Euronews - Na Itália, por estes dias, as ruas andam desertas. O vazio que as preenche deixa ecoar os alertas de segurança saídos dos altifalantes dos carros de patrulha da polícia. "Fique em casa. Fique sempre em casa. Saia apenas para fazer as compras necessárias e ir à farmácia. A polícia vai ter operações em curso para garantir que as regras são cumpridas".
O país está em guerra, atingido de forma implacável pelo novo coronavírus, e agora vive assombrado pela doença e a morte. O surto impôs um bloqueio total e a vida está em suspenso.
Para travar o contágio, as medidas de segurança são cada vez mais restritivas. Numa declaração à nação, realizada a 9 de março, o primeiro-ministro, Giuseppe Conte, avisou que "não vai haver mais zonas vermelhas", nem "uma zona um e uma zona dois", simplesmente "vai haver Itália, uma zona protegida".
Submeter o país inteiro a quarentena é única medida que pode vir a deter o novo coronavírus.
Um vírus mortal
Fora de Itália, ainda há uma crença generalizada de que a pandemia afeta apenas os idosos. Gianni Zampino tem 41 anos e usa as redes sociais para mostrar que estão enganadas.
Em vídeos onde aparece hospitalizado e de ventilador na cara, partilha a sua história, revelando como não acreditava no impacto da Covid-19. Hoje, alerta as outras pessoas para os perigos de não se prevenirem contra o contágio.
"Eu não tomei qualquer precaução contra este vírus que infelizmente entrou no meu corpo e, entretanto, ele matou a pessoa que eu mais amava na vida, o meu pai. Toda a gente diz que este vírus é uma gripe normal. Mas eu posso dizer que não é uma gripe normal. Ele entra em ti, apodera-se de ti e prende-te os pulmões", conta.
Na terceira semana de março, o número de infetados com coronavírus em todo o mundo rondou os 250 mil. Só em Itália há mais de 40 mil casos registados. No país, a infeção já matou acima de três mil pessoas e continua a propagar-se.
A situação é particularmente grave na Lombardia, onde o governador local, Attilio Fontana, tem avisado que as medidas de confinamento se podem tornar ainda mais duras.
"Infelizmente, o número de casos não está a diminuir, continua alto. Em breve, vamos deixar de poder atender as pessoas que ficam doentes", afirmou.
A região tem o maior número de infetados em Itália. Nos últimos tempos, registou quase 1500 novos casos e cerca de 300 mortes por dia. Mas o pior ainda está para vir, o pico é esperado ocorrer nas próximas semanas.
Uma guerra travada em hospitais
Na linha da frente, estão os profissionais de saúde. A lutar, desde o início, contra o coronavírus, uma médica da região de Lombardia pediu-nos o anonimato para partilhar o seu testemunho.
"As nossas unidades de cuidados intensivos estão a transbordar. Não sabemos mais onde meter os pacientes, mas continuamos a criar novos espaços em qualquer área que seja possível no hospital. Fechámos as salas de operações de rotina, estão a funcionar apenas duas para emergências e as outras foram usadas como salas de cuidados intensivos", afirma.
Bergamo tem o maior número de vítimas. A secção de obituários no jornal local vai até às 10 páginas.
Os caixões estão a sobrelotar as instalações locais. Apesar de o crematório trabalhar 24 horas por dia, os serviços funerários têm lista de espera. Muitos caixões acabaram por ser levados pelo exército para Modena e Bolonha. A autarquia já pediu ajuda a casas funerárias de outras regiões, como Emilia Romagna, ou Trento.
Com a Lombardia já sobrecarregada, os casos nas regiões próximas de Piemonte e Veneto continuam a aumentar. Turim e Veneza estão à espera do pico.
Marco Vergano é anestesista no Hospital San Giovanni Bosco, em Turim. Em entrevista à Euronews, conta que os próximos dias serão decisivos para avaliar a evolução da doença.
"Em Piemonte, ainda não sabemos, e vamos descobrir esta semana se os casos vão aumentar exponencialmente como na Lombardia, com um atraso de dez dias depois, ou temos um aumento linear como agora, com 15 a 20 novos pacientes por dia".
O ambiente nos hospitais é o de uma guerra de trincheiras. Centenas de profissionais de saúde foram infetados e um número crescente está a morrer. Alguns trabalham sem luvas, porque o fornecimento é limitado.
"Vi alguns colegas a ter atos heroicos e ouvi histórias de médicos que se recusam a fazer o teste para evitar serem assinalados como positivos, porque querem continuar a trabalhar com os pacientes infetados, em vez de ficarem isolados de quarentena em casa", revela o anestesista.
Para a médica na Lombardia, "o mais angustiante é ver pessoas a morrer em completa solidão", uma vez que os pacientes estão impedidos de receber visitas. "As últimas pessoas que veem na vida somos nós", lamenta.
Do outro lado, como paciente, Gianni Zampino deixa o alerta, que nunca considera ser demais: "Não é um jogo. Passo minhas noites com um ventilador e não consigo dormir. A minha virou do avesso e desejo que ninguém passe pelo sofrimento que eu passei, porque isto pode parecer um filme de terror, mas não é".
Itália foi o primeiro país da Europa a travar a guerra contra o coronavírus. Instituições, profissionais da saúde e toda a população estão unidas, tendo em mente o lema que dá o título ao hino nacional: "Vai ficar tudo bem" ("Andra tutto bene").
Reajustamento social
"Eu tinha apenas dois anos quando a Segunda Guerra Mundial acabou e, na minha vida, nunca vi algo assim. Mas o fornecimento de alternativas tem sido bom em todos os lugares. Teletrabalho, aulas à distância, etc. estão realmente a mostrar um grau de mobilização de uma sociedade imóvel que é notável". As palavras são do presidente italiano, Mario Monti. Em entrevista à Euronews, verbaliza as mudanças que se impuseram na sociedade italiana, mas também a esperança.
Com a quarentena alargada até 3 de abril, os italianos adaptam-se.
Na sua casa, em Génova, Serena Vella vive os dias como todos os outros italianos, em recolhimento. Hoje reconhece que "depois da angústia, prevaleceu um estado de reorganização". O confinamento ao mesmo espaço da família, 24 horas por dia, começou por parecer um infortúnio, mas a mudança de atitude ajudou a passar melhor os dias. "Disse a mim mesma: vamos aproveitar a oportunidade para ficar com as crianças e segui-las mais de perto", conta.
Mesmo nas atuais circunstâncias, os italianos estão determinados em fazer-se ouvir e enviar uma mensagem de esperança e resiliência ao resto do mundo.
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