por Alfredo Prado
Bolsonaro pode ser tudo o que o leitor queira. Grande líder, defensor da pátria, família e ordem, exemplar cidadão, pai extremoso, ou, até, amante do trabalho, como alguém de coração muito generoso poderia concluir da parca atividade desenvolvida pelo ex-parlamentar na Câmara dos Deputados durante longos vinte e oito anos, divididos por oito ou nove partidos.
Democraticamente, o leitor também pode achar que Sua Excelência é megalômano, mitômano, reacionário, boçal, inimigo do progresso, potencial adversário da democracia e muito mais. Muito mais.
Mas, quando nos aproximamos do primeiro aniversário do início do seu mandato, anunciado com trompetas, já me parece muito difícil admitir que o ex-soldado – amargurado por uma carreira militar precocemente fracassada – conseguirá colocar o Brasil nos eixos, seu slogan durante muito tempo, seja lá qual for o entendimento que se tenha.
A não ser que os eixos, ou os trilhos, sejam olhados como o agravamento da situação econômica, social e política do país.
No início da semana, o Banco Central, insuspeito de ser um “inimigo” do presidente da República, divulgou alguns dados que ajudam a perceber que – mesmo comparando com os desastrosos governos de Michel Temer e de Dilma Rousseff – as mudanças positivas tão cantadas por Bolsonaro são ínfimas ou inexistentes.
Assim, as contas externas do Brasil registraram saldo negativo de US$ 7,874 bilhões (mil milhões) de dólares, em outubro, o maior déficit para o mês desde 2014, de US$ 9,305 bilhões. Em outubro do ano passado o déficit foi de US$ 1,964 bilhão.
De janeiro a outubro, o déficit em transações correntes (contas externas), compras e vendas de mercadorias e serviços e transferências de renda do Brasil com outros países, chegou a US$ 45,657 bilhões de dólares, contra US$ 32,372 bilhões em igual período de 2018.
“O incremento no déficit decorreu, fundamentalmente, da redução no saldo positivo da balança comercial de bens, de US$ 5,3 bilhões [em outubro de 2018] para US$ 490 milhões [no mês passado]”, diz relatório do BC.
A balança comercial (exportações e importações de mercadorias) é um dos componentes das transações correntes. No acumulado do ano até outubro, o superávit comercial chegou a US$ 29,145 bilhões, ante US$ 43,493 bilhões, nos dez meses de 2018.
A expectativa das instituições financeiras brasileiras é de que o crescimento da economia não deverá ser superior a 1%. De acordo com o mais recente Boletim Focus, do Banco Central, a previsão de aumento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro é de 0,90%. O que é muito pouco para um país emergente com as características do Brasil.
As prometidas reformas forjadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes,, tão de agrado dos setores neoliberais, dentro e fora do Palácio do Planalto, parecem destinadas a não serem mais que mantas de retalhos, conforme a força conjuntural de instituições, grandes grupos empresariais e interesses corporativos.
A falta de confiança no governo Bolsonaro não reside apenas nos conhecidos adversários políticos de centro-esquerda. Ela manifesta-se também nos que contribuíram para a sua eleição: os grandes investidores.
Em outubro, o investimento direto no país (IDP) chegou a US$ 6,815 bilhões e acumulou US$ 62,126 bilhões, em dez meses, contra US$ 8,418 bilhões e US$ 60,789 bilhões, em igual período de 2018..
Quase não há dia em que o presidente não comemore seja o que for. Tal Bonaparte na sua fase de maior megalomania, Bolsonaro parece ver em cada falhanço um avanço, em cada derrota política uma vitória, em cada resultado negativo na economia ou nas finanças públicas uma conquista.
As relações do presidente com o Congresso Nacional não têm tido maior sucesso. Bolsonaro já é o presidente da República com maior número de projetos legislativos, entre decretos, medidas provisórias e vetos, derrubados pelos parlamentares, da Câmara de Deputados ou do Senado.
Ao ler os seus posts nas redes sociais, a tentação é acreditar que Bolsonaro vive num mundo irreal, distante do Brasil real em que cerca de metade da população está desempregada oficialmente ou tem atividades informais de subsistência.
Apesar da intensa atividade nas redes sociais, Sua Excelência parece ter perdido há já algum tempo muitos dos arroubos iniciais do “quero, posso e mando”, tão característicos dos governos ditatoriais. Aliados – companheiros de caminhada para instalação de um regime musculado, uns, e outros de receitas neoliberais às quais o sistema capitalista já reconheceu sucessivos fracassos, sendo um dos mais recentes o Chile, mergulhado em profunda crise – vêem-se quase diariamente na necessidade de corrigir os dislates presidenciais.
É neste quadro que o ex-presidente Lula sai da cadeia, graças a uma mudança de humores jurídicos do Supremo Tribunal Federal (STF). Numa polêmica decisão, que dividiu o plenário, o STF entendeu que, afinal, os réus condenados por tribunal de segunda instância – o equivalente em Portugal, por exemplo, ao Tribunal da Relação – não deverão começar a cumprir pena antes do trânsito em julgado, ou seja, antes de esgotados todos os recursos, que tecnicamente poderão ir da repetição de julgamento em primeira instância aos gabinetes do STF, passando pelos tribunais de segunda instância e pelo Superior Tribunal de Justiça. Ou seja, uma vida para os muito ricos se manterem longe das prisões ou apenas algumas semanas para os pobres ou remediados.
Daqui para a frente, a conjuntura política brasileira conta com um novo interveniente que não perderá a oportunidade de procurar ressuscitar o enfraquecido Partido dos Trabalhadores (PT) e reconquistar apoios, aproveitando, no momento, a falta de lideranças alternativas fortes no campo das forças progressistas e de esquerda.
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