A comissão de reforma política da Câmara Federal aprovou recentemente o sistema de voto majoritário plurinominal, conhecido como “distritão” (os mais votados do pleito no grande distrito - estado, município - são eleitos), já para as eleições de 2018 (deputados) e 2020 (vereadores).
O argumento de convencimento que prevaleceu nos debates foi o de que o sistema seria implantado agora para as duas próximas eleições, mas como transição para o modelo distrital misto (uma parte dos parlamentares é eleita pelo sistema majoritário e a outra parte pelo proporcional de lista fechada), a partir de 2022.
Vê-se, assim, com essa extravagância de transição entre modelos, que suas excelências continuam brincando de transformar o país num imenso laboratório de experimentos de sistemas eleitorais, ao invés de fazerem o que já deveriam ter feito há muito tempo: corrigir as distorções do mecanismo em vigor, começando, por exemplo, com o fim as coligações proporcionais.
Por trás desse propósito de demonizar o modelo em vigência - e trocá-lo por outro qualquer - está o intento de incutir na população a falsa idéia de que a superposição das crises ética, política e econômica que devastam o país é resultante do atual mecanismo de voto, o proporcional de lista aberta. Nada mais longe da realidade e da verdade.
Alguns pontos precisam estar presentes nessa discussão:
Ponto um: se o distritão é um modelo transicional, então por que traumatizar o país com esse faz-de- conta temporário, em vez de permanecer com o mecanismo atual até 2022? Essa mudança a toque de caixa não faz o mínimo sentido. E, por favor, excelências, não digam, como muitos, que o distritão é um aprendizado para o distrital misto. São dois sistemas que guardam entre si enormes diferenças.
Ponto dois. Aprovado o distritão agora, não há absolutamente nenhuma garantia de que o distrital misto seja implantado em 2022. Quem pode assegurar que a nova legislatura de 2018 vai manter o que foi apenas “acordado” no quadriênio anterior?
Na verdade, os aderentes do distritão, com esse engodo de transição, estão é conseguindo emplacar o modelo de forma definitiva, pois sabem muito bem que dificilmente o distrital misto vai ser implantado no Brasil.
Com efeito, considere-se, por exemplo, apenas a vertente majoritária uninominal do distrital misto (o eleitor vota nos candidatos dos diversos partidos e apenas o mais votado é eleito, por distrito). Esta vertente impõe ao modelo, portanto, a exigência de desenhar os distritos em consonância com o tamanho dos Parlamentos.
Pois bem. Tome-se um estado, Pernambuco. O estado iria ser
subdividido em 25 distritos para deputado federal, em 49 distritos para
deputado estadual e em 39 distritos para vereador, na capital.
Como, por quem e em quanto tempo esse desenho distrital seria feito? Não é necessário muita profetização para antever que a briga política para influenciar a conformação geográfica dos distritos vai inviabilizar a
implantação do modelo.
(À guisa de ilustração, a Suprema Corte americana está em vias de julgar uma contestação do partido Democrata do Estado de Wisconsin contra o desenho dos distritos levado a efeito pelo legislativo local, de maioria republicana. A conformação dos distritos teria beneficiado eleitoralmente os republicanos (os democratas tiveram 51,4% dos votos, mas ficaram com apenas 40% das cadeiras parlamentares.) Imagine-se no Brasil...
Ponto três. De onde surgiu essa noção de que o distrital misto é superior ao distritão - a ponto deste servir apenas de trampolim para aquele - ou ao proporcional de lista aberta – a ponto de este ser sumariamente substituído por ambos?
E, por favor, excelências, não digam, como muitos, que o distrital misto é melhor porque tem as vantagens dos dois sistemas, o majoritário e o proporcional, pois daí se segue o contra-argumento lógico: tem também as desvantagens dos dois sistemas!
Ponto quatro. Há uma evidente contradição argumentativa entre os que defendem o distritão, provisório agora, e o distrital misto, permanente adiante. Salientam que o distritão vai ser facilmente assimilado pela população, posto ser um modelo muito simples (inteligível).
E é mesmo. Mas, o que dizer em 2022 do distrital misto, um dos mais complexos entre os diversos modelos? (e se for na modalidade de correção, onde a vertente proporcional corrige as distorções da majoritária, como no sistema da Alemanha, que é tão louvado por suas excelências, aí sim, é o mais complexo de todos).
Ou seja, impor o distritão-tampão agora é bom porque é simples, todo mundo vai entender. Ótimo. E em 2022, quando se juntar o majoritário-distrital puro uninominal com o proporcional de lista fechada (o eleitor vota no partido, não nos candidatos, e os mais votados dos partidos é que são eleitos), formando o distrital misto, vai-se dizer o que? Esqueçam esse atributo da simplicidade?
Suas excelências deveriam parar com esses experimentos esdrúxulos e atentar para o que recomenda as Nações Unidas, no seu Manual de Concepções de Sistemas Eleitorais, p.159, in verbis: “A experiência comparativa de reformas em sistemas eleitorais, até o presente, sugere que mudanças moderadas, com base no que funciona bem nos modelos vigentes, é bem melhor do que mudança para sistemas novos e desconhecidos”.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
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