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segunda-feira, 3 de abril de 2023

Especialista da ESPM explica que o novo arcabouço fiscal é interessante, mas carrega problemas


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o conjunto de regras que formam o novo arcabouço fiscal, em entrevista a jornalistas em Brasília (DF) . Se aprovado pelo Congresso Nacional, o texto substituirá o teto de gastos, implementado desde 2016 para limitar as despesas da União.

Segundo Cristina Helena Pinto de Mello, professora de economia da ESPM, o conjunto de regras é necessário, principalmente, para o controle da dívida pública e estabilidade econômica. “O arcabouço é a primeira regra fiscal de fato, porque ela entende que o gasto público é importante para a sociedade. A regra irá propiciar uma melhora e perspectivas de investimento do Estado, uma vez que tem um papel fundamental em expandir as políticas sociais e avançar na infraestrutura e no desenvolvimento do país”, diz.

A especialista indica que essas regras propõem, por meio de metas de superávit e controle de gastos, zerar o déficit público primário da União no próximo ano e alcançar um superávit primário de 1% do PIB em 2026. “A regra fiscal proposta é boa, com os gastos do governo sendo limitados a 70% do crescimento da receita. O orçamento volta a ter aumento real, acima da inflação. No entanto, os 30% restantes contribuirão para a mitigação da dívida pública. Todo o esforço da União pode não ter resultado se o Banco Central elevar muito a taxa de juros e a dívida continuar crescendo, numa velocidade que não se consiga mesmo com essa nova regra fiscal controlar. É necessário ter uma harmonia  entre as  políticas fiscal e monetária, o que  é difícil de se conseguir, pois não foi colocado no arcabouço uma norma para o Banco Central, além de não especificar como irá ser operacionalizada”, afirma.

Entrevista com a Professora Cristina:


1 - Poderia explicar para o público leigo em economia o novo arcabouço fiscal, seu funcionamento e importância para o país.

Tentando simplificar para o público leigo, temos uma dívida pública que vem crescendo seja por que a taxa de juros é elevada, seja por que o governo não consegue amortizar a dívida. Amortizar significa diminuir a dívida pagando uma parte. Para fazer esses pagamentos, é necessário que os recursos que o Governo Central arrecada sejam superiores aos seus gastos.

Não é difícil entender o que significa uma dívida crescente. Cada vez que há necessidade de financiamento do Governo, ele precisa tomar mais recursos emprestados junto aos Bancos e junto ao setor privado (tesouro direto). O crescimento continuo da dívida gera desconfiança, incerteza, aumenta a percepção de risco pelos agentes econômicos e cria instabilidades.

Haviam algumas opções para o Governo: não fazer ajustes e deixar a divida crescente, fazer um ajuste no exercício calendário, propor uma regra fiscal que permitisse o ajuste ao longo do tempo.

2 - Qual a diferença da proposta do atual governo com relação ao teto de gastos?

O arcabouço fiscal propõe um ajuste ao longo do tempo. Sem penalizar a economia com um esforço de arrecadação ou cortes de gastos públicos imediatos. 

O teto de gastos propunha um limite para a despesa do governo independentemente da receita. Os gastos do governo poderiam crescer nominalmente. Ou seja, era possível corrigir a inflação ou crescimento de preços do ano anterior.

A atual proposta limita o crescimento dos gastos públicos a 70% do crescimento da receita. Ou seja, se houver aumento da arrecadação, poderá haver um aumento nos gastos mesmo acima da inflação.  Se não houver crescimento da receita, não poderá haver expansão dos gastos públicos. 

3 - O governo tem tido uma queda de braço com o Banco Central sobre a taxa de juros, que de fato está alta, o novo arcabouço fiscal pode refletir na diminuição da SELIC? Há populismo do governo em querer baixar o juros sem pensar na inflação ou o BC favorece o rentismo deliberadamente?

Não. E essa é uma questão crucial. Mesmo com as despesas crescendo em uma velocidade inferior à receita, se a taxa de juros SELIC aumentar por decisão do Banco Central, a dívida crescerá tornando nulo o esforço fiscal. 

Não há populismo do governo nessa situação. Há um pressuposto de que a população prefere emprego e crescimento econômico à inflação. Ou seja, a população toleraria por hipótese um aumento nos preços se a queda na taxa de juros pudesse promover um aumento na renda e no emprego. A queda na SELIC é importante. Mas, o mais importante é desvincular o pagamento da dívida pública à taxa pós fixada, no caso, a SELIC. A queda na Selic impacta no custo do financiamento da dívida pública. Mas, em função de diversos fatores como concentração bancária, altos depósitos compulsórios, etc. a redução impacta pouco as taxas de ponta. Ou seja a taxa que realmente o tomador de crédito, seja empresa ou família, vai pagar pelo financiamento.

Atualmente, essa taxa de juros, nesse nível favorece sim o rentismo. Mas, é o mesmo que um remédio que já não faz bem ao paciente. Você pode parar com o remédio, mas, muitas vezes é necessário fazer isso aos poucos pois o organismo do paciente está habituado ao remédio. Muitas das nossas empresas compõe seus ganhos entre operação e ganhos financeiros. Muitos aposentados complementam suas rendas com recursos aplicados. Não é fácil reduzir juros rapidamente sem criar impactos indesejáveis. Mas, uma trajetória de redução de juros ou uma regra de redução de juros seria muito bem vinda e complementaria o arcabouço fiscal. 


4 - O teto de gastos fracassou? Por quê?

O teto de gastos era um fracasso anunciado. As despesas públicas têm papel importante no desempenho da economia. Por exemplo, em uma crise como a que vivemos na pandemia, é importante que o Estado possa gastar para apoiar empresas e famílias na transição para um período posterior de maior estabilidade. Da mesma forma, há situações sociais que necessitam da ação do Governo para mitigar fome, crime, sofrimento, há situações em que é necessário o investimento em infraestrutura para apoiar o setor privado. Nestas situações, há forte pressão política sobre as despesas estatais e o Governo está limitado à regra de não crescimento real da despesa. É uma regra difícil de ser mantida diante das pressões sociais, empresariais e políticas.

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