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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Alertas do “amigo americano”

A tentação de governantes, dos mais diversos quadrantes, escamotearem as realidades que lhes não são convenientes é tão antiga quanto Matusalém, essa figura bíblica cuja existência atravessou séculos como exemplo de longevidade.

Alfredo Prado - O presidente Bolsonaro, que parece ainda não ter desistido de recorrer aos mais diversos truques de comunicação – a repetição é só um deles –  visando chamar a atenção do país para a sua existência, tem procurado criar a percepção de que a criminalidade no Brasil recua a ritmo surpreendente. Diga-se, em abono da verdade, que não está sozinho na missão.
Acompanham-no na cruzada de mistificação ministros do seu governo, assessores, governadores mais afoitos de alguns estados e, enfim, a turma do chamado bolsonarismo – os que acreditam que o chefe deixará algo ao país merecedor de entrar para os anais da história do pensamento como alguma coisa com conteúdo próprio. E também os que, embora sabendo que o bolsonarismo tem presente, mas não tem futuro, procuram aproveitar a onda na esperança de se virem a lançar em voos a solo.
O cidadão que vive nas metrópoles do país, o que vive em bairros suburbanos, nas favelas do Grande Rio, nos bairros de São Paulo, do Recife ou de Salvador, ou nas cidades-satélites de Brasília, a capital do país, sabe que a tal redução da criminalidade apregoada pelos governantes é conversa fiada. Sabe que uma viagem de ônibus se pode transformar, sem aviso, numa tragédia; sabe que pode ser atingido por “bala perdida” saída do fuzil de traficante ou de policial despreparado; sabe que a sua filha, que saiu de casa de manhã cedo, para a escola, pode não regressar. Sabe que o ônibus em que viaja não é blindado como o todo-o-terreno do governador. E que a porta da sua casa não é guardada. E que, se a cor da sua pele for um pouco mais escura que a média, aumenta a probabilidade de ser incomodado em alguma blitz policial. O cidadão comum sabe tudo isso e mais alguma coisa.
E, afinal, os amigos americanos do presidente Bolsonaro também o sabem. O que sabem? Que a violência e a criminalidade organizada, de colarinho branco e punhos de renda, devorando canapés nos salões da augusta paulistana ou beberricando na borda de hollywodianas piscinas na cidade da fantasia, ou de chinela havaiana e fuzil da mais nova geração a tiracolo, enchendo as noites de balas tracejantes, continuam a assombrar a vida de milhões de brasileiros, de todas as idades. E também a vida dos que, vindos de outras paragens, a trabalho ou em visita, se aventuram nas ruas e praias do imenso Brasil.
Hoje, uma terça-feira, um dia como tantos outros, os amigos americanos deram motivo para o presidente Bolsonaro ter mais uma das conhecidas crises de irritação. A notícia chegou a todo o lado e, obviamente, também aos salões presidenciais.
“O Departamento de Estado dos Estados Unidos elevou o nível de alerta para turistas que viajam para o Brasil e para aqueles que visitam determinadas áreas, como favelas, áreas de fronteira e algumas regiões administrativas do Distrito Federal (Brasília)”.
A medida foi tomada devido ao aumento do risco de crimes e contrasta com a propaganda governamental que tem procurado passar a ideia de redução da criminalidade.
 O alerta de segurança para o Brasil é nível 2, em que é recomendado aumentar cautela. Os níveis vão de 1 a 4. No caso das áreas especificadas, o nível sobe para 4. Para estas áreas, o governo norte-americano não recomenda a viagem. Funcionários do governo dos Estados Unidos também só podem visitar esses locais com autorização prévia.
O comunicado do Departamento de Estado, o equivalente norte-americano ao brasileiro Ministério das Relações Exteriores, aconselha os turistas a não visitarem “empreendimentos informais de habitação (comumente referidos no Brasil como favelas, vilas, comunidades e/ou conglomerados) a qualquer hora do dia devido a crimes”, nem mesmo em uma visita guiada. De acordo com o órgão, mesmo nessas comunidades que a polícia ou os governos locais consideram seguros, a situação pode mudar rapidamente e sem aviso prévio. A cautela também se estende às áreas próximas, já que “ocasionalmente, os combates entre gangues e os confrontos com a polícia ultrapassam os limites dessas comunidades.”
Segundo a nota do Departamento de Estado, citada pela governamental Agência Brasil, também não é aconselhada a ida de turistas para as regiões administrativas (conhecidas como cidades satélites de Brasília) de Ceilândia, Santa Maria, São Sebastião e Paranoá, todas no Distrito Federal, durante a noite.
A orientação também vale para regiões a menos de 150 quilômetros da fronteira do Brasil com a Venezuela, Colômbia, Bolívia, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Paraguai. O alerta não se aplica, entretanto, a viagens ao Parque Nacional de Foz do Iguaçu e ao Parque Nacional do Pantanal.
Ainda de acordo com o comunicado, no Brasil “crimes violentos, como assassinato, assalto à mão armada e roubo de carros, são comuns nas áreas urbanas, dia e noite. A atividade de gangues e o crime organizado é generalizada. Assaltos são comuns. Os funcionários do governo dos EUA são desencorajados a usar ônibus públicos municipais em todas as partes do Brasil devido ao risco elevado de assalto e agressão a qualquer hora do dia e, especialmente, à noite”.
Caso, mesmo assim, o turista decida viajar para o Brasil, o Departamento de Estado orienta, por exemplo, a estar atento ao entorno e ter mais cuidado em áreas isoladas; não resistir a tentativas de assalto; não caminhar nas praias depois de escurecer; não exibir sinais de riqueza, como relógios ou joias caras; ser extremamente vigilantes em bancos ou caixas eletrônicos; e ter cuidado no transporte público, especialmente à noite. “Os passageiros enfrentam um risco elevado de roubo ou assalto usando transporte público de ônibus municipal em todo o Brasil”, avalia o Departamento de Estado.
Enfim, um cenário de quase guerra traçado pelos técnicos governamentais dos “states”. Como não parece  que o Departamento de Estado tenha sido tomado de assalto por alguma organização comunista, aqui está uma notícia que tem todos os ingredientes para elevar o tom dos impropérios e do baixo calão tão comum em corredores palacianos. De todos os quadrantes.

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