BBC NEWS - O Império Romano deixou como legado para o mundo ocidental, entre muitas coisas, os princípios do sistema jurídico praticado em dezenas de países, a raiz de línguas como o espanhol, o francês ou o italiano, e até mesmo a lógica com a qual operam os corpos de bombeiros que trabalham nas cidades.
No entanto, talvez haja um elemento desse legado que não seja tão conhecido: a celebração do Natal.
Em uma das principais festividades do cristianismo, marcada hoje por árvores iluminadas, Papai Noel, presépios e reuniões familiares, é difícil ver algum vestígio da cultura romana. Principalmente porque, durante mais de cinco séculos, o Império Romano foi um povo crente em múltiplas divindades.
Mas que o Natal seja celebrado em dezembro e seja uma ocasião para se reunir com a família tem muito a ver com a influência romana.
Então, qual é o vínculo e por que o Natal deve tanto a Roma?
A resposta a essa pergunta está relacionada a uma celebração romana específica: as saturnais, o ritual com o qual no Império Romano se dava as boas-vindas ao inverno.
"A escolha do dia 25 de dezembro como data do nascimento de Jesus não tem nada a ver com a Bíblia, mas foi uma escolha bastante consciente e explícita de usar o solstício de inverno para simbolizar o papel de Cristo como a luz do mundo", explicou Diarmaid MacCulloch, professor de história da Igreja da Universidade de Oxford, à BBC Mundo.
"As tradições de festa e desordem das saturnais na mesma época do ano migraram naturalmente para a prática cristã, já que no século IV o cristianismo estava se tornando mais proeminente na sociedade romana. As novas crenças seriam mais bem aceitas se não entrassem em conflito com suas antigas tradições não cristãs", acrescentou.
Mas, quando ocorreu esse encontro entre os ritos romanos e as celebrações cristãs e como chegaram até nossos dias?
Saturnais
As saturnais eram um festival celebrado pelos antigos romanos para marcar o que eles chamavam de "renascimento" do ano, coincidindo com o solstício de inverno, que, no calendário juliano (que governou o império e a Europa por séculos), era curiosamente celebrado em 25 de dezembro.
No entanto, a festividade começava oito dias antes, em 17 de dezembro, quando as normas ordinárias eram invertidas: homens se vestiam como mulheres e senhores como servos, entre outras convenções opostas.
Mas é aqui que começamos a ver as semelhanças: as casas eram decoradas com vegetação, velas eram acesas e... presentes eram trocados.
"Essa celebração era em homenagem ao deus Saturno (daí o nome) e sempre foi caracterizada pela relaxação da ordem social e por uma atmosfera de carnaval", destaca a historiadora australiana Marguerite Johnson, em entrevista à BBC Mundo.
Johnson enfatiza que a celebração em honra a Saturno no início do inverno tinha um propósito: Saturno era a principal divindade para os romanos.
"Era o deus do tempo, da agricultura e das coisas sobrenaturais. À medida que os dias se tornavam mais curtos e a terra simbolicamente 'morria', era necessário agradar o deus do tempo e da comida", observa a acadêmica.
Como parte dessa tradição de apaziguar o além e os outros, a prática de trocar presentes foi introduzida.
"Como parte das festividades, os romanos trocavam presentes: velas, pantufas de lã, gorros e até mesmo meias. E faziam isso entre as famílias, enquanto os escravos desfrutavam de seu tempo livre."
A historiadora destaca que, além do festival das saturnais, os romanos tinham outra celebração: o "nascimento do sol invicto ou não conquistado" (Natalis Solis Invicti), que era comemorado em 25 de dezembro, de acordo com vários documentos da época romana.
"No almanaque do século IV, o Calendário de Filocalus, menciona-se uma celebração dos Invictus em 25 de dezembro, que provavelmente é uma referência ao 'Sol Invicto'", afirma Johnson.
"E é nesse documento que ocorre a primeira menção de que 25 de dezembro é o nascimento de Jesus", acrescenta a historiadora.
Dezembro
Ao final da era romana, a verdade é que o Natal já fazia parte do calendário romano.
Foi um processo gradual, conforme indicam os historiadores, relacionado a uma hibridação ou amalgama de tradições.
Por volta do meio do século I, os cristãos já haviam chegado a Roma e começaram a influenciar a sociedade do império.
"À medida que o cristianismo se enraizou mais no mundo romano e a antiga religião politeísta ficou para trás, os cristãos se adaptaram a esses rituais estabelecidos e os tornaram próprios", observa Johnson.
"É muito plausível que tenham escolhido essa festividade por sua relação com o renascimento, mas desta vez com o renascimento de Cristo, ao qual foi confiada a missão de redimir e conduzir à vida eterna", acrescenta.
Já no século IV, tudo foi oficializado: entre os anos 320 e 353, o Papa Júlio I fixou a solenidade do Natal em 25 de dezembro, talvez como uma estratégia para converter os romanos.
No ano de 449, o Papa Leão I estabeleceu essa data para a comemoração do nascimento de Jesus como uma das principais festas da Igreja Católica, e finalmente, em 529, o Imperador Justiniano a declarou como festa oficial do império.
Assim, começou a ser considerado como certo que Jesus havia nascido em dezembro. No entanto, o historiador italiano Polidoro Virgílio, no século XV, começou a notar semelhanças entre vários ritos pagãos e a celebração do Natal.
"Polidoro Virgílio apontou a conexão entre a tradição predominantemente inglesa, 'O Senhor do Desgoverno', que ocorria no dia de Natal, e o costume equivalente que acontecia durante as saturnais. Ambos envolviam senhores e servos ou escravos trocando de papéis por um dia", anota Johnson.
Desde então, tem-se procurado pela data exata do nascimento de Jesus, que alguns historiadores situam em meados de março ou início de abril.
Mas a verdade é que a influência é tão forte que continuamos a celebrar com presentes, festas e encontros familiares a cada 25 de dezembro.
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