O sol escaldante deixou de ser um vilão e passou a aquecer a economia do sertão piauiense, gerando emprego e renda. Desde 2016, a região mais seca do estado vive um boom na instalação de usinas fotovoltaicas. Os números são expressivos, assim como o potencial do Piauí na geração de energia limpa. Só nos municípios de João Costa, São João do Piauí e Ribeira do Piauí são produzidos, segundo dados da Secretaria de Mineração, Petróleo e Energias Renováveis do Piauí, 270 megawatts em três parques solares. Um deles, o de Nova Olinda (foto acima), é considerado o maior em operação na América do Sul.
A usina entrou em funcionamento há 2 anos e foi construída em apenas 15 meses no município de Ribeira, a 377 quilômetros da capital, Teresina. Foram investidos cerca de 300 milhões de dólares pela empresa Enel Green Power no Brasil, gerando 1.700 empregos, sendo grande parte mão de obra da região. São 930 mil painéis solares em uma área de 690 hectares. A capacidade instalada chega a 292 megawatts, podendo produzir mais de 600 GWh por ano, o que daria para iluminar 300 mil casas.
Em junho deste ano, o Nova Olinda foi vendido para a companhia chinesa CGN Energy. Segundo a Enel, a operação teve como finalidade maximizar e acelerar a criação de valor, alternando ativos para disponibilizar recursos que podem ser investidos em novos projetos, enquanto a empresa permanece nas atividades de operação e manutenção dos ativos vendidos.
O que é produzido nas usinas são apoiados por contratos de fornecimento de energia negociados com clientes corporativos no mercado livre de energia, e por contratos com empresas de distribuição que operam no mercado regulado no país.
“O estado do Piauí é uma das regiões mais competitivas para geração de energia renovável no país. O estado oferece as condições naturais para o desenvolvimento desse tipo de projeto e possui um ambiente de negócios positivo, fruto do esforço das autoridades para o crescimento da região como um dos berços da energia limpa no Brasil”, afirma Roberta Bonomi, responsável pela Enel Green Power no Brasil.
Três anos depois da instalação de Nova Olinda, o semiárido do Piauí vive outra etapa de aquecimento na economia. Um novo parque de energia solar está sendo construído no município de São Gonçalo do Gurgueia, cidade localizada a 820 quilômetros ao Sul de Teresina. Com capacidade para produzir 608 megawatts, é a maior usina fotovoltaica em construção na América do Sul. A chegada do empreendimento movimentou 4.400 cadastros no Sistema Nacional de Emprego (Sine) do estado.
“Nossos empreendimentos já possibilitaram a geração de cerca de 7 mil empregos diretos. As oportunidades criadas pela cadeia de geração de energia renovável vão além dos empregos diretos e indiretos das obras, já que a capacitação de mão de obra para a implementação das usinas permite que moradores da região se qualifiquem profissionalmente, possibilitando que as pessoas sejam empregadas posteriormente em outros projetos da Enel e demais empresas do setor”, ressalta Roberta.
No Piauí foram realizadas capacitações para moradores locais por meio dos cursos de montagem de seguidor solar e mecânica básica, beneficiando 630 pessoas, com um grande destaque para a capacitação de mulheres. “O Piauí é um dos estados em que a Enel mais investe nos últimos anos. A dimensão dos projetos que a EGP está construindo na região atesta a importância do estado nos planos de investimento da companhia”, diz a representante da empresa no país.
Desde 2016 que não nos falta trabalho
O empresário sanjoanense Frederico Brasileiro encarou a chegada das usinas como uma oportunidade para expandir seus negócios. Atuando principalmente no ramo de alimentação, hoje ele já conta com imobiliária, hotéis, churrascarias e postos de combustíveis na região de São João do Piauí, São Gonçalo e Lagoa do Barro. Nesta última está sendo construindo o maior parque eólico do mundo, o Lagoa dos Ventos.
“Eu estava iniciando minha imobiliária, tentando escapar da crise. Assim as empresas quando chegaram a primeira coisa que elas queriam era moradia. Com isso vi ali outras oportunidades. Eles (empreendedores) nos passaram as necessidades e ali começou toda nossa história. Algumas das atividades foram abertas com as oportunidades geradas por essas empresas”, comemora.
