Privatização e o Estado suficiente - Blog A CRÍTICA

"Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados." (Millôr Fernandes)

Últimas

Post Top Ad

quinta-feira, 28 de março de 2024

Privatização e o Estado suficiente



Elton Duarte Batalha é professor na Faculdade de Direito (FDir) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogado. Doutor em Direito.  


O debate a respeito do tamanho do Estado parece estar tomando contornos concretos, considerados os últimos atos ocorridos na cidade de São Paulo em virtude do processo de desestatização da Sabesp. A vida da população tem sido diretamente atingida por manifestações cuja legalidade é discutida, as quais permitem refletir sobre a cultura política nacional e a forma como a democracia é praticada no país.
 

A discussão sobre a privatização ou desestatização de determinadas empresas é plasmada, na maior parte das vezes, por colorações ideológicas em vez do uso de argumentos técnicos. Assim sendo, a falta de moderação no debate tende a assumir caminhos perigosos, os quais levam à violência simbólica da linguagem ou, em último caso, tentativa de agressões físicas ou destruição de bens.
 

A manifestação realizada nos corredores e no plenário da Assembleia Legislativa de São Paulo (ALESP) demonstrou que o apreço pela democracia está em baixa no país. Tal constatação deriva de duas observações: primeiramente, a ideia de um Estado mais enxuto na sociedade paulista foi escolhida na última eleição ao governo e nada mais natural que ocorra sua implementação, respeitados os limites previstos no arcabouço jurídico nacional (portanto, a tentativa de imposição de vontade pelos manifestantes parece desrespeitar a vontade majoritária); em segundo lugar, o modo de demonstrar a insatisfação com a visão adotada pelo governo deve ocorrer com o uso de articulação política e ter como pressuposto o exercício pacífico do direito de liberdade de expressão (no caso, diante da insuficiência de votos da oposição, os ativistas optaram pelo caminho da violência, como se viu em imagens de policiais ensanguentados e tentativa da quebra da barreira que isolava o público dos deputados estaduais).
 

A utilização do caos como tática já havia sido observada no movimento paredista dos estudantes em universidades públicas paulistas e na greve dos metroviários. Em todos os casos, tentou-se a utilização de manifestações que, em tese, seriam legítimas para finalidade discutível, impedindo aulas ou causando transtorno aos cidadãos que utilizam transporte público. Em ambas as situações, a manipulação do importante instrumento grevista para fins políticos demonstra o problema da cultura política do país, que busca contaminar qualquer assunto com ideologia, ainda que determinados tópicos fossem mais proveitosos à sociedade se fossem tratados sob o prisma técnico. O que os reitores e a chefia dos transportes metropolitanos poderiam fazer em atendimento às reivindicações dos revoltosos? Nada. Mais uma vez, a sociedade foi transformada em refém de interesses sectários.
 

A asfixia do debate mais profundo sobre questões essenciais para a comunidade (como o tamanho adequado do Estado) ocorre com frequência cada vez maior, diante da discussão rasa em redes sociais e do oportunismo político de correntes políticas à esquerda e à direita no campo ideológico. O uso do caos como tática faz com que boa parte da população sinta-se constrangida em demonstrar sua visão de mundo, situação que empobrece o panorama democrático. A cultura política nacional e a forma como a vontade é manifestada no âmbito público demonstram que ainda há um longo caminho a percorrer para que os princípios democráticos sejam verdadeiramente introjetados na alma brasileira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Post Bottom Ad

Pages