O Conselho Federal de Medicina (CFM) recentemente emitiu uma resolução, publicada no Diário Oficial da União (DOU), que proíbe a realização da assistolia fetal, comumente conhecida como aborto, em gestações com mais de 22 semanas, especificamente nos casos decorrentes de estupro. Esse procedimento envolve a administração de substâncias para induzir a morte do feto, seguido da remoção do mesmo do útero da mulher.
Essa medida, conforme destacado por Ana Luiza Machado, especialista em Direito Médico e professora de Medicina do Centro Universitário de Brasília (CEUB), suscita preocupações significativas. Machado aponta para o risco de potencial criminalização das vítimas, privando-as do direito ao aborto legal e do amparo que deveriam receber.
Para a especialista, haverá também impactos jurídicos para as instituições de saúde, devido à resolução do CFM: “Elas terão que lidar com essa situação, em que existe uma lei que garante o aborto legal em caso de estupro sem limite de tempo gestacional, ao mesmo tempo, os profissionais habilitados para o procedimento estão sujeitos a responderem um processo ético-profissional no seu Conselho Regional de Medicina se realizarem o aborto legal nessa situação”.
O Ministério Público Federal (MPF) já solicitou explicações ao CFM sobre a fundamentação científica para a resolução. O Conselho tem até cinco dias úteis para enviar os esclarecimentos. Entre os argumentos do CFM, está a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ninguém deve ser tratado de forma degradante, e a Constituição Federal, que prevê o direito inviolável à vida.
Entretanto, esse episódio não ocorre em um vácuo. Reflete um problema mais amplo no cenário brasileiro: o atraso e a ineficácia dos conselhos de classe, entidades concebidas para fiscalizar e regulamentar as profissões regulamentadas. Infelizmente, esses conselhos muitas vezes atuam mais como instrumentos de corporativismo do que como guardiões da ética e do profissionalismo.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) é um exemplo paradigmático desse problema. Anualmente, essa instituição arrecada milhões de reais dos mais de 1 milhão de advogados do país, além de obter lucros substanciais com a realização do exame para ingresso na profissão. A falta de ação por parte da sociedade brasileira para reformar esse sistema é preocupante. A sugestão de que o exame seja conduzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) e de substituir os conselhos de classe por uma agência reguladora independente é uma proposta digna de consideração.
O caso do CFM é emblemático, pois evidencia a subversão da soberania popular em prol de interesses corporativistas e ideológicos da casta médica que controla o CFM. Esse tipo de comportamento representa uma ameaça à ordem liberal brasileira, contradizendo os princípios democráticos e colocando em risco os direitos e a autonomia das pessoas, especialmente das mulheres em situações de vulnerabilidade.
Portanto, é imperativo que a sociedade brasileira reavalie o papel e a estrutura dos conselhos de classe, exigindo transparência, responsabilidade e compromisso com o bem-estar público. Afinal, em uma democracia verdadeira, as instituições devem servir aos interesses da população, não aos de uma elite profissional autossuficiente.



Nenhum comentário:
Postar um comentário