Por Leonardo Martins*
Como se sabe, os tributos não podem servir de instrumento para penalizar aqueles que infringem as leis. Nesse viés, as taxas, como espécie de tributos que são, se incluem nessa regra.
Em seu artigo 3º, o Código Tributário Nacional determina que os tributos não se destinam a punir ato ilícito: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Posto isto, causou surpresa a recente decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) nas ações diretas de inconstitucionalidade ADI 4.785, ADI 4.786 e ADI 4.787.
Isso porque, há não mais que três anos, o mesmo plenário do STF deliberou sobre a impossibilidade das taxas pelo poder de polícia serem cobradas em patamares superiores ao custo do serviço estatal a ser remunerado.
Naquela ocasião, mais especificamente no julgamento da ADI 6.211/AP, o plenário do STF decidiu que a arrecadação decorrente das taxas pelo poder de polícia não pode ser desconectada do custo da atividade estatal a ser custeada.
Sobre esse julgamento, o próprio site do Supremo Tribunal Federal noticiou: “O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais dispositivos da Lei estadual 2.388/2018 do Amapá, que instituiu taxa sobre atividade de exploração e aproveitamento de recursos hídricos (TFRH). Por maioria de votos, o Plenário, na sessão desta quarta-feira (4), julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6211, ajuizada pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica”.
Na oportunidade, prevaleceu no julgamento o voto do relator, ministro Marco Aurélio. Segundo ele, a taxa, ao contrário do imposto, tem caráter contraprestacional, ou seja, deve estar atrelada à execução efetiva ou potencial de um serviço público específico ou, como no caso, ao exercício regular do poder de polícia. Na base de cálculo da taxa, deve-se observar, portanto, correlação entre custos e benefícios, em observância ao princípio da proporcionalidade.
Para o ministro, pegando como exemplo o caso do Amapá, em que a taxa é calculada em função do volume dos recursos hídricos empregados pelo contribuinte, os dados evidenciam a ausência de proporcionalidade entre o custo da atividade estatal que justifica a taxa e o valor a ser despendido pelos particulares em benefício do ente público. De acordo com ele, o montante arrecadado é dez vezes superior ao orçamento anual da secretaria de gestão do meio ambiente do estado.
O relator observou que a própria redação da lei demonstra o caráter eminentemente arrecadatório do tributo instituído, ao prever o aporte do produto da arrecadação para o fomento de iniciativas relacionadas à política estadual de recursos hídricos e para incremento do denominado fundo de recursos hídricos.
Nada mais apropriado e acertado, já que, diferentemente dos impostos que são fonte primária para a manutenção dos entes estatais, as taxas são tributos sinalagmáticos/preferíveis/contraprestacionais, que exigem que sua arrecadação se destine a cobrir o custo do serviço a ser remunerado.
Ocorre que, embora tudo o que foi comentado acima reflita a decisão do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre as taxas pelo poder de polícia, ao que parece, algo fez com que alguns ministros da Suprema Corte mudassem radicalmente de opinião.
Nas sustentações dos votos proferidos pelos ministros no julgamento das recentes ADI 4.785, ADI 4.786 e ADI 4.787, com exceção do procurador-geral da República, que expressamente verbalizou ter mudado de opinião sobre o tema, os ministros que votaram pela possibilidade de as taxas pelo poder de polícia ultrapassarem o custo do serviço estatal a ser remunerado não deixaram claro o motivo para a mudança de entendimento.
Ao que parece, um dos fatores determinantes para que os ministros validassem a cobrança das taxas sob julgamento naquelas três ações diretas de inconstitucionalidade foi a ocorrência de incidentes ambientais. Os ministros do Supremo Tribunal Federal basearam-se na ocorrência de incidentes ambientais para justificar a cobrança de taxa pelo poder de polícia em patamares estranhos e distantes do custo do serviço estatal a ser custeado.
Ocorre que, como posto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, tributo não é o instrumento legal adequado para sanção de eventual ato ilícito.
Do julgamento das ADI 4.785, ADI 4.786 e ADI 4.787 surge então a dúvida: qual é exatamente o entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de as taxas pelo poder de polícia serem cobradas em patamares superiores – e por vezes, inclusive, muito superiores – ao custo estimado do serviço público a ser remunerado?
Com o cenário jurisprudencial que temos hoje, a resposta a essa indagação não é clara. Paira grande incerteza aos aplicadores do direito sobre qual é, afinal, o entendimento do plenário do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema.
Se antes consideraram, por exemplo, na ADI 6.211/AP, a taxa inconstitucional por suplantar por mais de dez vezes o valor total do orçamento anual do ente estatal que realizaria o poder de polícia custeado pela taxa, agora, nas ADI 4.785, ADI 4.786 e ADI 4.787, entenderam que não haveria mal algum em que as taxas fossem cobradas em valores significativamente superiores ao custo do serviço a ser custeado. Espera-se, todavia, que os ministros voltem a apreciar o tema, seja no contexto de embargos de declaração a serem opostos nessas três ações diretas de inconstitucionalidade ou numa próxima assentada sobre o assunto, pois, pior do que a repentina mudança de orientação jurisprudencial da corte máxima de um país, é deixar os jurisdicionados ao sabor da dúvida. Afinal, tudo o que se busca com as ações diretas de inconstitucionalidade é segurança jurídica para saber a ratio decidendi do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre o tema em julgamento.
* Leonardo Martins é sócio da área tributária do Machado Meyer Advogados.
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