Bem-vindos a uma entrevista exclusiva com Carlos André Marinho Vieira, analista-chefe da TC Economática, que trará luz sobre um tema que tem chamado a atenção dos observadores econômicos em todo o mundo: o fato de o Brasil abrigar alguns dos bancos mais rentáveis do planeta. Em um momento em que a economia global passa por desafios sem precedentes, os bancos brasileiros têm se destacado com um desempenho notável.
Hoje, vamos explorar os fatores que contribuem para essa rentabilidade excepcional, bem como as implicações dessa situação para a economia brasileira e o sistema financeiro internacional. Carlos André Marinho Vieira, nos ajudará a entender esse fenômeno e oferecerá insights valiosos sobre o futuro dessas instituições e seu impacto na economia do Brasil.
1 - Quais fatores contribuem para que os bancos brasileiros sejam considerados os mais rentáveis do mundo?
Há alguns fatores estruturais que contribuem para este fenômeno. Por exemplo, o Brasil sempre foi um país com altas taxas básicas de juros (SELIC), resultado principalmente do descontrole fiscal de alguns governos. Adicionalmente, os juros cobrados pelos bancos devem cobrir várias despesas das suas operações, como impostos, gastos com pessoal e, principalmente, a inadimplência, que é muito elevada no Brasil.
2 - Em comparação com outros países, quais são as principais características do sistema financeiro brasileiro que podem explicar essa alta rentabilidade?
Um dos principais pontos que diferencia o Brasil de países onde os juros são menores é a taxa de recuperação de créditos inadimplentes. No Brasil esta taxa é muito baixa e o credor conta com pouca proteção judicial contra calotes, como alguns prazos para a prescrição da negativação do devedor em função da inadimplência, o que incentiva as pessoas e empresas a não cumprirem com as suas obrigações de empréstimo.
3 – O ambiente regulatório no Brasil desempenha um papel importante na rentabilidade dos bancos? Em caso afirmativo, como essas regulamentações influenciam os resultados financeiros das instituições bancárias?
O ambiente regulatório tem como objetivo principal proteger o sistema financeiro de práticas arriscadas das instituições ou mesmo situações abusivas para com o consumidor. A regulação atua de maneiras positivas e negativas quanto à rentabilidade dos bancos. De forma positiva, a regulação restringe/dificulta a entrada de novos competidores no setor, solicitando garantias mínimas de capital e exigindo controles internos bastante complexos, contribuindo para que as instituições já operantes consigam crescer em escala enquanto novos competidores encontram dificuldades em atingir esses pré-requisitos. Por outro lado, parte da regulação também restringe a aplicação de juros, limitando as taxas em alguns produtos, reduzindo a rentabilidade potencial dos bancos.
4 – As taxas de juros praticadas no Brasil têm impacto significativo na rentabilidade dos bancos. Quais são os principais efeitos das taxas de juros altas ou baixas sobre os lucros dos bancos no país?
Em períodos de taxas de juros muito altas, embora os bancos consigam aumentar seus spreads e entregar uma maior rentabilidade sobre o capital aplicado, também sofrem com um maior nível de inadimplência, visto que taxas de juros muito elevadas estão ligadas a períodos desfavoráveis do ciclo econômico. Por outro lado, com taxas de juros excessivamente baixas, a competição para fornecer crédito é muito acirrada, diminuindo spreads e tornando a concessão de crédito mais permissiva, ou seja, muitas vezes pessoas e empresas que não tem condições de arcar com empréstimos acabam conseguindo captar recursos devido à oferta excessiva de crédito.
5 - As tecnologias financeiras (fintechs) estão ganhando espaço no Brasil. Como essas empresas impactaram a rentabilidade dos bancos tradicionais e o que os bancos estão fazendo para se manterem competitivos?
As fintechs iniciaram suas operações atendendo pessoas muitas vezes desbancarizadas, que não conseguiam crédito com as instituições tradicionais. Esta linha de atuação teve dois reflexos: (i) um maior número de pessoas bancarizadas no sistema financeiro nacional, com acesso a crédito e serviços bancários; (ii) um nível maior de inadimplência, visto que eram produtos com poucas garantias (por exemplo, cartões de crédito) e as pessoas possuíam pouco histórico de crédito, o que não permitia à fintech avaliar com precisão a qualidade do devedor. Muitas pessoas pensaram que o crescimento das fintechs ia atrapalhar bastante os bancos tradicionais, mas estes conseguiram se reinventar, digitalizar o seu atendimento e competir quase que de igual para igual com as fintechs. Adicionalmente, o tamanho das fintechs ainda é muito pequeno (em termos de carteira de crédito) para rivalizar com os grandes bancos. Em resumo, embora tenham mais clientes (em número), as grandes operações de crédito ainda são firmadas com os bancos tradicionais.
