Por Andréia Pinatti de Oliveira*
O Direito de Família e o das Sucessões, embora muitas vezes estudados em paralelo, tratam-se de ramos diversos, aos quais aplicam-se regras distintas. Isso pode ser verificado a partir de uma análise das implicações advindas da escolha do regime de separação absoluta de bens (também chamada de separação convencional), quando do falecimento de um dos cônjuges.
Primeiramente, o regime de separação absoluta de bens, no que concerne ao casamento (ou união estável), é constituído por meio de pacto antenupcial e dispõe que os cônjuges ou companheiros conservarão, cada qual, a plena propriedade, integral administração e fruição de seus próprios bens, resultando, assim, na incomunicabilidade dos bens adquiridos antes, na constância e ao término da sociedade conjugal.
Os artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil de 2002, que disciplinam as regras do regime da separação convencional, estipulam que cada cônjuge mantém para si a administração exclusiva de seus bens, podendo livremente aliená-los ou gravá-los de ônus real, sendo desnecessário, para tanto, a outorga conjugal.
Ora, se o aludido regime estabelece que cada cônjuge guarda para si plena propriedade e administração dos seus bens particulares com a consequente incomunicabilidade de seu acervo, logo, a consequência lógica, à primeira vista, seria a de que, em hipóteses de falecimento de um dos cônjuges, a regra seria mantida também no sentido de afastar o(a) viúvo(a) da herança, dada a incomunicabilidade calcada nos artigos 1.687 e 1.688 do Código Civil de 2002.
No entanto, tal premissa é equivocada. Isso porque, como exposto antes, as regras aplicadas ao direito de família distinguem-se daquelas impostas ao direito das sucessões.
O regime da separação convencional, escolhido antes do casamento tem total aplicabilidade de suas regras durante toda a constância do matrimônio e também no divórcio. Por outro lado, em caso de falecimento de um dos cônjuges, o cenário é modificado, colocando o cônjuge vivo como herdeiro.
Para entender a sucessão do cônjuge sobrevivente no regime de separação absoluta de bens, é necessário trazer à luz o artigo 1.829 do Código Civil (CC), o qual estabelece a regra de sucessão e concorrência dos herdeiros legítimos. Tal norma amparou a inserção do cônjuge sobrevivente em concorrência com os descendentes ou ascendentes na sucessão hereditária e, inexistindo estes, a consequente sucessão por inteiro do cônjuge vivo.
Em outras palavras, referido artigo estabeleceu a ordem de vocação hereditária por classes, em que a existência de uma afasta as demais. Dessa forma, primeiramente, os descendentes concorrem com o cônjuge; na ausência destes, haverá a concorrência dos ascendentes com o cônjuge; inexistindo também a classe dos ascendentes, o cônjuge vivo herdará na integralidade, de modo que os colaterais somente se beneficiarão da herança, se inexistirem descendentes, ascendentes e cônjuge.
A norma confirmou, ainda, a inserção do cônjuge ou companheiro na sucessão do falecido, exceto se casado com o de cujus no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do CC); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.
Da atenta análise do artigo mencionado, infere-se que o pacto antenupcial permite escolher o regime de bens que influenciará o casal durante o casamento ou em hipóteses de divórcio. Contudo, a escolha do regime de separação convencional não produz efeitos post mortem, hipótese na qual o cônjuge sobrevivente concorre com os descentes, ou na ausência deste, com os ascendentes.
Ocorre que, em geral, à época da escolha do regime de bens mediante pacto antenupcial, as pessoas optam pelo regime de separação absoluta, visando à manutenção da incomunicabilidade de seu acervo próprio, e desconhecem que, diante de falecimento de um dos cônjuges, o sobrevivente será seu herdeiro, em concorrência com os descendentes ou ascendentes.
Com intento de dirimir tal problemática, para casais que querem impedir a concorrência do cônjuge sobrevivente, em possível hipótese de falecimento, autores como Rolf Madaleno defendem a possibilidade de renúncia do direito à herança do cônjuge sobrevivente no ato do pacto antenupcial, sob o pretexto de que a abdicação não esbarraria na norma posta no art. 426 do CC, a qual prevê a impossibilidade de ser objeto de contrato a herança de pessoa viva. (Renúncia de herança no pacto antenupcial. Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões v. 27: Belo Horizonte: IBDFAM, 2018, p. 36-38)
Em contrapartida, a corrente majoritária (formada por Giselda Hironaka, José Fernando Simão, Luiz Paulo Vieira de Carvalho, Euclides de Oliveira, Flávio Tartuce e outros) defende a impossibilidade da renúncia de herança diante de pacto antenupcial, em razão do estabelecido pelo mencionado art. 426 do CC, em conjunto com o art. 1.655 do CC, o qual consubstancia ser nula, de pleno direito, a cláusula que contravenha disposição absoluta em lei, como seria o caso de previsão de renúncia hereditária em pacto antenupcial.
Sobre o tema, os tribunais, consoante ao entendimento do Superior Tribunal de Justiça, já afastaram tal argumento, ao disciplinarem acerca da vedação à transação ou renúncia de herança de pessoa viva e ratificaram o disposto no art. 426 do CC para tais hipóteses, bem como consideraram o cônjuge sobrevivente como concorrente dos descendentes ou ascendentes na sucessão legítima.
É relevante explicar, sobretudo, que o regime de separação convencional ou absoluta de bens, ajustado por meio de pacto antenupcial e objeto da presente discussão, difere-se da separação obrigatória de bens (ou separação legal), descrita no art. 1.641 do CC, na qual o cônjuge sobrevivente não será elevado a condição de herdeiro (art. 1.829, inciso I do CC), visto que as pessoas não escolheram tal regime na época do casamento, mas foi lhes imposto pela legislação, em razão da presença de alguma das hipóteses descritas no art. 1.641 do CC (contraírem matrimônio com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; ser um dos cônjuges maior de 70 anos; depender de suprimento judicial para casar).
Assim, fundamenta-se que o regime da separação convencional de bens constituído deliberadamente pelo casal, à luz do princípio da autonomia de vontade, claramente distingue-se do regime da separação legal ou obrigatória de bens, imposto obrigatoriamente pelo art. 1.641 do Código Civil, motivo pelo qual somente o da separação absoluta (convencional) eleva o cônjuge à condição de herdeiro e o insere na sucessão.
*Andréia Pinatti de Oliveira é advogada no escritório Medina Guimarães Advogados. Pós-graduanda em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio; Bacharel em Direito pela Unicesumar; Licenciada em Letras Português/Inglês pela Universidade Estadual de Maringá.
Sobre o escritório Medina Guimarães Advogados – Comprometido com o propósito de conciliar diversas áreas da advocacia com constante aprimoramento teórico e científico, o escritório Medina Guimarães Advogados, fundado em 2005 pelos advogados José Miguel Garcia Medina e Rafael de Oliveira Guimarães, é referência em casos referentes a Tribunais Superiores, recuperação estratégica de créditos bancários, recuperação e reestruturação de empresas e falências e contencioso cível e direito contratual. Hoje, integram a equipe do escritório outros advogados e todos os membros da equipe têm como propósito concretizar o projeto iniciado em 1995: conciliar a advocacia, em suas mais diversas áreas, com constante aprimoramento teórico e científico. Assim, o escritório conta com uma equipe de advogados altamente qualificados que, para alcançar a excelência em seus trabalhos, investe constantemente em cursos de pós-graduação stricto e lato sensu.
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