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sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Birras e habilidades

Depois dos eventos políticos dos últimos dias, com foco na saúde, cresce a percepção de que quem governa o Brasil – ou deveria governar – anda a perguntar às doenças a que partido pertencem, se são de direita, esquerda ou centro. Por exemplo: “Cara tuberculose, você é de direita ou é da esquerda? E você, seu câncer, hum…acho que você é centrista”… E por aí vai. O presidente parece querer dividir o país, entre os que lhe prestam vassalagem e os que se lhe opõem.



por Alfredo Prado

O Brasil sofre o flagelo da pandemia com um histórico de mais de 5,5 milhões de infeções por covid-19.  As mortes causadas pelo novo coronavírus, desde o início da pandemia, já são mais de 155 mil. Apesar dos números trágicos, a que se juntam os dramas de milhões de brasileiros empurrados para o desemprego, o governo continua a tripudiar em cima de assunto tão básico para a humanidade como é a saúde pública.  Neste campo, Jair Bolsonaro tem-se distinguido. A sua ignorância e a sua irresponsabilidade política são confrangedoras.

Quantos brasileiros e brasileiras precisarão morrer para que alguém ponha cobro, constitucionalmente, aos desmandos de um presidente que parece ignorar o que é democracia e Estado de direito?

Esta semana, em menos de 24 horas, o governo brasileiro assumiu um compromisso e desfê-lo. “Quem manda sou eu”, disse Sua Excelência.

Num dia, o ministro da Saúde, um general que integra o governo Bolsonaro, anunciou ter assinado um acordo de intenção de aquisição de mais de 46 milhões de vacinas contra a covid-19 ao grupo laboratorial chinês Sinovac. No dia seguinte, o Presidente da República disse que não autorizaria a compra. E no dia seguinte ao seguinte, o vice-presidente disse que, se a vacina for boa, todo mundo pode comprar…

Nesta quinta-feira (22), o vice-presidente da República, o general Hamilton Mourão, numa reação aos protestos dos mais diversos quadrantes políticos, veio pedir calma e dizer que não é bem assim. “Acho que está muita especulação em cima disso. Ontem, a posição correta o Ministério da Saúde já colocou. O diretor da Anvisa também já colocou. Qualquer vacina que esteja comprovadamente testada e certificada pela Anvisa estará a disposição para ser adquirida”, disse. Mourão adiantou: “Todo mundo pode comprar. O estado pode comprar, os estados né, eles tem recurso também. Desde que a Anvisa certifique. A Anvisa só vai certificar aquilo que está comprovadamente testado”, disse o vice-presidente.

O ministro diz uma coisa, o Presidente da República diz outra e, em seguida, o vice-presidente afirma que “todo o mundo pode comprar”. Será que os chineses entendem? A minha prima Miquinhas, que não é chinesa, já me disse que não entendeu nada.

O acordo ou pré-acordo, como se quiser, prevê que a aquisição se concretize em função de comprovada eficácia da vacina e do aval das autoridades de saúde. Horas depois, o Presidente da República anunciou que o negócio estava desfeito. “Não compro vacinas da China”, escreveu.

Posts de fiéis seguidores nas redes sociais tinham questionado o acordo, lembrando a Bolsonaro que a China é um país comunista e que a potencial compra beneficiaria um adversário, o governador do estado de São Paulo, o social-democrata João Doria, político que, ideologicamente, até pode ser tudo, mas de esquerda não o é, certamente. Isto porque Doria esteve no centro de um acordo entre o prestigiado Instituto Butantan e o grupo chinês, visando a produção da vacina em larga escala em laboratório que está a ser instalado no estado.

Bolsonaro – que parece desejar imitar os ditadores fascistas que imperaram na velha Europa, como Salazar, amante do “quero, posso e mando” –  procura a todo o custo criar um exército de seguidores, com os olhos postos na possibilidade de ser reeleito no pleito presidencial de 2022.

Desde o início do mandato, o presidente já deu sobejas provas de que não se furta a pôr em causa áreas sensíveis a qualquer nação e ao mundo como é a da saúde pública. Se a vacina chinesa é boa ou má só os cientistas e pesquisadores poderão decidir. Bolsonaro, como se sabe, é Presidente da República, mas não é especialista em nada.

Das suas habilidades conhecidas não constam nem a virologia, nem a epidemiologia, nem a saúde pública. Nem sensatez política, nem sentido de humanidade. “Do que o chefe precisa, bem sei eu…”, disse a prima Miquinhas, uma baiana arretada. Aposto que sim, que talvez esteja certa no seu modo claro de ver o mundo, como os personagens de Jorge Amado.

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