Artigo de José Eustáquio Diniz Alves
“Atenção, Tudo é perigoso (…)
É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte”
Divino Maravilhoso, Caetano Veloso
O Rio de Janeiro vive uma situação de decadência econômica, crise política, esgarçamento do tecido social, colapso dos serviços públicos, corrupção generaliza e banalização da violência. O rombo fiscal do Estado, de R$ 22 bilhões em 2017, é fruto da combinação de recessão econômica, retração nas atividades da indústria extrativa do petróleo, queda da arrecadação, déficit previdenciário e corrupção. Cresceu o desemprego, fábricas foram desativadas, lojas fechadas e a pobreza, a informalidade e a anomia social se espalharam pelo Estado e pelos municípios fluminenses.
Tudo isto acontecendo no Estado com a maior produção de petróleo do país. Cabe algumas perguntas aos dirigentes políticos que venderam o sonho da independência energética: Onde está a riqueza das jazidas profundas de petróleo? O Pré-sal não seria o passaporte para o futuro? O Pré-sal não seria o bilhete premiado que traria riqueza para a educação, a saúde e o desenvolvimento local?
Na verdade, qualquer pessoa com um pouco de bom senso sabia que os combustíveis fósseis localizados nas profundezas abissais distantes da costa brasileira era de alto custo de extração e só poderia gerar lucro se fosse bem administrado e contasse com preço elevado do barril de petróleo no mercado internacional.
Porém, como relatou o ex-todo-poderoso-ministro Antônio Palocci, em depoimento ao juiz Sergio Moro, o pré-sal pôs o governo Lula numa atitude frenética em relação a Petrobras e, antes mesmo de ver o combustível jorrar, passou a financiar a base partidária de apoio ao governo (presidencialismo de coalizão, cooptação e corrupção) e a fornecer os fundos econômicos para eleger a chapa Dilma-Temer em 2010 e 2014.
Em nome das riquezas do pré-sal, os governos Lula, Dilma e Sérgio Cabral prometeram maravilhas no Rio. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), na cidade de Itaboraí, ocupando uma área de 45Km², prometia ser o maior da América Latina a um custo de US$ 6,1 bilhões. Mas depois de gastar US$ 30,5 bilhões não produziu uma gota de gasolina e se constitui em um grande ferro velho a céu aberto, com custos crescentes para os contribuintes.
A construção do Porto do Açu, com 90 Km², “empreendimento” de Eike Batista, em São João da Barra, próxima a área dos campos mais produtivos de petróleo do país, foi mais um empreendimento fracassado. A empresa Sete Brasil, criada em 2010 para construir sondas de perfuração para a exploração do pré-sal e aluga-las para a Petrobras, entrou em recuperação judicial e a Petrobras, além de diminuir o uso das sondas, agora as compras no exterior.
Enquanto isto, como comprovado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal, a quadrilha do governador Sérgio Cabral (que foi chorar na televisão por maior parcela dos royalties do petróleo) e seus asseclas, saqueava o Estado para manter um padrão de consumo ostentatório e ofensivo ao povo do Rio de Janeiro e do Brasil.
Os grandes eventos que prometiam fazer do Rio de Janeiro uma potência do turismo, serviu apenas para encher o bolso dos políticos e empresários corruptos. O Maracanã teve o seu espaço interno diminuído e o seu custo multiplicado. A corrupção das Olimpíadas está ficando cada vez mais transparente, enquanto os equipamentos bilionários estão se deteriorando e sem qualquer utilidade para o público que pagou os impostos.
Enfim, os governos que prometeram transformar o Brasil na quarta potência mundial, por meio do neodesenvolvimentismo, com base no “extrativismo progressista” e financiado pelas tenebrosas transações do BNDES, deixaram como herança maldita a maior e mais profunda recessão da história brasileira, além de 26 milhões de desempregados, o empobrecimento geral do país e o aumento da violência. O Rio de Janeiro (cidade olímpica) vive o caos, o medo e a pavorosa insegurança cotidiana.
Os casos de violência crescem de forma espantosa, com adolescentes mortos dentro da escola, estudantes vítimas de bala perdida, idosos agredidos até a morte, enquanto um bebê foi baleado dentro da barriga da mãe na Favela do Lixão. Os dados divulgados pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), confirmam o expressivo aumento no número de crimes no Rio de Janeiro ao longo do primeiro semestre de 2017, em comparação ao mesmo período de 2016. Os casos de homicídio doloso passaram de 2.472 para 2.723, registrando um crescimento de 10,2%, os de latrocínio (roubo seguido de morte) aumentaram 21,2% (de 114 para 138 ocorrências) e os de homicídios decorrentes de oposição à intervenção policial tiveram um incremento ainda maior, de 45.3%, subindo de 400 para 581 casos. Mais de 100 policiais militares foram assassinados.
