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terça-feira, 15 de março de 2016

Deflação e estagnação

Com a crise econômica global descobrimos que na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e mesmo na China, o verdadeiro inimigo é a deflação. 

Por Alejandro Nadal

Deflação - Imagem de Floréalréal/wikimedia

Durante anos as autoridades monetárias e os organismos financeiros internacionais impulsionaram uma política monetária orientada para o controle da inflação. A despesa pública teve que se subordinar à estabilidade dos preços, que era o imperativo central. A política de taxas de juros correspondia à necessidade de arrefecer a economia, quando o aquecimento levasse a riscos inflacionários. E a política de rendimentos também esteve submetida à exigência de conter a procura agregada. Daí sai a contenção no crescimento dos salários. Mas agora as coisas mudaram e com a crise econômica global descobrimos que na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e mesmo na China, o verdadeiro inimigo é a deflação.


Por que é má a deflação?

Mas por que é má a deflação? Há várias razões. Primeiro, uma redução sustentada do nível geral de preços faz com que os agentes econômicos estejam menos dispostos a fazer despesas. Quando os preços caem os consumidores têm a expectativa de que continuarão a reduzir-se e preferem esperar que caiam ainda mais. A procura agregada diminui, a atividade econômica desacelera e o desemprego aumenta.

Segundo, os agentes econômicos não estão dispostos a pedir empréstimos, porque quando tiverem de pagar as suas dívidas fá-lo-ão numa moeda que valerá mais do que a que receberam quando pediram o empréstimo. Isto é, a deflação prejudica os devedores e beneficia os credores. Esta é a imagem espelho do mundo em que a inflação é o inimigo dos credores. Aceitar um crédito quando os preços estão a cair não é bom para o devedor, porque o peso da sua dívida aumentará em termos reais. E isso inclui os empresários que gostariam de se lançar numa operação produtiva.

Terceiro, do ponto de vista da oferta há que assinalar que os investidores não têm nenhum interesse em lançar-se em novas operações produtivas quando veem que os preços estão em queda. É verdade que também não gostam de um cenário de forte inflação, mas um aumento moderado de preços, digamos de 5 ou 7 por cento não os faz sentir que estão na hiperinflação da república de Weimar ou do Zimbabwe. Além disso, por trás do problema da deflação esconde-se o espectro de um mundo em que se estará a produzir com perdas.

Em conjunto, estas três razões podem provocar uma grave contração econômica em que as forças desencadeadas se retroalimentam e tornam muito difícil a saída da recessão. Isto é precisamente o que estamos a presenciar em quase todos os centros motores da economia mundial, desde a Europa e dos Estados Unidos até ao Japão. Vários indicadores mostram que a economia na China poderá ir caminhando para um cenário semelhante. Isto é o que alimenta a ideia da estagnação secular.

Que podem fazer as autoridades econômicas face à deflação?

Pois a verdade é que bastante pouco. Hoje vemos que os bancos centrais levaram as suas taxas de juro ao limite inferior mais baixo, a zero por cento, mas o impacto sobre o consumo e o investimento, isto é, sobre a procura agregada, é muito débil. Isto deve-se a que apesar de os preços estarem a cair, os consumidores não tendem a aumentar a sua despesa porque também têm expectativas negativas, devido ao peso das suas dívidas estar a aumentar em termos reais. Ou seja, o efeito positivo da descida nos preços é contrabalançada pelo endividamento. E há que recordar que nas duas últimas décadas o endividamento de quase todos os agentes econômicos (famílias e empresas) foi o impulsionador do crescimento. Hoje, o sobre-endividamento faz com que o consumidor não responda à queda nos preços, porque ainda prevalece o efeito da orgia de sobre-endividamento e os agentes procuram por todos os meios possíveis reduzir o peso das dívidas.

Este fenômeno é especialmente grave na China, por isso não tem muito sentido apostar que a sua economia possa tornar-se motor do crescimento mundial. Nos últimos vinte anos, enquanto a máquina de propaganda do neoliberalismo fazia com que todo mundo se maravilhasse com as altas taxas de crescimento da China, os bancos davam créditos a quem quisesse construir arranha-céus transparentes, cidades fantasmas ou estradas que não iam ter a lado nenhum. E agora que o banco central chinês relaxa ao extremo a sua política monetária, cortando o nível de reservas que os bancos comerciais ou semi-privados devem manter no instituto monetário, nenhum analista espera que esta medida possa acelerar o crescimento.

Os bancos centrais do mundo capitalista desenvolvido procuram regressar a níveis de inflação moderados. Por exemplo, nos Estados Unidos e na Suécia, a Reserva federal e o Riksbank procuram regressar a uma taxa de crescimento com uma inflação de 2 por cento. Talvez a Fed tenha de seguir o exemplo dos suecos e instaurar taxas de juro negativas. De qualquer modo, o impacto sobre a procura agregada tem sido quase insignificante na Suécia. Decididamente, algo está a mudar no capitalismo contemporâneo.




Alejandro Nadal
Economista, professor em El Colegio do México.

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