Assim que o parque Nova Olinda começou a ser construído, o empresário lembra que teve apenas 6 meses para montar uma estrutura mínima e atender a demanda. “Conversei com meus colaboradores e fomos juntos. Construímos um posto, hotel, restaurante pra atender 2500 pessoas, loja de conveniência, lavanderia. Em 6 meses estávamos com tudo pronto. Enquanto acontecia a obra em São João do Piauí, já nos preparávamos pra outra obra em Lagoa do Barro. Quando a obra de São João diminuiu, iniciou a obra de Lagoa do Barro, depois disso fomos convidados pra outra obra em São Gonçalo do Gurgueia”, conta.
Hoje, Frederico emprega cerca de 150 funcionários nos mais diversos ramos. Só na empresa de alimentação são 7 mil refeições fornecidas por dia. O próximo passo, segundo ele, é investir em tecnologia.
“Isso tudo começou em 2016. Estamos trabalhando nas três obras ao mesmo tempo. Agora vamos investir em tecnologia da alimentação, com equipamentos de ponta, treinamentos, valorização do colaborador. Graças a Deus que desde 2016 não nos falta trabalho. Passamos por momentos difíceis, pois todo início é complicado o aprendizado”, ressalta.
Capacidade da energia solar avança
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), cerca de 41 mil novas usinas de energia solar foram instaladas no Brasil em dois anos. Em relação a matriz energética nacional, o percentual saiu de 0,1% em 2016 para 1,4% em 2018. Um crescimento dez vezes maior. Os dados constam no Caderno ODS 7 – O que mostra o retrato do Brasil?, uma publicação do Ipea.
Segundo José Mauro de Morais, pesquisador de energias renováveis e de petróleo e gás do Ipea e autor do Caderno ODS 7, em setembro de 2019 o crescimento da energia solar em todo o país passou para 2,1%.
“Nos últimos dois anos, o crescimento foi extraordinário da energia solar. Em termos gerais, a produção ainda é baixa em relação ao total que é produzido no país, mas cresceu muito”, disse o pesquisador ao Cidadeverde.com.
Mauro lembra que nos últimos anos, a energia solar cresceu tanto na geração distribuída (em casas, por exemplo), como nas grandes usinas. “Houve uma instalação muito grande, tanto de geração distribuída, que é aquela colocada nas residências, nas fábricas, no comércio, quanto a geração solar que nós chamamos de centralizada, que são as centrais, das produtoras, das empresas. Essas duas formam têm crescido muito”, destaca.
Sobre o Piauí, José Mauro de Morais ressalta a grande capacidade instalada na região Sul do estado. “A capacidade brasileira em março deste ano era de 2064 megawatts, só essa nova usina em São Gonçalo vai produzir 465 megawatts. É uma proporção muito alta. É um potencial altíssimo. Os investimentos na energia fotovoltaica têm se concentrado muito no Nordeste por causa do potencial altíssimo”, afirma, ressaltando o preço da terra como um dos atrativos.
“O custo da terra não é tão alto. As empresas compram ainda em valores razoáveis em relação ao Sul. O Piauí é muito ensolarado. É um tipo de fonte que tende a crescer no estado”, diz o pesquisador.
Piauí é campeão em potência instalada
E se depender da energia solar, o Piauí continuará sendo referência para o resto do país. Segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR), que representa o setor de energia solar fotovoltaica no Brasil, o estado já pode ser considerado primeiro no ranking nacional, quando se leva em consideração a potência instalada: operação, construção, e os leilões. De acordo com os dados, a potência instalada no Piauí chega a 989,9 MW. Em segundo lugar vem o Ceará com 829,1 MW e a Bahia em terceiro, com 776,8 MW.
Até 2025, a previsão é só de crescimento do setor no país. De acordo com a Absolar, a potência contratada em leilões de energia que entrará em operação até 2025 chega a 4,4GW. Os investimentos em projetos já contratados superam os 25 bilhões de reais (R$ 25,4 bilhões).
Segundo a Secretaria de Estado da Mineração, Petróleo e Energias Renováveis, o Piauí é a nova fronteira para mercado de geração de energia, com destaque para as energias renováveis. De acordo com um levantamento realizado pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB), o estado produziu 5,552 GWh de energia elétrica no ano de 2017, enquanto consumiu apenas 3,481 GWh no mesmo ano.
O secretário de Mineração, Howzembergson de Brito Lima, explica que, para receber todos esses investimentos, tanto em energia solar como eólica, o estado buscou parcerias com as empresas facilitando a instalação dos empreendimentos.
“Nós temos condições climáticas. Temos um índice de radiação solar constante e bem elevado durante todo o ano. Além disso, o governo tem políticas públicas tributárias para atrair esses investidores. Além do ambiente que nós colocamos, o estado sempre está de portas abertas incentivando e buscando a melhor parceria para que esses projetos se desenvolvam em toda a sua fase, como liberação de licenças, protocolos. Todo esse acompanhamento o governo faz”, afirma o gestor.
