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quarta-feira, 1 de abril de 2020

Petróleo atravessa, provavelmente, “a sua maior crise de sempre”

O acordo OPEP+ está oficialmente terminado, os países são livres de produzir o petróleo que quiserem. A Arábia Saudita e os Emirados já anunciaram que irão trabalhar na sua capacidade máxima. Tudo indica que as cotações, que esta emana desceram para níveis de 2002, continuem em queda livre


Por Ilídia Pinto - Dinheiro Vivo

O pacto de três anos entre a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e os restantes produtores, liderados pela Rússia, chegou ao fim. Foram três anos que levaram à retenção de 2,1 milhões de barris, em especial por parte da Arábia Saudita. O falhanço das negociações, no início do mês, sobre um corte adicional na produção como forma de travar a queda dos preços do crude por causa da pandemia da covid-19 faz com que, a partir desta quarta-feira, dia 1 de abril, todos possam produzir livremente. E a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos assumiram já que irão trabalhar na sua capacidade máxima. Com as economias paradas e mais de 3,3 bilhões de pessoas fechadas em casa, numa tentativa de conter a propagação do novo coronavírus, o mundo precisa de tudo, menos de mais petróleo. Tudo indica que as cotações continuarão em queda livre, diz Paulo Rosa, economista sênior do Banco Carregosa, para quem, esta “será, provavelmente, a maior crise de sempre para o setor” petrolífero.

“Os preços do petróleo perderam cerca de 70% desde o pico deste ano e quase 60% desde a reunião da OPEP e seus aliados, conhecida como OPEP+, no início do mês, na qual a Arábia Saudita e a Rússia não chegaram a acordo para um corte na produção de petróleo”. diz Paulo Rosa, para quem os países da OPEP+ “já há muito que não são price makers, mas sim price takers, com um único objetivo: a luta por quota de mercado para não verem reduzidas as suas receitas provenientes da venda de petróleo”.

O problema, acredita o economista sênior do Banco Carregosa, é que, à medida que a extração de petróleo mais barato – o que está mais à superfície – vai escasseando, os custos de extração vão aumentando. E países como Angola, Nigéria e Venezuela, que têm já custos superiores à cotação atual, “começam a ter graves problemas”, até porque têm os seus orçamentos dependentes das receitas do petróleo. Mas o Brasil e o Reino Unido têm, também, custo mais elevados na extração de petróleo. “O shale oil – o chamado petróleo de xisto – não tem viabilidade com a cotação a estes níveis”, frisa.

Recorde-se que os preços do petróleo recuperaram, na terça-feira, parte das perdas do dia anterior, mas não conseguiram inverter a tendência para a “maior queda mensal” de sempre nas cotações internacionais do crude. Na segunda-feira, as cotações do WTI na Bolsa de Nova Iorque caíram para um mínimo de 19,85 dólares, o valor mais baixo em 18 anos. No acumulado do mês a quebra foi de 55% e de 67% no trimestre, “a maior queda mensal e trimestral de todos os tempos”, destacava o The Wall Street Journal. No Brent, a cotação de Londres que serve de referência ao mercado nacional, a descida foi superior a 8%, com o barril de petróleo a aproximar-se dos 22 dólares.

Consequências da redução drástica da procura mundial e da inundação do mercado por parte da oferta, fruto da guerra comercial iniciada entre a Rússia e a Arábia Saudita. “O mercado não precisa de todo o petróleo que está a ser produzido, logo os custos de extração poder-se-ão manter baixos e pressionar mais em baixa a cotação do crude”, diz Paulo Rosa. Para quem a Arábia Saudita “está muito melhor preparada que a Rússia para competir por quota”, devido aos seus custos de extração “extremamente reduzidos. A Saudi Aramco, a empresa estatal saudita e a maior petrolífera do mundo, revelou, em dezembro, que oferece o menor custo médio mundial de produção de petróleo bruto, com um custo médio de extração de 2,8 dólares o barril. O que gera a pergunta, face a este gigante, até onde podem descer os preços do petróleo? “Enquanto não existir nenhum acordo entre as partes a cotação do petróleo tem, ainda, espaço para cair. Não queria adiantar valores, mas já li vários analistas a apontar os 10 dólares ou abaixo”, refere o economista sênior do Banco Carregosa, que admite que estaremos, provavelmente, perante a “maior crise” de sempre do sector. 

Já para Ricardo Marques, administrador da consultora IMF – Informação sobre Mercados Financeiros, esta não é uma guerra a dois, mas a três. “A Rússia faz isto para obrigar os Estados Unidos, o maior produtor mundial de petróleo bruto, a também ele cortar a produção. Nos últimos dois anos, os americanos aumentaram a sua produção em quatro milhões de barris, passando de nove para 13 milhões de barris ao dia. Foram os americanos, e também os brasileiros, que foram aumentando a produção à custa dos cortes da Arábia Saudita e da Rússia, e acredita que Moscovo tenha decidido por um fim a isso”, defende o analista. E até quando se manterá este braço de ferro e a queda dos preços do petróleo nos mercados? “Até que alguém ceda e comece a reduzir a produção ou até que todos se voltem a sentar à mesa para chegar a um acordo. O certo é que já duas empresas texanas, a Pioneer Natural Resources e a Parsley Energy, pediram às autoridades estatais do Texas que imponha um limite à produção. Assim, todas serão obrigadas a cortar uma parte, em vez de só uma ou duas irem à falência. Que é o que vai acontecer se nada for feito”, alerta. 

Para Ricardo Marques não será nem a Rússia nem a Arábia Saudita a cederem nesta guerra, pelo que “a situação vai-se manter”. O que é “ótimo” para quem não produz petróleo, como Portugal. O analista não concorda que a redução do preço do crude resulte numa folga orçamental para Mário Centeno que fez um orçamento para 2020 baseado na cotação do barril de petróleo nos 57,7 dólares, porque o que o ministro das Finanças ganhará por essa via vai perder em receitas de impostos nas vendas dos combustíveis. Sobretudo quando se sabe que os impostos pesam mais de 50% nos preço final dos combustíveis em Portugal. “Para as famílias esta guerra de preços é uma boa notícia, para as contas públicas não é tão linear que o seja”, frisa. 

E até quanto poderá o preço do barril cair? “Depende da duração de tudo isto. A verdade é que qualquer dia já não há sítio para armazenar o petróleo“, lembra. Por outro lado, destaca, “a cotação do petróleo para entrega em novembro está nos 35 dólares, só o preço para entrega imediata é que ronda os 20, o que significa que o mercado está a acreditar que, até novembro, alguém vai ceder” nesta guerra comercial. Também Nuno Caetano, da Infinox, não acredita que haja mudanças na conjuntura mundial do petróleo, pelo menos até meados deste ano, e lembra que não faltam analistas a apontar para que o preço do crude continue a cair até aos 10 ou 12 dólares o barril. Um cenário que “não interessa nem à Rússia nem aos Estados Unidos, que irão, sem dúvida, procurar forçar esse acordo. Aliás, o presidente Trump já veio anunciar estar a discutir o tema com Moscovo, porque ninguém tem interesse em que o preço se mantenha tão baixo”. 

Para Nuno Caetano, a liberalização efetiva do mercado, com o fim formal do acordo OPEP+, a partir desta quarta-feira, será, na verdade, “pouco efetiva”. “Com o mundo em quarentena e as economias paradas em stand-by, sem previsão nenhuma de quando voltará a situação à normalidade, não fará muito sentido uma produção em larga escala”, defende.

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