Ao contemplar nas grandes cidades essas imensas aglomerações de seres humanos, que vão e vêm pelas suas ruas ou se concentram em festivais e manifestações políticas, incorpora-se em mim, obsedante, este pensamento: pode hoje um homem de vinte anos formar um projecto de vida que tenha figura individual e que, portanto, necessitaria realizar-se mediante as suas iniciativas independentes, mediante os seus esforços particulares? Ao tentar o desenvolvimento desta imagem na sua fantasia, não notará que é, senão impossível, quase improvável, porque não há à sua disposição espaço em que possa alojá-la e em que possa mover-se segundo o seu próprio ditame? Logo advertirá que o seu projecto tropeça com o próximo, como a vida do próximo aperta a sua. O desânimo leva-lo-á com a facilidade de adaptação própria da sua idade a renunciar não só a todo o acto, como até a todo o desejo pessoal e buscará a solução oposta: imaginará para si uma vida standard, composta de desideratos comuns a todos e verá que para consegui-la tem de a solicitar ou exigir em coletividade com os demais. Daí a acção em massa.
A coisa é horrível, mas não creio que exagera a situação efectiva em que se vão achando quase todos os europeus. Numa prisão onde se amontoaram muito mais presos dos que cabem, ninguém pode mover um braço ou uma perna por iniciativa própria, porque chocaria com os corpos dos demais. Em tal circunstância, os movimentos têm de ser executados em comum, e até os músculos respiratórios têm de funcionar a ritmo de regulamento. Isto seria a Europa convertida em formigueiro. Mas nem sequer esta cruel imagem é uma solução. O formigueiro humano é impossível, porque foi o chamado «individualismo», que enriqueceu o mundo e a todos no mundo, e foi esta riqueza que prolificou tão fabulosamente a planta humana. Quando os restos desse «individualismo» desaparecessem, faria a sua reaparição na Europa o esfomeamento gigantesco do Baixo Império, e o formigueiro sucumbiria como ao sopro de um deus torvo e vingativo. Restariam muito menos homens, que o seriam um pouco mais.
Ortega y Gasset, in 'A Rebelião das Massas'
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