Segundo o secretário, nos últimos anos foram investidos aproximadamente 25 bilhões de reais na área de produção de energia limpa no Piauí. “Os investimentos são de grande monta. O Piauí hoje é destaque nacional como um dos maiores produtores de energia do país. É um caminho sem volta, pois não há desenvolvimento sem energia. O Piauí é um grande produtor de energia no cenário nacional”, comemora.
Roberta Bonomi, responsável pela Enel Green Power no Brasil, conta que o mercado de geração renovável no Brasil proporciona diversas oportunidades e este é um dos fatores que tornam o país estratégico para a empresa. “Temos sido bem-sucedidos nos leilões regulados e, mais recentemente, no mercado livre, e somos atualmente o maior player solar e eólico no país em termos de capacidade instalada”, afirma.
“O Brasil avançou muito no desenvolvimento da geração de energia renovável e, nos últimos anos, a fonte solar alcançou um patamar mais relevante na matriz energética. Vários aspectos contribuíram para isso, entre eles a existência de um sistema de leilões competitivo, com a assinatura de contratos de compra de energia de longo prazo, a incidência solar no país, que está entre as mais competitivas do mundo, e principalmente a evolução tecnológica dos painéis, tanto em performance como em custo” (Roberta Bonomi)
Energia 100% limpa
A energia é considerada limpa quando, no processo de produção, ela não agride o meio ambiente, deixando, por exemplo, de jogar dióxido de carbono na atmosfera. Nesse quesito, a energia solar, assim como a eólica, leva vantagem e realmente contribui com o desenvolvimento sustentável. Segundo o professor do curso de Engenharia Elétrica da Universidade Federal do Piauí (UFPI), Marcos Lira, quando uma usina está em plena operação não há produção de resíduos e muito menos poluição.
“A energia limpa é aquela fonte que utiliza recursos naturais e esses recursos proporcionam uma geração de energia sem a emissão de gases na atmosfera, como o CO2. Exemplos de energias renováveis: o vento que movimenta os aerogeradores e o sol. O sol é um recurso que se renova, assim como a própria energia das hidroelétricas é considerada renovável, já que na geração se utiliza a força da água de um rio. Então vento, água e sol são exemplos de recurso renováveis”, explica o professor.
Marcos Lira ressalta que o impacto é apenas na produção do material que vai compor a usina, mas nada comparado as outras fontes de energia. “Na etapa de geração de energia ela é considerada 100% limpa. No geral existe um impacto, mas nada considerável quando se compara com outras fontes, como uma usina hidroelétrica, uma usina nuclear, por exemplo. Sem falar nas termelétricas, o gás natural, petróleo e carvão”, detalha.
“Quando você investe em energia limpa é uma contribuição que você dá ao meio ambiente”
O professor lembra que a discussão sobre sustentabilidade começou ainda na década de 70 e tem tomado rumos cada vez mais consolidados. “Passando pelo acordo de Paris em 2015, e mais recentemente pelos objetivos do desenvolvimento sustentável estabelecidos pela ONU. Esses objetivos são em número de 17. Um desses objetivos trata diretamente do acesso a energia elétrica e preferencialmente através de fontes renováveis”, afirma.
Marcos Lira destaca ainda que o Piauí demorou, mas acordou de vez para o cenário das energias renováveis, no que se refere a eólica e solar. Anualmente, a energia limpa produzida no interior do Piauí evita a emissão de aproximadamente 350 mil toneladas de CO2 na atmosfera. “O Piauí tem um dos maiores índices de radiação solar do mundo. São bem maiores do que o da Alemanha, que é o país pioneiro em investimento na energia solar. O estado tem radiação solar para se fazer aproveitamento em qualquer ponto. A chegada dessas empresas possui duas motivações: o incentivo e viabilidade econômica. O Piauí tem uma geração de energia que é acima de qualquer outro local do Brasil”, declarou, ressaltando os grandes entroncamentos do sistema interligado que passam pelo Sul do estado.
“Essas usinas solares estão próximas de grandes entroncamentos do sistema interligado nacional. É o sistema elétrico que possibilita que uma usina, seja solar, eólica, ou hidroelétrica, que está lá em São Paulo, possa abastecer o Piauí e vice-versa. A subestação de São João do Piauí é um importante entroncamento”, explica.
Fonte: Cidade Verde
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