Luiz Rodrigues
A decadência e suas conseqüências: o vício — o caráter vicioso, a doença — o estado doentio; o crime — a criminalidade; o celibato — a esterilidade; o histerismo — a fraqueza da vontade; ... A própria decadência não é algo que se deva combater: é absolutamente necessária e peculiar a cada época, a cada povo. (Nietzsche)
Fala-se em gosto musical na medida em que criou-se os ritmos, não há como abordar a música em si sem dividi-la nos diversos estilos. Para os filósofos gregos do período helênico, certamente, a música grega era a mais perfeita, as demais seriam bárbaras. Cada país, etnia, ou origem étnica tem sua tradição musical, todos os povos do mundo cantam, cantar é mesmo alimento da alma. É tarefa difícil precisar quando teria a humanidade começado a cantar, e o canto dos pássaros, quanto teria começado e por qual razão as aves, como o homem, canta, o homem sentindo-se superior pode imputar um motivo qualquer, mas os pássaros cantam por qual razão?
Terá a poesia precedido o canto? É de se supor que o poeta contador teria com o tempo passado a inserir instrumentos no momento da execução da narrativa. Pode ser que o som do instrumento e o canto tenham surgido separadamente. Há povos, como o aboiador nordestino, que cantam sem instrumentos, e há outros que apenas executam o som de aparelhos sonoros artificiais. A poesia é a música sem instrumento, o ritmo terá levado à dança, propensão quase natural do corpo diante do ritmo de cordas ou percussão.
Nos tempos modernos nem um país tem apenas um ritmo/estilo musical, como os poetas que criaram escolas os cantores criaram estilos diferentes. No Brasil a junção de etnias que originaram o povo brasileiro já desde o início dividiu a música por grupos étnicos diferentes. Cantava-se nas igrejas, nas ruas, Gregório de Matos cantou na Bahia, cantava-se nas senzalas e nas tribos e aldeias. Os ritmos se juntaram. Formou a Música Popular Brasileira: samba, baião, forró, vandeirão, música caipira, carimbó, etc, etc... É um sinal democrático respeitar a música das diferentes etnias e regiões, a coisa se inverte quando a música vira instrumento de uma dialética que usa liberdade individual pra derrotar o livre pensamento.
É uma arapuca pós-moderna. O antagonismo de mundos, mundo real e mundo a ser real, onde o primeiro é descartado, faz com quê se construa uma dialética para o mundo do vir a ser que despreza o mundo real. Se "luta" contra o materialismo pela via hegeliana da dialética, Hegel aceitou o mundo real, Marx, que se considerava seu discípulo não, mas os marxistas passaram a usar a dialética de Hegel para se atingir os fins da dialética de Marx. Incentiva-se todas as liberdades e debates dentro da sociedade liberal com os fins de narrá-la como antagônica ás liberdades, a defesa da liberdade se torna arma de massificação do ser humano, a liberdade só se sustenta sobre a lei, a lei parte do geral pro individual, o discurso massificado hegemoniza as individualidades.
A música precisa do quê para ser música? Por que antes as letras tinham que ser muito mais elaboradas e poéticas e hoje basta ser um mero hit? O canto perdeu para o som eletrônico? A cultura é facilmente apropriável pela dialética de desconstrução do mundo. Quando a arte e a cultura vira elemento político a liberdade de escolher o estilo preferido vira desculpa para evitar a crítica da qualidade da produção. Todo estilo musical que surgir numa concepção liberal necessita ser aceito, o Estado não pode censurar; para os integralistas o Estado necessita proibir. Para Platão a Pólis tinha que controlar o canto, portanto é de comum dos totalitarismos o controle da música. O Estado democrático de direito não permite que se proíba um tipo de música, mesmo que a letra seja pornográfica ou incentive o crime? Deve existir algum limite legal.
Mas o que é importa é o gosto positivo, o sujeito adepto do democratismo libertino e das dialéticas da desconstrução do mundo facilmente se torna "fã" de estilos decadentes. O medo de ser cultor do que é elevado produz um defensor do que é rasteiro, o sujeito apologista da fraqueza se sente forte defendendo o que é fraco. A crítica e o ensino precisa se elitizar, o "senso comum" precisa ser melhor cultivado, parando de defender as dialéticas da desconstrução e passando a exigir grandeza artística.
Nenhum comentário:
Postar um comentário