Regiane Nitsch Bressan, professora da EPPEN/Unifesp (crédito imagem: arquivo pessoal) |
Por Regiane Nitsch Bressan (*)
A demanda territorial da Venezuela pela região de Essequibo na Guiana, ressuscita uma problemática multifacetada marcada por vastidão e riqueza natural, com origem em 1841. A Venezuela retomou a cobiça por Essequibo diante à descoberta de reservas marítimas de petróleo em 2015. A região abriga depósitos significativos de ouro, diamantes, bauxita e outros minerais valiosos, correspondendo a 74% do território guianense. Além disso, as imensas reservas de petróleo e gás na área, especialmente no bloco Stabroek, contribuem para o rápido enriquecimento econômico da Guiana. A importância estratégica das águas costeiras de Essequibo, com sua zona econômica exclusiva, está sendo acentuada diante às projeções de crescimento do país.
Com uma extensão superior a 160 mil quilômetros quadrados, a disputa pelo território persiste, portanto, desde o século XIX. Aliás, a Guiana já levou o caso à Corte Internacional de Justiça em 2018, desconsiderando o argumento venezuelano o qual indica a solução pelo Acordo de Genebra, pacto firmado entre Caracas e Londres em 1966. Este acordo reconheceu a reivindicação venezuelana sobre o território quando o Reino Unido assentiu, três meses antes da independência da Guiana.
Desta vez, o presidente venezuelano Nicolás Maduro convocou um referendo nacional, muito controverso, para 3 de dezembro, próximo domingo. Mais de 21 milhões de venezuelanos estão aptos a participar, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE). Os eleitores responderão entre “sim” e “não” a cinco perguntas. Os temas em debate abordam a rejeição de um laudo datado de 1899, o respaldo ao Acordo de Genebra de 1966, a recusa em aceitar a jurisdição da Corte de Haia para resolver a controvérsia, a objeção à posição adotada pela Guiana. A última pergunta concretiza-se na proposta de estabelecer um novo estado denominado Guayana Esequiba.
O referendo evoca questões complexas quanto à soberania e autodeterminação. Ao propor a criação do estado de Guayana Esequiba, com a concessão de cidadania venezuelana aos habitantes da região, o governo de Maduro busca legitimar sua reivindicação territorial. Ademais, o referendo evidencia uma manobra política de Maduro, visando unificar opositores e consolidar apoio interno diante às eleições presidenciais de 2024. A estratégia nacionalista, alimentada pela questão de Essequibo, parece unir chavistas e opositores, favorecendo também o contexto eleitoral. Apesar do resultado do referendo não ser vinculativo internacionalmente, gera tensões que extrapolam a própria região, resvalando em interesses dos Estados Unidos e também da Rússia.
Em última análise, a complexidade dessa questão reside não apenas na disputa territorial, mas na interseção entre nacionalismo, recursos naturais e estratégias geopolíticas. A resolução desse impasse demanda não apenas considerações legais, mas uma abordagem equitativa que leve em conta a história, as aspirações das populações locais e a busca por uma estabilidade duradoura na região. O futuro de Essequibo permanece incerto e sua resolução impactará profundamente não apenas os países diretamente envolvidos, mas também na dinâmica geopolítica da América Latina com repercussões extrarregionais.
(*) Regiane Nitsch Bressan é professora do Departamento de Relações Internacionais da Escola Paulista de Política, Economia e Negócios da Universidade Federal de São Paulo (EPPEN/Unifesp); doutora e mestre em Integração da América Latina pela USP; professora do Programa Interinstitucional (Unesp, Unicamp e PUC-SP) de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas; membro do Observatório de Regionalismo, GRIDALE, FOMERCO e CRIES.
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