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quinta-feira, 26 de março de 2020

Covid-19. A Doença “X” que já estava prevista

Nos relatórios de 2007 e 2008 o risco de pandemia ocupava, respetivamente, os 4º e 5º lugares do top de maior impacto.



Fernando Chaves - Dinheiro Vivo

Acompanho, todos os anos, a divulgação do The Global Risks Report (GRR), um estudo produzido pelo World Economic Forum – e do qual o grupo Marsh & McLennan é parceiro, que reflete a percepção de uma amostra significativa de entidades e profissionais, sobre os riscos que poderão afetar-nos numa escala global num prazo de 10 anos, e fornece informação preparada por especialistas dos mais variados âmbitos, fundamentada em estudos técnicos e científicos de importância relevante. Porém, fico com a sensação que apenas uma minoria dá a devida importância a este relatório.

Estamos no olho do furacão do COVID-19 e muito se fala da imprevisibilidade e até da eventual falta de planos. Em pouco mais de 10 anos, são múltiplos os alertas para o risco global de surtos epidemiológicos, reforçados pelos especialistas que anualmente marcam presença na conferência de Davos.

Nos relatórios de 2007 e 2008 o risco de pandemia ocupava, respetivamente, os 4º e 5º lugares do top de maior impacto e, ao longo dos anos, o risco pandêmico ou de surtos epidemiológicos continuou a ser mencionado (cada vez com mais detalhe), até porque a evidência histórica e epidêmica de surtos, combinada com as circunstâncias sociais, geopolíticas, econômicas e ambientais, assim o faziam prever. 

Senão vejamos: em 2002, combatemos o SARS (também um coronavírus); em 2009/2010, em plena crise financeira, enfrentamos a pandemia de Gripe H1N1; em 2013/2014, a OMS declara o surto de Ebola uma epidemia e o estado de Emergência de Saúde Pública de âmbito internacional; em 2015, entre Campeonato do Mundo de Futebol e Jogos Olímpicos no Brasil, surge o surto de Zica. 

É por tudo isto que a OMS introduziu uma lista de “doenças prioritárias”, onde consta a Doença “X” (nome dado a qualquer epidemia internacional séria, causada por um agente desconhecido). 

Voltando ao GRR, e usando o Ebola como exemplo, em 2015 afirmava-se já que «a vulnerabilidade dos centros urbanos às pandemias aponta para a necessidade de uma forte coordenação público-privada, envolvendo organizações além do setor de saúde tradicional. A capacidade de mobilizar uma resposta de setores tão diversos quanto a produção de alimentos, telecomunicações e cadeias de fornecimento corporativas determinará como as epidemias serão combatidas no futuro. […] A coordenação de respostas e o desenvolvimento de mecanismos de governance global são críticos para conter surtos futuros, que inevitavelmente ocorrerão». 

Em 2019, o GRR desenvolvia bastante o tema das epidemias e pandemias e referia que «a natureza continua capaz de “inovar” uma pandemia que causaria danos incalculáveis. […] A globalização tornou o mundo mais vulnerável aos impactos sociais e económicos dos surtos de doenças infeciosas». 

O relatório de 2020 dedica um capítulo à pressão a que os sistemas de saúde estão sujeitos, entre outros, pelos efeitos da sobredosagem de antibióticos e antidepressivos, que tornou a população mais vulnerável a vírus e ao stress quotidiano. 

Para terminar, dou especial relevo a um dos estudos em que se baseia o relatório deste ano, que analisou o grau de preparação e resposta dos sistemas de cada país, tendo concluído que “nenhum país está totalmente preparado para lidar com uma epidemia ou pandemia” i. Nesse estudo, entre 195 países, Portugal ocupa a 20ª posição em termos gerais e o 38º lugar em termos de preparação e planificação de resposta a emergências. Convido-vos a ler este estudo e a justificação dada a cada indicador para anteciparem a capacidade de resposta, não apenas sobre Portugal, mas de outros países que possam afetar o vosso negócio. O impacto de uma pandemia não pode circunscrever-se à nossa capacidade, mas sim ao compromisso regional e internacional. 

Não é, de facto, por falta de estudos. Esperemos que não seja por falta de alertas, nem de sensibilização. É preciso antecipar e, muitas vezes, trabalhar sob o pior cenário. Por vezes, vale a pena ouvir os “pessimistas” e não pensar que são apenas irritantes profetas da desgraça. 



“Global Health Security Index” levado a cabo pelo NTI (Nuclear Threat Initiative) e divulgado em outubro de 2019 Acesso ao Estudo global – https://www.ghsindex.org/; para informação relativa a Portugal – https://www.ghsindex.org/country/portugal/ 

*Risk Specialist da Marsh Portugal


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