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sábado, 6 de agosto de 2016

Música

Robert Sharpe
Tradução de Vítor Guerreiro - Crítica na rede



Embora possamos encontrar escritos filosóficos sobre música que remontam a Platão e Aristóteles, e a discussão por parte de filósofos que não se situam na tradição analítica, como Schopenhauer, Adorno e Nietzsche, os problemas filosóficos que hoje identificamos como aqueles que abrangem a estética da música tiveram pela primeira vez um tratamento clássico com o crítico vienense Eduard Hanslick. Embora o seu tratamento não seja sempre lúcido, e continue a ser objeto de debate o que Hanslick queria dizer, parece razoavelmente claro que o seu alvo primário era uma concepção romântica que subsequentemente se tornou conhecida como a teoria expressionista da arte, de que a beleza na música depende da representação ou expressão rigorosa dos sentimentos do compositor. (As teorias expressionistas sustentam caracteristicamente que um estado psicológico do artista é comunicado ao ouvinte por meio da obra.) De maior importância filosófica nas suas objeções é a afirmação de que há um elemento cognitivo nos sentimentos de esperança, raiva, etc. Há um juízo envolvido que pode ser um componente necessário na individuação de um sentimento particular. A música não tem esse elemento de juízo. O autor inglês Edmund Gurney, num volumoso e deambulante livro, The Power of Sound, desenvolveu, ao que parece independentemente, uma linha de crítica paralela. Ambos dão ênfase à relação solta entre a música e as descrições expressivas que fazemos dela. Ambos são considerados formalistas que acreditam que o valor da música está na beleza dos seus padrões e não no seu poder expressivo.

A estética da música floresceu desde a década de 1980. O debate sobre como a música pode ser apropriadamente descrita como “triste” ou “exuberante” prosseguiu a bom ritmo. A perspectiva mais amplamente adotada é provavelmente a de que é a própria música que é triste, e não o compositor, o ouvinte ou o executante, e que descrevemos a música deste modo por causa do modo como a música se move, por causa do seu ritmo ou a sua angularidade ou ainda pelas suas linhas. Todavia, esta ortodoxia foi desafiada por uma série de autores, que argumentaram que a música triste tem uma tendência para deixar o ouvinte triste, uma posição que se tornou conhecida como “evocacionismo”.


Tem havido muita discussão filosófica recente do que é algo ser uma obra musical. O debate tem ocorrido em grande medida entre platônicos, como Peter Kivy, e outros. Os platônicos tendem a argumentar que a obra de música é um padrão sonoro abstrato que é descoberto, e não criado, pelo seu compositor. É justo afirmar que o centro da controvérsia aqui é como devemos compreender a criatividade do compositor: será que cria ex nihilo, ou encontra-se mais na posição do grande e inovador cientista cujo gênio lhe permite ver o que outros não conseguiram? Um platonismo mais moderado, como o de Jerrold Levinson, aceita que a obra a musical é um padrão abstrato ou um tipo do qual as suas execuções ou interpretações são espécimes, mas que é um tipo criado por um compositor. Recentemente, tem havido uma maior compreensão de como o conceito de obra musical é ele próprio um fenômeno histórico que se desenvolveu à medida que a sala de concertos se tornou no equivalente sônico da galeria de arte ou do museu, um lugar onde as obras podem ser exibidas através da execução. Deste modo, tornou-se norma uma distinção profunda entre obra e execução, com a noção de fidelidade à obra a ganhar o primeiro plano.

Consequentemente, os filósofos interessaram-se cada vez mais por um conceito que tem sido central para a execução musical no último meio século, a noção de “execução genuína” ou, como hoje por vezes se lhe chama, a “execução historicamente informada”. O debate é bastante complicado. Devemos tentar recriar o som que o compositor teria ouvido ou o efeito que a sua música teve nos primeiros ouvintes? Temos o dever moral perante o compositor de apresentar a sua obra do modo como este o desejou? Devíamos dar prioridade à tradição de executar a obra, incorporando as ideias sagazes de gerações de intérpretes?

Há também um interesse crescente na ontologia da música fora da tradição clássica ocidental, como o jazz, o rock, e a música do mundo. Ponderando todos os fatores, a estética da música é presentemente o ramo mais vigoroso da filosofia das artes.


Robert Sharpe

Texto retirado de Oxford Companion to Philosophy, org. por Ted Honderich (Oxford: Oxford University Press, 2005)

Leituras

Stephen Davies, Musical Meaning and Expression (Ithaca, Nova Iorque, 1994).
Stephen Davies, Musical Works and Performances (Oxford 2001).
Lydia Goehr, The Imaginary Museum of Musical Works (Oxford, 1992).
Peter Kivy, Authenticities (Ithaca, Nova Iorque, 1995).
Peter Kivy, The Fine Art of Repetition (Cambridge, 1993).
Peter Kivy, Sound Sentiment (Philadelphia, 1989).
Jerrold Levinson, Music, Art and Metaphysics (Ithaca, Nova Iorque, 1990).
R. A. Sharpe, Music and Humanism (Oxford, 2000).

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