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sexta-feira, 7 de fevereiro de 2020

Mais de um terço dos títulos soberanos do Brasil serão impactados por diretrizes ambientais mais rígidas na década de 2020

O primeiro estudo sobre a relação entre os títulos da dívida pública emitidos pelo Brasil e seu capital natural mostra que 34%[1] dos títulos emitidos pelo governo estarão sujeitos a maior escrutínio do mercado e dos investidores em razão de diretrizes ambientais mais estritas a serem adotadas na próxima década.


Por Niamh Brannigan
O relatório recomenda diversas medidas para colocar em evidência questões relacionadas a recursos naturais na tomada de decisões econômicas e de investimento, de forma a evitar riscos desnecessários em relação a títulos da dívida pública.
A emissão de títulos soberanos é uma maneira de o governo captar recursos para financiar diversas iniciativas, como aquelas relacionadas a projetos de infraestrutura. A rentabilidade de títulos soberanos está sujeita a inúmeros fatores, tais como estabilidade política, superávit ou déficit da balança comercial, saúde financeira, eventos extremos e rigidez orçamentária. Entretanto, não havia nenhum estudo que analisasse sistematicamente como o capital natural de uma nação sustenta o valor de crédito de seus títulos, o que pode resultar em eventuais riscos no futuro.
No primeiro relatório voltado à análise dessa relação, o Instituto Grantham de Pesquisa, da London School of Economics and Political Science, e o Planet Tracker descobriram que, entre todos os países integrantes do G20, o Brasil e a Argentina são aqueles que mais dependem do capital natural no que se refere a exportações. De acordo com o relatório, estima-se que 28% dos títulos soberanos da Argentina e 34% dos títulos soberanos do Brasil podem estar sujeitos a mudanças já previstas em diretrizes climáticas e contra o desmatamento a serem adotadas na próxima década.
O prazo máximo para alcançar as Metas de Desenvolvimento Sustentável estabelecidas pela ONU e para reduzir em 45% as emissões de gases de efeito estufa (em comparação com o nível de 2010), de forma a cumprir a meta de temperatura do Acordo de Paris, é 2030. Assim, durante a década de 2020, investidores analisarão títulos soberanos de forma cada vez mais minuciosa, uma vez que precisarão assegurar-se que os objetivos econômicos, sociais e ambientais do governo estejam alinhados. Isso significa que países que degradam seu capital natural (por meio do desmatamento, por exemplo) deverão gerenciar seus recursos naturais de maneira mais sustentável.

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Nick Robins, Professor de Economia Sustentável no Instituto Grantham de Pesquisa, da London School of Economics, afirmou que: “após os incêndios de 2019, 246 investidores, com um total de US$17.5 trilhões em ativos, já engajaram suas empresas para ajudar a acabar com o desmatamento da Amazônia. O próximo passo é prestar atenção na relação entre políticas ambientais e os títulos emitidos pelo governo, principalmente em países como o Brasil, que dependem maciçamente da qualidade do seu capital natural.
O relatório aponta a grande oportunidade que o Brasil ainda tem de proteger e aumentar os benefícios que seu capital natural aporta à economia e, consequentemente, reduzir futuros riscos a seus títulos soberanos, que podem vir a ocorrer em razão do da redução da qualidade de seus recursos naturais e do desmatamento não sustentável.”
Instituições financeiras brasileiras e de outros países estão cada vez mais integrando fatores ambientais, sociais e de governança nos critérios de avaliação de seus investimentos. Entretanto, fatores relacionados ao capital natural são geralmente ignorados ou subestimados na avaliação de títulos soberanos. Para preencher essa lacuna, o relatório apresenta um novo quadro avaliativo demonstrando como se pode essa análise pode contemplar também o capital natural.


Os critérios de avaliação destacam cinco maneiras pelas quais o capital natural pode impactar a rigidez dos títulos soberanos do Brasil a longo prazo:
1 – Institucional: a governança ambiental no Brasil deve ser reforçada. As Os Compromissos Nacionais estabelecidos pelo Acordo de Paris são insuficientes, de acordo om a Universidade de Yale. O Brasil perdeu 9 milhões de hectares de floresta amazônica entre 2007 e 2018, sendo o desmatamento decorrente principalmente da criação de gado e plantação de soja.
2 – Econômica: O Brasil pode sofrer perdas significativas na produção agrícola devido a pressões ao seu capital natural. Um cenário com alto nível de desmatamento pode resultar na redução de produtividade da soja de aproximadamente 33% no estado do Mato Grosso, o maior produtor de grãos de soja do Brasil.
3 – Comercial: O Brasil pode perder espaço no mercado à medida que aumenta o escrutínio do mercado sobre o impacto decorrente dos produtos resultantes do uso intensivo do capital natural: cerca de 9% das exportações brasileiras de soja – um mercado avaliado em mais de US$32 bilhões de dólares em 2018 – está em risco em razão dos impactos do desmatamento e de outras formas de conversão do capital natural.
4 – Fenômenos naturais: Fenômenos extremos e a seca continuarão a trazer impactos à produção agrícola do Brasil. Na região nordeste, estima-se que longos períodos de seca estão associados a uma perda de 20% no valor bruto da produção agrícola. Fenômenos naturais foram responsáveis por perdas agrícolas estimadas em US$11 bilhões [R$46 bilhões] entre 2003 e 2013, o que representa 3% da produção esperada, sendo o maior valor em toda a América Latina.
5 – Fiscal: Todos esses fatores combinados afetam a capacidade financeira do governo e, consequentemente, sua capacidade de pagar títulos da dívida pública. Perdas na produção agrícola podem levar à redução de 0,1% ou US$452 milhões [R$1,9 bilhão] nas receitas fiscais até 2050.
Gustavo Pimentel, Diretor Executivo da SITAWI Finance for Good, afirmou que A comunidade financeira brasileira está consciente da importância do manejo sustentável do capital natural como uma forma de mitigar riscos e gerar resultados a longo prazo. Este estudo amplia o foco dos negócios e contempla também títulos da dívida pública, sugerindo que, se o Brasil se antecipar às mudanças nas diretrizes ambientais e climáticas, melhorará seu desempenho econômico, sua classificação de crédito e sua capacidade de pagar dívidas.
Os autores apresentam recomendações para governos, investidores e agências de avaliação de crédito em dois possíveis cenários. O primeiro cenário considera a adoção de um “Caminho por cima”, em que os países protegem e estimulam o valor do capital natural em sua economia. Desenvolver resiliência contra distorções físicas e políticas causadas por mudanças climáticas sustentará o valor dos títulos soberanos a longo prazo e consequentemente garantir que esses países tenham acesso aos recursos financeiros necessários para atingir suas metas de desenvolvimento sustentável.
A segunda alternativa é percorrer o “Caminho por baixo”, através do qual se intensifica o esgotamento do capital natural, comprometendo o fluxo de serviços relacionados ao ecossistema. Isso aumenta a vulnerabilidade do país a desastres naturais e intensifica riscos mercadológicos. Para os títulos da dívida externa, isso poderia resultar em maior custo para obter empréstimos, prejuízos à qualidade do crédito e acesso reduzido a financiamentos.
Leia o relatório completo aqui: “The sovereign transition to sustainability: Understanding the dependence of sovereign debt on nature”.

in EcoDebate, ISSN 2446-9394, 06/02/2020

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