Ricardo Galvão analisou o quadro atual e as perspectivas durante palestra inaugural do ciclo “Conferências FAPESP 2023” (foto: Daniel Antonio/Agência FAPESP)
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um artigo, publicado em 2021 em revista do Instituto Oswaldo Cruz, expressava já no título o estado a que havia chegado o processo científico no país: “Brazilian science: towards extinction?” (Ciência brasileira: rumo à extinção?). Especialmente chocante era a apresentação no artigo de um gráfico mostrando, ano a ano, a variação do orçamento federal para ciência e tecnologia em um período de duas décadas, com uma curva acentuadamente descendente desde 2013.
Esse artigo foi citado, em palestra realizada na FAPESP, por Ricardo Galvão, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), como indicador do desmonte promovido no país em um contexto de negacionismo e cerceamento da atividade intelectual. Galvão foi pessoalmente alvo desse cerceamento quando, na ocasião diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foi demitido de seu cargo pelo então presidente da República, depois de divulgar dados sobre o brutal aumento do desmatamento do território brasileiro no ano de 2019. Por sua defesa da atividade científica durante esse episódio, ele foi eleito pela revista Nature como o primeiro entre as dez pessoas mais importantes para a ciência em 2019.
Professor titular do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP), Galvão já ocupou as posições de diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, diretor do Inpe, presidente da Sociedade Brasileira de Física (SBF) e membro do Conselho Científico da Sociedade Europeia de Física, antes de assumir, em 2023, a presidência do CNPq. Ele foi especialmente convidado para proferir a palestra inaugural do ciclo Conferências FAPESP 2023, sobre o tema “Ciência no Brasil: Atualidade e Perspectivas”.
“Para poder falar do futuro, é preciso ver se realizamos alguma coisa do que prometemos no passado”, disse Galvão, lembrando da 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, ocorrida em 2010. Mencionou o Livro Azul, resultante dessa conferência, destacando, entre as várias diretrizes apontadas, a articulação entre inovação e sustentabilidade; as novas oportunidades do Brasil em agricultura, bioenergia, tecnologias da informação e comunicação e exploração do pré-sal; o aproveitamento da biodiversidade, dos recursos marítimos e do uso sustentável da Amazônia. E perguntou: “Avançamos?”.
Essa pergunta balizou toda a sua palestra. Depois de confrontar o horizonte promissor de 2010 com o cenário sombrio instalado a partir de 2013, e especialmente após 2019, Galvão enfocou o tema sob dois prismas: o das contribuições disruptivas em ciência e tecnologia e o dos eventuais benefícios trazidos pela atividade científica para a sociedade. E, considerando que a grande propriedade agora é o conhecimento, afirmou que “o nosso país não tem uma alfabetização científica mínima para que possamos evoluir na economia do conhecimento”, o que demanda uma forte atenção dos gestores, em especial dos dirigentes das instituições de fomento à ciência e à tecnologia.
Na sequência, fez uma avaliação da atuação do próprio CNPq no sentido de atender a pauta definida em 2010. Mostrou que, a despeito de todos os problemas enfrentados, a instituição ocupa o 10º lugar no ranking mundial da participação das agências de fomento em trabalhos diretamente relacionados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas – ranking que é disparadamente liderado pela agência chinesa de fomento. E enfatizou a criação, em 2008, do Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, durante a gestão do professor Marco Antonio Zago, atual presidente da FAPESP.
Analisando a evolução orçamentária do CNPq, Galvão mencionou o aumento, neste ano, dos valores das bolsas de iniciação científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado, que estavam fortemente depreciadas. Mas apontou o grande descompasso entre os gastos com bolsas e os gastos com investimento em fomento, que deveriam ser prioridade do CNPq e correspondem a apenas 11,6% do gasto total.
“A solução é ter mais recursos para investimentos. E, como estratégias para o futuro, queremos nos concentrar em ações em que tenhamos colaborações com as FAPs [Fundações de Amparo à Pesquisa], restaurando programas como o Pronem [Programa de Apoio a Núcleos Emergentes de Pesquisa] e o Pronex [Programa de Apoio a Núcleos de Excelência]”, afirmou. Galvão destacou também a transformação dos INCTs exitosos em institutos nacionais, com vida própria.
Entre as políticas que estão sendo estudadas no âmbito da direção do CNPq, ele mencionou cinco tópicos que, se implementados, poderão ter grande impacto, especialmente para estudantes de pós-graduação e pesquisadores jovens: abolir a proibição de acúmulo de bolsa com trabalho remunerado; apoiar o sistema de inovação [que possibilita ao bolsista no exterior continuar lá, prestando colaborações específicas no Brasil]; instituir esquema de trabalho temporário para doutores recém-formados; verificar a possibilidade de esquema de trabalho temporário para bolsistas; eliminar a exigência de ser bolsista para submeter propostas de pesquisa em chamadas do CNPq.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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