O Brasil dos Garimpeiros, por Márcio Metzker - Blog A CRÍTICA

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quinta-feira, 13 de outubro de 2022

O Brasil dos Garimpeiros, por Márcio Metzker



Os institutos de pesquisa considerados sérios acertaram o desempenho de Lula no primeiro turno das eleições 2022, mas erraram feio com Bolsonaro, que obteve sete pontos acima da média prevista. Muitas explicações foram tentadas para a falha em detectar o crescimento de Bolsonaro. Uns alegaram que o “eleitor envergonhado” se declarou indeciso, mas já tinha decidido. Outros aventam a hipótese improvável de que os eleitores de Ciro Gomes migraram em massa para o candidato da extrema direita, para vingar-se da campanha feita na reta final contra o cearense.


Muitos de nós já recebemos vídeos de bolsonaristas enfurecidos perseguindo pesquisadores do Datafolha que acabaram sua tarefa num ponto e exigindo ser ouvidos, como se aquilo fosse o Censo do IBGE e não uma pesquisa eleitoral. A amostragem padrão adotada pelos institutos é de 1 para 10 mil habitantes, em estratos de sexo, idade, renda e nível de instrução. Em Minas Gerais, os institutos enviam pesquisadores para 80 cidades consideradas representativas, entre elas as maiores e as menores, as mais ricas e as mais pobres, as mais industrializadas e as mais rurais, e as limítrofes que sofrem influência dos outros estados.


Há explicações mais realistas para a falha dos institutos. A primeira é que a metodologia da amostragem obedece aos dados do Censo de 2010, que já podem estar defasados com perdas ou acréscimos importantes de população e atividade econômica por causa da pandemia. Mas o mais preocupante é a dificuldade de detecção da opinião de quem tem a “síndrome do garimpeiro”, ou seja, aquele imenso contingente de brasileiros que se viram para ganhar o pão de cada dia com atividades as mais variadas: motoqueiros de I-Food, motoristas de Uber, entregadores de drogas “proibidas”, garimpeiros da Amazônia, camelôs, vendedores itinerantes, instaladores de “gatos” de energia elétrica, internet ou sinal de TV, traficantes de madeira ilegal, de aves e animais selvagens da Amazônia. Garimpeiros, como se sabe, são devastadores clandestinos do meio ambiente que mourejam sem descanso em busca de riqueza fácil que raramente é obtida.


Essa gente que vive à margem do amparo previdenciário e dos direitos trabalhistas, na ilusão de que são “empresários autônomos”, identifica-se com o discurso de Jair Bolsonaro, que prega a liberdade tanto para matar ladrões quanto para facilitar a “malandragem” para cada um ganhar a vida. Lula é visto por eles como um antiquado sindicalista que luta por empregos formais que já não existem e quer colocar o Estado atrapalhando as “virações” dos modernos “empresários”. Os garimpeiros são imediatistas. Ninguém está preocupado com o dia de amanhã porque, como os evangélicos pregam, “Deus proverá”.


Quando 130 dos artistas e personalidades mais conhecidos declaram voto na esquerda, e Lula recebe o apoio de 90% dos intelectuais e cientistas do país, enquanto poucos cantores e jogadores de futebol se alinham com a direita, a esquerda já canta vitória. Subestima o número de brasileiros que nem sabem quem são Chico Buarque ou Caetano Veloso, e que só ouvem funk de desconhecidos ou sofrência sertaneja, quando não se fecham nos hinos gospel das igrejas evangélicas.


Essa mesma gente que antes tinha vergonha de sua ignorância hoje se sente autorizada pelo exemplo do presidente a questionar pensadores e sociólogos nas redes sociais postando vídeos ou textos com ideias rasas em português sofrível. E não é só por estarem intoxicados pelas escandalosas fake news, mas porque aplaudem, como se fossem acionistas, as notícias que celebram o lucro exorbitante da Petrobras à custa da alta da gasolina, a ascensão mundial da mineradora Vale sobre os cadáveres de Brumadinho, as exportações recordes de soja em grão e o sucesso das fábricas de armas do Brasil.


O Brasil culto e civilizado não conhece o Brasil profundo. Em algum ponto da nossa História recente perdeu-se a conexão e a hierarquia do conhecimento. Em 14 anos no poder o PT perdeu o contato com suas bases e ficou incapaz de detectar mudanças no mundo do trabalho e a nova tendência ao conservadorismo. Ninguém percebeu quando os pastores de educação primária sobrepujaram os padres de educação refinada, esvaziaram as igrejas, lotaram os templos das periferias e se tornaram uma bancada aguerrida no Congresso Nacional.


@ Márcio Metzker é jornalista e escritor e vive em Belo Horizonte (Minas Gerais)

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