Victor Missiato, analista político, doutor em História Política e professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM) - Tamboré.
A formação da Modernidade está relacionada a uma série de fenômenos que tiveram início entre os séculos XV e XVIII. No aspecto específico da política, vários foram os pensadores que buscaram interpretar essas novas realidades e propor novas perspectivas para o convívio social moderno.
Uma das propostas mais inovadoras formuladas encontra-se presente na obra Do espírito das Leis, escrita por Charles Louis Secondat, senhor de La Brède e barão de Montesquieu, e publicada em 1748. De acordo com o pensador francês, um tipo de sistema político ideal deveria ter como fundamento o equilíbrio, e não necessariamente a divisão do poder, a partir de três poderes: o Poder Legislativo; o Poder Executivo das coisas, que se traduz no poder Executivo propriamente dito; e o Poder Executivo dependente do direito civil, que é o poder de julgar. Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem ter suas atribuições divididas para que cada poder restrinja qualquer eventual abuso de poder por parte de outro.
Segundo o historiador Pierre Rosanvallon, essa gramática política manteve-se potencialmente inalterada entre os anos finais do século XVIII até a década de 1980, a despeito de questionamentos e controvérsias, tomando por base as instituições surgidas a partir da Revolução Americana e Revolução Francesa.
Após as revoluções culturais das décadas de 1960 e 1970, entrelaçadas a uma profunda transformação na racionalidade econômica ao final do século XX, o protagonismo do Poder Judiciário afetou consideravelmente o equilíbrio entre os Poderes. A luta pelos Direitos Civis nos EUA e o papel da Suprema Corte nas revisões políticas, jurídicas e nas jurisprudências estabelecidas historicamente, abriram espaços para uma nova relação entre sociedade e poder político no mundo moderno.
No Brasil, mudanças no perfil político, cultural, econômico e religioso da sociedade passaram a conviver, também, com transformações profundas na cultura jurídica do país.
No texto “Revolução Processual do Direito e Democracia Progressiva”, os sociólogos Luiz Werneck Vianna e Marcelo Burgos analisaram o contexto da transformação americanista do poder judiciário brasileiro. Para os autores, “o federalismo e a separação de Poderes, com a criação de um tribunal superior independente quanto à representação política, importando a novidade na arquitetura republicana da institucionalização de mecanismos de checks and balances, foi o que definiu o excepcionalismo americano” na modernidade (p. 364-365). Posteriormente, tal arquitetura jurídica passou a compor a estrutura da nossa Carta de 1988.
Em razão de tais transformações modernas, o papel do Superior Tribunal Federal (STF) no Brasil ganhou novos contornos a partir dessa nova gramática social. O protagonismo do STF está presente cada vez mais em decisões de cunho legislativo e executivo, rompendo com uma tradição secular no país.
Nos próximos dias, com a posse do ministro Luís Roberto Barroso para a presidência da Suprema Corte, o xadrez político do STF novamente irá se alterar, pois Barroso, com mestrado em Yale e pós-doutorado em Harvard, é herdeiro direto do ativismo judiciário na política. Sua crença iluminista de que o Judiciário é capaz de promover mudanças a partir de novas interpretações constitucionais, que acompanham o tempo da vida em sociedade na modernidade, deve gerar novos desequilíbrios de funções e poderes na república brasileira. O atual embate acerca do marco temporal é um dos efeitos deletérios desse desequilíbrio, pois favorece a imprevisibilidade no uso e manejo da terra no Brasil, criando possíveis crises com um dos principais setores econômicos do país.
No campo cultural dos costumes, o engajamento progressista da Corte novamente deve entrar em choque com o posicionamento conservador da atual Câmara, principal representante direta do povo brasileiro. Trata-se de uma situação complexa, pois o Brasil convive, cada vez mais, com um distanciamento entre opinião pública e sociedade civil em seu cotidiano republicano.
*Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do Colégio Presbiteriano Mackenzie (CPM).
Nenhum comentário:
Postar um comentário