Os indicadores econômicos sugerem que abril foi o pior momento para a atividade entre os meses do segundo trimestre de 2020. As projeções de mercado apontam um intervalo grande de variações para o PIB em 2020, podendo chegar a uma recessão de mais de 10%. Já a dívida bruta alcançou 81,9% do Produto Interno Bruto (PIB), em maio, maior percentual da série histórica.
O desafio, a partir de 2021 — de acordo com o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF), divulgado mensalmente pela Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado — será restabelecer uma política de ajuste fiscal que permita alcançar as condições de sustentabilidade do indicador dívida/PIB. Os riscos de insolvência seguirão controlados se, passada a crise da covid-19, as decisões de política econômica mantiverem o equilíbrio fiscal.
O relatório de julho da IFI aponta que, desde o início de junho, a mediana das expectativas de mercado para o PIB de 2020 estabilizou-se em -6,5%. A discrepância das projeções (-3,8% a -10,1%) reflete o elevado grau de incerteza.
A despeito de haver maior clareza sobre o PIB do segundo trimestre, o relatório mostra que a velocidade de recuperação permanece incerta, dependente, entre outras razões, da dinâmica da pandemia e da capacidade das ações de política econômica de atenuar o impacto sobre as empresas e sobre a parcela mais vulnerável da população.
A IFI avalia que o quadro econômico em 2020 será excepcional em função da crise do coronavírus. Medidas emergenciais e urgentes foram tomadas, cabendo no arcabouço fiscal vigente e sem alteração do teto de gastos públicos, o que seria uma medida estrutural. O documento observa que existe, no entanto, a possibilidade de as medidas excepcionais adotadas em 2020 serem postergadas para 2021, dependendo da extensão dos efeitos da crise sobre as condições de emprego e renda da população.
“Ainda existem muitas incertezas em relação à recuperação da economia à medida que o funcionamento das atividades seja restabelecido, o que afeta, por sua vez, a dinâmica das receitas governamentais. Tais incertezas abarcam não apenas a atividade econômica, como também o reingresso das receitas que tiveram recolhimento postergado em função dos diferimentos. Esses fatores poderão afetar a dinâmica do quadro fiscal nos próximos anos”, observa o relatório.
Crédito às empresas
O relatório identifica nos dados divulgados pelo Banco Central um melhor desempenho relativo do crédito voltado às empresas, especialmente nas linhas para financiamento de capital de giro. Isso pode ter ocorrido em razão das necessidades de caixa das empresas com o início do isolamento social e o enfraquecimento da economia. Essa percepção é reforçada pelo aumento da procura das empresas por crédito, especialmente no segmento de companhias de maior porte, em razão das dificuldades de utilizar outras fontes de captação de recursos, como o lançamento de debêntures, em um ambiente de maior aversão a risco.
O estudo ressalta ainda que as linhas emergenciais para capital de giro estão chegando às empresas. Informações disponibilizadas pelo BNDES à Comissão Mista do Congresso Nacional que avalia a crise da covid-19 mostram que os programas emergenciais de crédito para atendimento de capital de giro das empresas estão sendo êxito. Os dados apontam, no entanto, que a linha voltada para financiamento da folha de pagamento tem avançado pouco, sugerindo necessidade de aperfeiçoamentos para destravar a tomada desses recursos pelas empresas.
Os créditos extraordinários para combate à covid-19 somam R$ 506,1 bilhões até o início de julho. O relatório aponta que o governo editou 28 Medidas Provisória (MPs), até o momento, para autorizar despesas no âmbito do combate à covid-19. Até junho, haviam sido editadas 25 MPs. Das três novas medidas, duas referem-se a novos aportes para o enfrentamento da emergência de saúde, no total de R$ 648 milhões, e a outra a uma complementação do orçamento do programa de auxílio emergencial a vulneráveis, no valor de R$ 101,6 bilhões. Esse crédito justifica-se pela recente decisão de pagamento de duas parcelas adicionais às três previstas originalmente.
Efeitos da pandemia
De acordo com o relatório, os números fiscais de maio refletiram claramente as ações adotadas pelo governo para mitigar os efeitos econômicos e sociais da pandemia. A receita líquida do governo central acumulada nos cinco primeiros meses do ano configura retração de 15,9%, em termos reais, frente a 2019. Esse resultado reflete perda nas receitas administradas em função do enfraquecimento da economia e dos diferimentos de tributos. Receitas não administradas também registram contração em virtude da redução em receitas oriundas de concessões e dividendos.
O relatório mostra que a despesa total do governo central acumulada nos cinco primeiros meses do ano foi de R$ 684,4 bilhões, com acréscimo real de 20,8% sobre 2019. O resultado foi influenciado por despesas do Regime Geral da Previdência Social - RGPS (alta de 12,6%), em razão da antecipação do pagamento do abono anual aos beneficiários do regime, assim como por despesas associadas a programas de transferência de renda criados pelo governo federal para conter os efeitos da crise sobre a renda da população. Os créditos extraordinários totalizaram, de janeiro a maio, R$ 94,4 bilhões.
Segundo o relatório, a população ocupada passou de 92,9 milhões, em maio de 2019, para 85,9 milhões, em maio de 2020. As emissões líquidas de títulos públicos foram negativas em R$ 33,1 bilhões, no acumulado de março a junho. A parcela da dívida mobiliária interna que vence em até 12 meses subiu de 19,3% para 23,7%, comparando-se fevereiro e maio.
Despesas obrigatórias
O relatório destaca que o aumento nas despesas obrigatórias do governo reflete ações de mitigação dos efeitos da crise. As despesas obrigatórias cresceram 21,9%, em termos reais, a R$ 646,3 bilhões, no período de janeiro a maio de 2020, enquanto as despesas discricionárias aumentaram 5,2% nessa base de comparação, alcançando R$ 38,1 bilhões. Esses incrementos nas despesas obrigatórias refletem, principalmente, o aumento dos gastos realizados por meio de créditos extraordinários para compensar os impactos da crise econômica e social proveniente da covid-19.
A projeção da IFI é de que a despesa primária atinja 28,4% do PIB em 2020. Em 12 meses, a despesa primária total do governo central alcançou R$ 1,57 trilhão, alta real de 11,3% frente aos 12 meses imediatamente anteriores. A expectativa da IFI é de que o indicador registre um volume de R$ 1,96 trilhão em 2020 (28,4% do PIB), configurando crescimento de R$ 156,3 bilhões ante o ano passado. De maio até dezembro, espera-se que o aumento nas despesas fique concentrado nos créditos extraordinários, editados por ocasião da crise da covid-19, e que se inserem no grupo de despesas obrigatórias.
Corte nos juros
Assim como esperado para o déficit primário, a tendência é de piora na trajetória do déficit nominal do setor público consolidado nos próximos meses em razão da conjuntura atual, destaca o relatório. Por outro lado, as recentes reduções dos juros básicos da economia pelo Banco Central, assim como a perspectiva de mais um corte na Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em agosto próximo, atuarão para aliviar as despesas com juros do setor público, favorecendo a rolagem da dívida pública.
O relatório menciona que as reduções na Selic não resolvem o problema estrutural de desequilíbrio entre despesas primárias e receitas, o qual ficará mais evidenciado passada a fase mais aguda da pandemia do novo coronavírus. Ademais, a manutenção da Selic em patamar baixo vai demandar um esforço ainda maior para garantir a consolidação fiscal no setor público, uma vez que novos desafios se instalarão no âmbito da estratégia de financiamento do Tesouro.
Fonte: Agência Senado
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