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quinta-feira, 23 de maio de 2019

A Organização de Cooperação de Shangai (OCS) versus o grupo BRICS

Artigo de José Eustáquio Diniz Alves


Organização de Cooperação de Shangai (OCS)
A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China ameaça descambar em uma guerra tecnologia mais ampla e as recentes restrições contra a gigante Huawei mostram que a economia mundial vai ser afetada por este novo tipo de protecionismo. Com certeza este vai ser um tema da 14ª reunião de cúpula do G20, que ocorrerá entre os dias 28 e 29 de junho de 2019, na cidade de Osaka, no Japão. Será uma oportunidade para um encontro pessoal entre Donald Trump e Xi Jinping. Haverá outros encontros paralelos e uma oportunidade para avaliar o peso dos grupos BRICS e OCS.
O grupo BRICS – formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – tem merecido muita atenção como uma forma de articulação de países do “Sul global”, em contrapondo à hegemonia do “Norte global”. Porém, existe uma outra articulação, menos conhecida no Ocidente, que tende a assumir o protagonismo internacional e unificar grande parte da Eurásia, que é a Organização de Cooperação de Shangai (OCS) – formada atualmente por China, Rússia, Índia, Paquistão, Cazaquistão, Quirquistão, Tajiquistão e Uzbequistão.
A ideia do grupo BRIC foi proposta, em 2001, pelo economista Jim O’ Neill, do banco de investimento Goldman Sachs, com o objetivo de orientar as empresas e os investidores mundiais como investir nos grandes países “emergentes” do mundo: Brasil, Rússia, Índia, China. Estes quatro países estão entre aqueles da comunidade internacional com maior território ou maior população. O termo ganhou gosto da mídia, especialmente no período do superciclo das commodities, que possibilitou um crescimento extremamente rápido da economia dos países “emergentes” em relação aos países “avançados”. Mas na ideia original não havia nenhum país da África, o que era geograficamente incorreto. Então foi incluída a África do Sul (South África) e o termo BRIC ganhou uma letra a mais, se transformando em BRICS (que seriam os “tijolos” da nova economia global). Mas como já mostrei em outro artigo (ALVES, 25/07/2018), Brasil e África do Sul são países coadjuvantes e o subgrupo RIC (Rússia, Índia e China) é protagonista.
Os países do RIC também fazem parte da Organização de Cooperação de Shangai (OCS), que é uma aliança política, econômica e de segurança da Eurásia, criada inicialmente por iniciativa de Beijing, agrupando cinco nações originais: China, Rússia, Cazaquistão, Quirquistão, Tajiquistão, o chamado “Shanghai Five Group”, fundado em 26 de abril de 1996. Mas, efetivamente, a OCS foi criada em 15 de junho de 2001 em Shangai, sendo que a Carta da Organização entrou em vigor em 19 de setembro de 2003. Desde então, a organização expandiu seus membros para oito países, sendo que a Índia e o Paquistão se uniram à SCO como membros efetivos em 9 de junho de 2017, em uma cúpula ocorrida em Astana, no Cazaquistão. A OCS é amplamente considerada como a “aliança do Oriente” (ou OTAN do Oriente), devido à sua crescente centralidade na Ásia-Pacífico, e tem sido o principal pilar de segurança da região. É a maior organização regional no mundo na cobertura geográfica e populacional, cobrindo três quintos do continente eurasiano e quase metade da população humana. A SCO é uma das organizações mais poderosas e influentes do mundo e representa uma das alianças militares mais fortes atualmente.
Com a ampliação da organização, seu escopo de cooperação se expandiu para incluir educação, ciência, tecnologia, saúde, proteção ambiental, turismo, mídia, esportes, humanitária e cultura, ao mesmo tempo em que estende seus princípios para incluir governança global e fomentar relações internacionais. A OCS é um dos principais parceiros da ASEAN (Tailândia, Filipinas, Malásia, Singapura, Indonésia, Brunei, Vietnã, Mianmar, Laos, Camboja, Papua-Nova Guiné e Timor-Leste), com ambas as organizações estabelecendo uma cooperação para a paz, estabilidade, desenvolvimento e sustentabilidade do continente asiático, e no campo da segurança, economia, finanças, turismo, cultura e proteção ambiental. São Estados observadores da OCS: Afeganistão, Bielo Rússia, Irã, Mongólia. O Irã já solicitou a sua entrada plena na OCS, mas depende do fim das sanções colocadas pela ONU. A entrada do Irã pode viabilizar a articulação do “quadrante mágico” (RICI), como mostrei em um outro artigo (ALVES, 20/03/2019).
O gráfico abaixo, com dados do FMI (em poder de paridade de compra – ppp) mostra que o conjunto dos 5 países do BRICS tinham uma participação de 17,2% do PIB mundial em 1994, enquanto os 8 países da OCS tinham uma participação de 14,2% na mesma data. Em 2018, a participação do BRICS subiu para 32,7% e da OCS para 31%. Para 2024, a estimativa é do BRICS com 36,8% e a OCS com 35,4% do PIB global. Portanto, o BRICS continua um pouco maior, em termos econômicos, do que a OCS, mas a diferença está se reduzindo e a entrada de novos membros tende a fazer a OCS um grupo cada vez mais forte.
participação do BRICS e da OCS no PIB global

