O presidente do Brasil é cercado pelo congresso, seus conselheiros e seus próprios erros de julgamento
Os presidentes das duas casas do Congresso do Brasil vivem lado a lado em mansões modernas em Brasília, a capital. Em maio, eles construíram uma porta no muro que divide seus jardins, para que pudessem se encontrar sem chamar a atenção. O clima político estava febril. Um escândalo envolvendo o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro estava dominando a notícia. Preocupações com a possibilidade de o governo reformar o sistema de pensões inacessível levaram o real, a moeda do Brasil, para menos de 25 centavos de dólar pela primeira vez desde outubro.
A jogada do portão do jardim parecia funcionar. Em 22 de outubro, o congresso aprovou uma reforma constitucional do sistema de aposentadorias que economizará ao governo 800 bilhões de reais (US $ 196 bilhões) em dez anos, cerca de 10% do PIB deste ano. A mudança é um grande passo para solucionar dois dos principais problemas do país: uma enorme dívida pública; e gastos estatais muito altos e inclinados para transferências e salários. (O real permanece fraco por outros motivos.)
Bolsonaro, um populista de direita que está no cargo desde janeiro, teve pouco a ver com a reforma. A luta foi liderada por Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, e seu colega no Senado, Davi Alcolumbre. Seu principal aliado no governo era o ministro da economia pró-mercado, Paulo Guedes. O presidente, normalmente o principal arremessador de qualquer reforma, manteve um perfil discreto.
Seu papel de espectador é uma das muitas esquisitices de sua administração. Os brasileiros elegeram o ex-capitão do exército, até 2017 um congressista obscuro e apaixonado por ditadores, para expressar raiva pelo crime, corrupção e declínio econômico. Embora ele tenha entrado no cargo parecendo um homem forte, ele foi cercado pelo congresso, por seus conselheiros e por seu próprio comportamento mal julgado e o de sua família. Esse equilíbrio de forças conteve alguns de seus perigosos impulsos, permitindo melhores políticas, como a reforma da previdência, passar. Também frustrou o progresso nas áreas em que os eleitores mais esperam.
Os planos de Bolsonaro para combater o crime e a corrupção estão em frangalhos. O desemprego é alto e o crescimento econômico permanece lento. O índice de aprovação do presidente é de inexpressivos 35%. A sua agenda socialmente conservadora, que inclui afrouxar as leis sobre armas e coibir o "socialismo" nas escolas, fez pouco progresso, mesmo que ele pareça se importar mais com isso. Em outras áreas, ele se reverteu: por exemplo, ele abandonou sua hostilidade anterior em relação à China.
A maneira mais clara pela qual Bolsonaro colocou sua marca no Brasil é negativa. Em 18 de novembro, a agência espacial informou que o ritmo de desmatamento da Amazônia havia subido quase 30% em agosto de 2018 a julho de 2019 em relação ao mesmo período do ano anterior. Ele alcançou seu nível mais alto desde 2008. Ele é líder de torcida do desenvolvimento econômico na Amazônia e enfraquece a aplicação das leis ambientais. A fragmentação do poder em Brasília torna difícil adivinhar como serão os três anos restantes da presidência de Bolsonaro.
A libertação da prisão em 8 de novembro de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi presidente do Brasil de 2003 a 2010, dá à oposição de esquerda o líder que lhe faltava até agora. Alguns observadores se perguntam se os escândalos em torno dos filhos de Bolsonaro, que são dados a protestos antidemocráticos, levarão sua presidência a um fim precoce. Os otimistas acham que conflitos e caos em Brasília não impedirão reformas e podem até ajudar. Um membro da equipe econômica do governo sustenta que a preocupação de Bolsonaro com o combate às guerras culturais serve como uma "cortina de fumaça" que permite a Guedes e Maia assumir a liderança na legislação econômica. No congresso, existe "um consenso sem precedentes de que devemos progredir na agenda econômica, independente do governo", diz o líder da câmara, Maia.
Esse consenso pode não ser válido. Neste mês, Guedes propôs um trio de mudanças constitucionais, incluindo uma para possibilitar o congelamento dos salários dos servidores públicos em uma emergência fiscal. Mas ele não disse ao congresso qual priorizar. Uma revisão do sistema tributário de esmagamento de empresas é "necessária", diz Aguinaldo Ribeiro, que coordena um na câmara baixa, "mas ninguém pode concordar com os detalhes".
O clima pode estar mudando contra as reformas de emagrecimento do Estado favorecidas por Guedes. "Ninguém está falando sobre políticas de saúde ou educação", diz Tabata Amaral, que pertence a uma "frente parlamentar" de legisladores iniciantes que desafiaram seus partidos a votar a favor da reforma das aposentadorias. Eles querem ação para melhorar os serviços sociais.
A janela para reformas está se fechando, alerta Zeina Latif da XP Investimentos, uma corretora. Sobre medidas para combater a corrupção, ela se fechou. Bolsonaro havia levantado esperanças ao nomear seu ministro da Justiça, Sergio Moro, que como juiz federal havia liderado as investigações de Lava Jato. Isso levou à condenação de dezenas de políticos e empresários. Moro condenou Lula, o mais proeminente dos malfeitores da Lava Jato.
Mas agora todos os três ramos do governo estão trabalhando contra a agenda anticorrupção. Bolsonaro perdeu o entusiasmo, talvez porque seu filho Flávio, senador do Rio de Janeiro, seja alvo de uma investigação sobre lavagem de dinheiro. Moro ficou ferido com as revelações de que, como juiz, colaborou indevidamente com os promotores. Seu projeto para combater o crime e a corrupção está preso em um comitê da câmara baixa.
"A agenda de Moro está morta", diz Eduardo Cury, um legislador de São Paulo. Não pode ajudar que dezenas de legisladores além de Flávio Bolsonaro estejam sob investigação. O próprio judiciário golpeou Lava Jato. Neste mês, a suprema corte decidiu que os condenados deveriam permanecer em liberdade até esgotarem seus apelos, a decisão que levou à libertação de Lula. Isso ameaça as investigações, cujo sucesso se baseia em grande parte em barganhas de suspeitos que evitam a prisão implicando outros transgressores. Agora, as testemunhas podem adiar a prisão recorrendo de seus veredictos.
"Há pouco apetite" pela agenda socialmente conservadora de Bolsonaro, diz Fernando Bezerra, líder do governo no senado. Diante da oposição no Congresso, o presidente retirou um decreto para permitir que milhões de brasileiros portassem armas. O legislador também recuou contra a destruição da Amazônia. Enquanto os incêndios florestais ocorriam em setembro, Maia adotou uma medida para compensar pequenos agricultores e grupos indígenas pela preservação da floresta.
O papel mais assertivo do Congresso está entre as maiores surpresas da surpreendente presidência de Bolsonaro. "Pela primeira vez, o legislador não é apenas um apêndice do executivo", diz Michel Temer, que foi o presidente do Brasil de 2016 a 2018. Isso ajudou na reforma econômica. Mas não se pode confiar no congresso para conter corrupção. Nem é provável que ainda acerte as motosserras.
Este artigo foi publicado na seção The Americas da edição impressa da Revista The Economist, sob o título "Paper strongman"
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