Da asa branca a chuva de honestidade - Blog A CRÍTICA

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sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

Da asa branca a chuva de honestidade

 


Entre 2012 e 2018 o nordeste viveu o mais longo período de estiagem registrado, foi um teste de resistência, mas a história foi feita: pela primeira vez desde o século XVI, quando o padre Fernão Cardim descreveu os primeiros registros dos problemas oriundos da estiagem que causariam o padrão de miséria que se seguiria nos séculos, fome, saques e retirantes, não tivemos nenhuma morte humana neste período. Vivemos a história e nem ligamos, nenhum jornal reportou e a televisão somente registrou a morte do gado.


O maior expoente do nordeste semiárido é o sanfoneiro Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, cantor da Asa Branca, maior manifesto em defesa da região na história, o hino do Nordeste, a força da letra e da melodia que irradiaram para os quatro cantos da nação que havia um pedaço esquecido do Brasil. Quando Luiz gravou Vozes da Seca, outro clássico gonzagueano em denúncia aos problemas oriundos da da impropriedade dos modos de produção, um deputado subiu à tribuna da Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro e disse que ali estava o discurso mais importante em denúncia dos problemas das secas no Nordeste.


O Brasil nunca quis saber do Nordeste, país imenso, de terras férteis e águas abundantes, pra que se preocupar com uma área tão seca e pouco propícia à agricultura? Ademais o Brasil sempre relegou às populações do interior às margens do próprio Estado, país caranguejo que rasteja nas praias, Luiz Gonzaga era o nordeste que andava.

O grande registro musical da seca 2012-18 é a música Chuva de Honestidade de Flávio Leandro, uma letra histórica e é a continuação da Asa Branca. Se já não se morre mais ninguém de fome por causa da seca no século XXI falta resolver os problemas da produtividade e do abastecimento. Não temos mais a migração massiva, mas ainda existe alguma migração por emprego.

Quando o ronco feroz do carro pipa
Cobre a força do aboio do vaqueiro
Quando o gado berrando no terreiro
Se despede da vida do peão
Quando verde eu procuro pelo chão
Não encontro mais nem mandacaru
Dá tristeza ter que viver no Sul
Pra morrer de saudades do sertão
Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente
Mas tem mão boba enganando a gente
Secando o verde da irrigação
Não, eu não quero enchentes de caridade
Só quero chuva de honestidade
Molhando as terras do meu sertão
Eu pensei que tivesse resolvida
Essa forma de vida tão medonha
Mas ainda me matam de vergonha
Os currais, coronéis e suas cercas
Eu pensei nunca mais sofrer da seca
No Nordeste do século vinte e um
Onde até o voo troncho de um anum
Fez progressos e teve evolução
Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente
Mas tem mão boba enganando a gente
Secando o verde da irrigação
Não, eu não quero enchentes de caridade
Só quero chuva de honestidade
Molhando as terras do meu sertão
Israel é mais seco que o Nordeste
No entanto se investe de fartura
Dando força total à agricultura
Faz brotar folha verde no deserto
Dá pra ver que o desmando aqui é certo
Sobra voto, mas, falta competência
Pra tirar das cacimbas da ciência
Água doce que regue a plantação
Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente
Mas tem mão boba enganando a gente
Secando o verde da irrigação
Não, eu não quero enchentes de caridade
Só quero chuva de honestidade
Molhando as terras do meu sertão
Eu sei que a chuva é pouca e que o chão é quente
Mas tem mão boba enganando a gente
Secando o verde da irrigação
Não, eu não quero enchentes de caridade
Só quero chuva de honestidade
Molhando as terras do meu sertão


A música chama a atenção para o uso de práticas oriundas da ciência para que se possa produzir adaptadamente às condições climáticas da região. Não se combate a seca, se produz nas condições de seca. Registre-se ainda a qualidade da música e da letra, num momento em que a música da região vive sufocada pelo lixo das chamadas "bandas de forró" (lambada).

Chuva de Honestidade se relaciona com Vozes da Seca. Em vozes Luiz Gonzaga diz que: "Mas doutor, uma esmola a um homem que é são/Ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão. Em Chuva de Honestidade Flávio Leandro proclama: "Não, eu não quero enchentes de caridade/Só quero chuva de honestidade/Molhando as terras do meu sertão".

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