Em termos demográficos, em 1994, o BRICS tinha uma população de 2,46 bilhões de habitantes, enquanto a OCS tinha 2,43 bilhões de pessoas. Em 2018, os dois grupos empataram com 3,14 bilhões de habitantes. Mas, em 2024, a OCS com 3,29 bilhões de habitantes será maior do que o BRICS, com 3,28 bilhões de pessoas. O potencial de crescimento populacional é maior na OCS, especialmente se incorporar países grandes como Irã e Turquia.
população do BRICS e da OCS

Evidentemente, o núcleo duro e dinâmico do BRICS e da OCS são os 3 países da sigla RIC (Rússia, Índia e China), sendo que a China é o país que individualmente tende a assumir a hegemonia mundial e tende a ser o líder global do comércio e da tecnologia. A OCS tende a superar o BRICS em termos econômicos, uma vez que a Ásia é o maior continente em termos territorial, populacional e econômico. A Eurásia é a maior faixa continua de terra do Planeta. O fato é que o grupo RIC – com seus aliados – tende a representar um desafio crescente à hegemonia dos Estados Unidos e do Ocidente. Os países que compõem a Organização de Cooperação de Shangai (OCS) também devem se beneficiar da integração da infraestrutura propiciada pela Iniciativa “Um Cinturão Uma Rota” (BRI).
O 2º Fórum “Belt and Road” (BRF) ocorreu em Beijing, nos dias 25 a 27 de abril de 2019, com a presença de cerca de 5 mil participantes de mais de 150 países e 90 organizações internacionais. Desde que o presidente chinês Xi Jinping propôs a iniciativa em 2013, 126 países e 29 organizações internacionais assinaram documentos de cooperação da BRI com a China, diz o site Xinhua. O presidente russo, Vladimir Putin, parceiro preferencial da iniciativa chinesa, disse: “O objetivo é fornecer uma relação de reforço mútuo com a região da Eurásia”.
No discurso de abertura do BRF, O presidente Xi Jinping disse que a China pretende construir infraestrutura de alta qualidade, sustentável, resistente a riscos, com preço razoável e inclusiva, ajudando os países a utilizar plenamente a riqueza de seus recursos. Ele falou em “crescimento de alta qualidade para todos”. Disse também que a Iniciativa “Um Cinturão Uma Rota” precisa ser ecológica e sustentável. Contudo, os críticos dizem que a China promove uma “diplomacia da dívida” e que os impactos ambientais serão de grande monta.
cinturão uma rota

O fato é que a articulação entre a OCS e a BRI fortalece a centralidade da Eurásia e torna o BRICS um espaço secundário no cenário global. O Brasil, que tem sido um parceiro coadjuvante do BRICS, agora assume um alinhamento prioritário e submisso com os EUA, sem uma estratégia clara de como tratar com a China e a Iniciativa “Um Cinturão Uma Rota”. Acontece que os EUA podem ficar isolados (devido as políticas protecionistas e nacionalistas) diante da integração da Eurásia, onde o grupo RIC, especialmente a China, são protagonistas.
isolamento dos Estados Unidos

A reunião do G20, de 2019, no Japão, deve reforçar a emergência da Ásia e evidenciar o peso dos países orientais na economia internacional. O economista Pedro Luiz Passos, em artigo para a FSP (19/04/2019) disse que na disputa comercial e tecnológica entre EUA e China, o Brasil sequer é coadjuvante. Ele diz: “Nessa briga, o Brasil está entrando num quadro de dependência colonial, dado o atraso em que se encontra”.

José Eustáquio Diniz Alves
Doutor em demografia, link do CV Lattes:

Referências:
ALVES, JED. Brasil e África do Sul são coadjuvantes no grupo B-RIC-S e na nova ordem mundial, Ecodebate, 25/07/2018
ALVES, JED. O “quadrante mágico” (RICI) que desafia os EUA e o Ocidente, Ecodebate, 20/03/2019https://www.ecodebate.com.br/2019/03/20/o-quadrante-magico-rici-que-desafia-os-eua-e-o-ocidente-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A ascensão da China, a disputa pela Eurásia e a Armadilha de Tucídides. Entrevista especial com José Eustáquio Diniz Alves, IHU, Patricia Fachin, 21 Junho 2018
Revista IHU, nº 528, Ano XVIII
Xinhua. 2nd Belt and Road Forum for International Cooperation, April 2019
IHU. A maior transformação econômica dos últimos 250 anos. China tende a assumir a hegemonia mundial e a liderança do comércio de tecnologia. Entrevista especial com José Eustáquio Alves, por Wagner Fernandes de Azevedo e Patrícia Fachin, 07 Maio 2019

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 22/05/2019

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