Devido à escalada da criminalidade, o Estado pediu socorro ao Governo Federal e cerca de 8.500 homens das Forças Armadas foram destacados no Rio. O popular jornal Extra, do Rio de Janeiro, lançou no dia 15 de agosto de 2017, uma nova editoria com o título: GUERRA (veja a imagem abaixo). Esta manchete gerou muita polêmica. Segundo o jornal El País, “O debate sobre se é guerra ou não é guerra acaba funcionando como uma espécie de cortina de fumaça do fracasso de políticas públicas ancoradas no confronto e que cobram um preço altíssimo da polícia e dos moradores”. Paulo Sérgio Pinheiro, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, lamenta a naturalização do termo e, ainda mais, “a ocupação militar do Rio”. Segundo ele: “O crime organizado não pode ser enfrentado como se fosse uma guerra. Repito a mesma coisa desde 1984”.
Podendo ou não utilizar o termo “guerra”, o fato é que a violência e o tráfico de drogas se espalham pela cidade. Na Rocinha, a maior favela da Zona Sul do Rio de Janeiro, viveu uma semana de violência depois da tentativa de invasão por traficantes rivais no domingo (17/09), teve a estrada Lagoa-Barra fechada na sexta-feira e chegou no domingo (24/07) em seu oitavo dia com operações policiais. O governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e o secretário de Segurança Pública, Roberto Sá, pediram ao CML (Comando Militar do Leste) a atuação das forças militares na Rocinha. O cerco, foi autorizado pelo Ministério da Defesa, Raul Jungmann.
O povo carioca e fluminense está assustado. O cartaz indicado no início deste artigo mostra um aviso colocado no Parque Lage na trilha que leva ao Corcovado. Uma trilha ecológica, linda e que permite o convívio com a Floresta da Tijuca tem um aviso recomendando às pessoas não entrar numa zona de risco. Os cartazes abaixo mostram como a população do bairro de Santa Teresa está se mobilizando para avisar aos transeuntes sobre o perigo de assalto.
As pichações nos muros de Santa Teresa não deixam dúvidas de que o perigo está em todo lugar e que a aplicação do direito de ir e vir está cada dia mais restringido pelo medo e pela precaução. Todas as pichações e cartazes das fotos estão próximos da rua Monte Alegre, do Parque das Ruínas e dos Arcos da Lapa, região turística e muito movimentada.
Artigo de María Martín, no jornal El País (23/09/2017) reproduz informações locais de que, o traficante Nem da Rocinha, preso desde 2011 e cumprindo pena numa cadeia federal de segurança máxima, teria ordenado a retomada do território do seu sucessor e ex-segurança, hoje desafeto, Rogério 157. O bando de Rogério 157 revidou e foram horas de confronto armado sem que as autoridades interviessem ou prevenissem o embate, apesar de terem reconhecido que detinham informações de inteligência sobre a iminência de uma invasão devido ao racha interno da facção. O fato é que a guerra do tráfico é apenas um elemento da decadência e da violência no Rio
Todos os erros cometidos, nos últimos dez anos, na exploração do Pré-sal, na Copa do Mundo, nas Olimpíadas e na gestão pública estão se manifestando hoje e fazendo sofrer os moradores do Estado e de sua capital. A “guerra” promovida pelos usurpadores do Palácio da Guanabara e dos escritórios luxuosos das empresas que se locupletam com as licitações públicas é mais danosa do que a “guerra” das favelas.
A violência que eclodiu na Rocinha e em outras comunidades do Rio de Janeiro nessa última semana não é um caso isolado e esporádico. No domingo (24/09), enquanto os tiroteios foram retomados na Rocinha, a violência deixou duas vítimas na Providência, no Centro (onde dois homens foram mortos) e um policial civil foi baleado. O compositor Caetano Veloso disse que era preciso estar atento e forte diante da ameaça da ditadura. Agora o perigo de morte vem de todos os lados e está presente em cada esquina, pois o Estado perdeu o “monopólio da força e da ordem”.
A decadência e a violência do Rio de Janeiro é o novo normal no dia a dia dos cariocas e fluminenses. As ações de segurança pública são nitidamente insuficientes, pois é impossível manter a paz pública numa situação de profunda crise fiscal, de desemprego e anomia, especialmente quando crescem as desigualdades e as práticas de corrupção por parte das autoridades constituídas e as elites econômicas.
A metrópole de São Sebastião do Rio de Janeiro, também conhecida como “Cidade (Divina) Maravilhosa” está virando, gradativamente, uma Cidade Perigosa e Perniciosa.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 25/09/2017
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