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segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Tenho razão de me emocionar por Yane



Elogiada no mundo inteiro, a solenidade de abertura das Olimpíadas, ontem, no Rio de Janeiro, maltratou nossos corações. Valeu a espera até tarde da noite, de olhos grudados na televisão, para ver Yane Marques, a porta-bandeira brasileira, sacolejar o Maracanã com bossa e maestria, levando e levantando a bandeira nacional. Estamos tristes e desapontados com o Brasil da Lava Jato e dos corruptos, mas quem não ficou orgulhoso com o show de competência na produção da festa? Deu para aliviar um pouco o nosso sofrimento, a nossa angústia, a nossa dor rompida pela crise.

De arrepiar mesmo foi sentir que a cada passo que Yane dava na Avenida da Olimpíada, apresentando o Brasil ao mundo, ali estava o Sertão tipificado. Seu brilho amenizou nossas dores secretas, que se juntam na irmandade sertaneja, o nosso jeito próprio de superar adversidades. Ver Yane foi ver gibão e chapéu de couro, o Brasil sertanejo, do coco, das emboladas, do forró, da zabumba e das sanfonas.

O Brasil das vaquejadas, do aboio dos vaqueiros, do arranco das boiadas nos corredores fechados ou nos tabuleiros. Já disse um poeta que no sertão que a gente mora, mora o coração da gente. A roupa de Yane era verde e amarela, as cores do Brasil. Mas ali enxerguei também, investido de paixão sertaneja, a roupa de couro empoeirada, numa prova para o mundo inteiro que ela veio do Sertão, do Semiárido.

O Sertão de poetas e trovadores, de violeiros e repentistas, de cordelistas que só Deus soube criar. O Sertão tem espinhos, é verdade, que doem muito, mas tem também a for do mandacaru, a flor do amor. Tem uma lua branquinha e formosa, um carro de boi sempre a gemer. Tem curral desmoronado pela seca, mourão velho deitado, touro valente, vaca braba e barbatão.

Tem caboclo vaqueiro de grande bravura, vestido de couro, na mata mais dura, entrando pelo mato para pegar boi brabo. O Sertão que Yane encarnou é de gente também que nunca estudou matemática, nunca aprendeu português, mas sabe fazer um verso que muitos letrados não são capazes. Versos que rasgam o nosso coração como se fosse uma navalha, retalhando a alma.

Vi e chorei Yane porta-bandeira eleita pelo povo brasileiro. Ali no cantinho do meu quarto, pensando em escrever algo em sua homenagem para todos nós lavarmos a alma, recorri a uns versos de Rogaciano Leite, pajeuzeiro como Yane, ela de Afogados da Ingazeira, ele de São José do Egito, cidades-irmãs que se confundem pela beleza e bravura do seu povo. Escrita em 1950, a estrofe abaixo imortalizou Rogaciano:

"Senhores críticos, basta!
Deixai-me passar sem pejo,
Que o trovador sertanejo
Vai seu pinho dedilhar...
Eu sou da terra onde as almas
São todas de cantadores
-Sou do Pajeú das Flores
Tenho razão de cantar!

Esse texto não é meu. É do povo brasileiro!

*Engenheiro agrônomo do Fundação Joaquim Nabuco

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