6 - A concentração bancária no Brasil é notável. Como essa concentração afeta a rentabilidade dos bancos e a concorrência no setor?
A concentração dificulta a entrada de novos competidores, visto que os grandes bancos possuem um número muito grande de clientes, já servem os seus clientes com praticamente todos os serviços necessários e a migração de um banco para outro costuma ser muito custosa em termos de praticidade. Principalmente para grandes operações de crédito, empresas tornam-se reféns dos grandes bancos, que possuem capital disponível para concessão. Sendo assim, eles podem cobrar taxas mais elevadas em um mercado que ainda é pouco atendido no Brasil. Ao mesmo tempo, oferecer todos os serviços essenciais para os seus clientes faz com que a necessidade de troca de instituição financeira seja reduzida, mantendo a sua base praticamente inalterada ao longo dos anos.
7 - O mercado de crédito desempenha um papel fundamental na geração de lucros para os bancos. Quais são os principais segmentos de crédito que têm impulsionado a rentabilidade dos bancos brasileiros?
O segmento que mais impulsiona a rentabilidade está sendo o crédito consignado, considerando a rentabilidade após os custos, sobretudo de inadimplência. Apesar de juros menores que outras aplicações, a inadimplência é baixíssima, principalmente porque este tipo de produto é concedido, em sua maioria, a funcionários públicos e aposentados e pensionistas do INSS, que possui uma renda mais estável em relação aos trabalhadores da iniciativa privada. Quanto às empresas, os empréstimos para capital de giro são os que fornecem uma maior rentabilidade para os bancos.
8 - A inadimplência é uma preocupação constante no setor bancário. Como os bancos brasileiros lidam com o risco de inadimplência e como isso influencia sua rentabilidade?
Após o início da pandemia, com taxas de juros cada vez mais baixas, houve um incentivo para que as instituições financeiras fornecessem crédito a custos cada vez menores, o que levou a um crescimento muito grande do mercado de crédito. A falta de disciplina nos critérios de concessão fez com que pessoas e empresas que não possuíam condições de arcar com parcelas de empréstimo tomassem crédito, uma vez que seu custo estava bastante atrativo. No entanto, o aumento repentino das taxas básicas de juros pegou os devedores de surpresa e aumentaram em muito o custo do crédito. O endividamento das famílias atingiu níveis recordes e a inadimplência têm se tornado cada vez maior. Esta inadimplência se concentra principalmente nos segmentos que não possuem muitas garantias, como cartão de crédito, crédito direto ao consumidor, capital de giro para empresas e crédito rotativo. Ultimamente, com algumas exceções, a maioria dos bancos têm mostrado uma queda na sua rentabilidade em função da elevada inadimplência, principalmente aqueles que foram mais permissivos na concessão de crédito desde 2020.
9 - Em comparação com outros países, quão eficientes são os bancos brasileiros em termos de custos operacionais? Como a eficiência operacional contribui para sua rentabilidade?
Os bancos brasileiros deram um salto de eficiência após a entrada das fintechs no mercado. A proposta da digitalização do atendimento e mudanças de hábitos dos consumidores levaram os bancos a reduzirem o seu número de agências e funcionários, automatizar procedimentos e reduzir as despesas em termos proporcionais. No entanto, este efeito não é generalizado em todas as instituições. Ainda vemos alguns bancos com uma baixa eficiência, principalmente porque o aumento das receitas não conseguiu acompanhar os custos crescentes
10 - A rentabilidade dos bancos brasileiros é sustentável no longo prazo? Quais são os principais desafios e ameaças que podem impactar negativamente essa rentabilidade no futuro?
A rentabilidade apresentada hoje pelos bancos brasileiros deve ser sensivelmente reduzida com as quedas esperadas nas taxas básicas de juros. No entanto, não vemos uma queda ainda mais significativa na sua rentabilidade no longo prazo. A ameaça das fintechs não se mostrou tão relevante e os grandes players conseguiram se adaptar às adversidades recorrendo das mesmas armas dos seus competidores, a digitalização dos serviços e a automação dos procedimentos, reduzindo o tempo de espera e atendimento dos clientes. Além disso, eles possuem a vantagem de acesso fácil ao capital e histórico de décadas de operação, o que é uma segurança a mais na hora de um cliente escolher a sua instituição financeira parceira.



Nenhum comentário:
Postar um comentário