Em primeiro plano Shirlene Telmos, do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará e da Unicamp, e ao lado Mariene Amorim, da Unicamp (foto: acervo pessoal) |
Julia Moióli | Agência FAPESP – No Ceará, Estado com o maior número de casos de chikungunya (77.418 casos) registrados no país, o número de mortes pela doença nos últimos dez anos foi superior ao da dengue, que é transmitida pelos mesmos mosquitos das espécies Aedes aegypti e Aedes albopictus. Foi 1,3 óbito por mil casos diagnosticados (a taxa de mortalidade da dengue é de 1,1 por mil). A conclusão é do maior e mais abrangente estudo epidemiológico sobre o tema, que acaba de ser publicado na revista The Lancet Microbe. A partir das análises, os pesquisadores envolvidos no trabalho foram capazes ainda de determinar o padrão de disseminação da doença e os fatores de risco que podem servir de base para a elaboração de estratégias efetivas de controle, prevenção e tratamento.
Quando o vírus causador da febre chikungunya (CHIKV) foi introduzido no Brasil, há quase uma década, especialistas em arboviroses (doenças causadas por vírus transmitidos por artrópodes) acreditavam que ele repetiria a dinâmica que já havia apresentado em outros países, como a Índia, por exemplo: uma ou, no máximo, duas ondas curtas e explosivas, com exposição de grande parte da população, seguidas de um hiato considerável de anos. Porém, o que se observa são epidemias consecutivas e recorde de casos nas Américas – mais de 1,2 milhão registrados. É importante lembrar que não há vacinas ou medicamentos disponíveis para prevenir ou tratar a infecção.
Diferentemente da dengue, cujo vírus causador pode apresentar quatro genótipos distintos e, portanto, provocar quatro eventos de contaminação, o CHIKV não deveria causar reinfecções. E, para entender as causas do diferenciado padrão americano de disseminação, pesquisadores do Imperial College (Reino Unido), do Laboratório de Saúde Pública do Ceará, do Ministério da Saúde, das universidades Estadual de Campinas (Unicamp), de São Paulo (USP) e Federal de Roraima (UFRR) e da University of Texas Medical Branch (Estados Unidos) se debruçaram sobre dados de sequenciamento genômico, de distribuição de vetor e informações epidemiológicas de casos confirmados.
O estudo, que contou com apoio da FAPESP por meio de três projetos (16/00194-8, 18/14389-0 e 19/24251-9), revelou que, entre março de 2013 e junho de 2022, o país enfrentou sete ondas epidêmicas, com 253.545 casos confirmados por laboratório em 3.316 (59,5%) municípios. Cada região funcionou como um “pequeno bolsão” da doença e foi afetada de forma diferente em cada momento. No Ceará, os municípios que mais sofreram nas duas primeiras ondas foram os que menos somaram casos na terceira.
“Os resultados mostram que a dinâmica da dispersão do chikungunya é diferente da observada no caso da dengue e, provavelmente, da zika: ele não está reinfectando a população, mas causando surtos explosivos em lugares com baixa exposição prévia ao vírus”, explica William Marciel de Souza, pesquisador da University of Texas Medical Branch que divide a primeira autoria do estudo com Shirlene Telmos Silva de Lima, pesquisadora do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará e do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia da Unicamp (IB-Unicamp). “Como o Brasil é um país de dimensões continentais e o mosquito transmissor está virtualmente presente em todos os municípios, vivemos um ciclo interminável.”
“Mudamos ainda um paradigma importante com este estudo: o de que apenas a dengue seja uma doença grave – chikungunya, além de debilitante, é também mortal”, completa Lima.
O mapeamento também apontou fatores de risco envolvidos nas infecções sintomáticas, mais prevalentes em mulheres, e nas mortes, mais frequentes em crianças e idosos, que possuem sistemas imunes menos fortalecidos.
Saúde pública
De acordo com os pesquisadores, o panorama traçado pelo estudo indica que as subsequentes epidemias de chikungunya não serão encerradas sem intervenções de saúde pública – como evidência, citam o surgimento de uma nova onda este ano, desta vez em Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Tocantins.
“Considerando o tamanho continental do Brasil, com mais de 5 mil municípios, nosso trabalho fornece conhecimento para estudos posteriores determinarem e priorizarem áreas mais suscetíveis a chikungunya, o que ajudará na criação de ações mais focadas de agentes de saúde pública’, diz de Souza. “Além disso, capacitar médicos que atendem grupos mais suscetíveis a mortes para realizar intervenções com agilidade.”
O professor do IB-Unicamp José Luiz Proença Módena ressalta a importância da vigilância permanente para detectar os bolsões de circulação do vírus e intervir com medidas de controle do vetor e manejo dos doentes.“Chamo atenção ainda para a importância da vigilância genômica, já que muitas das inferências deste trabalho só puderam ser feitas a partir do sequenciamento do genoma do vírus e só não conseguimos nos aprofundar ainda mais porque faltam dados. É preciso investir em estudos relacionados não apenas para chikungunya, mas para outros vírus que circulam no país, como os arbovírus amazônicos”, diz Módena, que coordena na Unicamp o Laboratório de Estudos de Vírus Emergentes (LEVE).
A pesquisa também recebeu apoio de instituições como Burroughs Wellcome Fund, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Global Virus Network, Medical Research Council e Wellcome Trust.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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