muito gerais, tais como aqueles que detém entre US$ 50.000 e US$ 500.000. Bem, a classe média tem apenas 664 milhões de adultos, ou 14% do total da população mundial, enquanto que aqueles com riqueza acima desse limite são 96 milhões de adultos, 2% da população .

Medida desta forma, a  China tem apenas 11% de sua população na classe média, igual a América Latina, enquanto nos Estados Unidos a proporção é de 39%, e na Europa de 33%. Enquanto na Índia, apenas 3% da sua população estão nessa categoria, semelhante à proporção da África. De modo que mesmo os 109 milhões de chineses de classe média, mais do que qualquer outro país, são uma pequena minoria no seu território.

Olhando para o número de milionários por países, do total global, 46% vivem nos Estados Unidos; e apenas 4% na China; 5% na França; 5%, na Alemanha; 7% no Reino Unido; 6%, no Japão; Suíça 2% e 1% em Espanha. 49% dos bilionários que vivem nos Estados Unidos; 30%, na Europa; 4% na China, e apenas 2% na Índia, África e América Latina.

Mas realmente, as comparações entre países não refletem a realidade. Há um cálculo curioso, outras fontes. Confrontado com a ideia de que a Europa e os Estados Unidos estão endividados como os países emergentes, na realidade não é assim: a dívida líquida dos países ricos é de 4% do PIB. Mas a dívida líquida dos outros países é de 3%.

Em outras palavras, o planeta como um todo está em dívida de 7%. Com quem? Com Marte? A realidade é que apenas cerca de 10% do produto interno bruto global não está nas contas nacionais e depositados no que é estimada em paraísos fiscais. Assim, não haveria transferência entre países, em termos líquidos, mas uma transferência de fundos financeiros que investem os ricos para defraudar o Tesouro.

Em Espanha se manifestam tendências tendência similares. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) nos considera o segundo país mais desigual entre os seus membros (com um coeficiente de Gini, que é uma medida de desigualdade antes de impostos de 0,52, ou seja, a mais altas do mundo) 10% da população espanhola detém 50% do patrimônio líquido, em comparação com 40%, que tem apenas 3%.

Parte da polarização é, devido à diferença de salários que aumentou durante a crise. O salário médio dos diretores das empresas Ibex 35 é 612.000 euros, enquanto que a dos trabalhadores é de 43.000 euros. A culpa é da crise? Não: na ligeira recuperação no último ano de 2014, a remuneração dos executivos aumentou 17,5% (independentemente dos benefícios da empresa), enquanto a dos trabalhadores diminuiu 0,64%. E enquanto o nível de pobreza é de 29,2%, uma criança em cada três está em risco de pobreza, em quase dois milhões de lares ninguém está empregado e sem renda são 770.400.

Soluções? A redistribuição da riqueza por meio de impostos e transferências sociais. Na Espanha quando se corrige assim a riqueza o coeficiente de Gini é reduzido para 0,34. Não há outra solução que os impostos progressivos sobre os rendimentos elevados e grandes empresas, combinado com o controle de fraude fiscal. Permitindo financiar os gastos públicos ativos, criadores do bem-estar, emprego e infra-estrutura produtiva. Está tudo inventado.

A questão é saber quem manda e para quem. Por suas ações os conhecereis e como vemos, no mundo em geral, mandam políticos venais a serviço dos ricos, que ainda querem ser mais.

Demagogia? Se acaso for, é a demagogia dos dados.







Manuel Castells  Professor de sociologia da UOC em Barcelona

Fonte: La Vanguardia, 17/10/2015

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