De acordo com o Relatório Check Up Fake News, produzido pela agência Nova, as narrativas falsas ganham mais credibilidade quando são transmitidas na TV, mesmo com foco em desmenti-las
O Poder Público, seja Federal, Estadual ou Municipal, tem sido o principal foco do ataque das redes de desinformação que exploram a tragédia do Rio Grande do Sul. A velocidade com que novas narrativas aparecem, sempre mantendo o tema central em destaque, foi identificada no Relatório Check Up Fake News, desenvolvido pelo Núcleo de Integridade da Informação (NII), da agência Nova. O levantamento selecionou 11.256 menções ao Rio Grande do Sul em posts compartilhados, curtidos ou visualizados, nas redes. Destas, o estudo analisou manualmente 1000 posts que circularam entre 1 e 13 de maio de 2024 nas redes sociais. Seus resultados foram objeto, ainda, de pesquisa qualitativa em 10 cidades brasileiras e uma pesquisa quantitativa com 1226 entrevistas para mapear o comportamento das pessoas diante das notícias e narrativas falsas.
A narrativa de que o Estado é omisso na mitigação dos impactos negativos da tragédia tem sido explorada em várias frentes, com cinco ações predominantes de sustentação dessa tese encontradas no estudo, as quais percorrem temas como a burocracia estatal atrapalha as ações dos voluntários; o governo e a mídia disseminam fake news para esconder a omissão e a incompetência na contenção dos danos; a real situação do RS é pior do que tem sido reportado na mídia e reconhecido publicamente pelo governo; e o governo censura vozes dissonantes que tentam mostrar a verdade sobre a situação no estado, com a desculpa de “combater fake news”.
Para reforçar essa tese, por exemplo, as redes de ódio buscam colocar empresários e influenciadores, como o coach Pablo Marçal e o dono da Havan Luciano Hang, como heróis muito mais atuantes, além de fazer um embate ideológico em torno de um Estado-mínimo. O discurso, já utilizado no passado, encontrou na tragédia um campo fértil para atuação.
A análise das postagens identificou um equilíbrio na presença de debate político difuso entre direita e esquerda. Perfis progressistas ocupam 52% dos usuários, contra 48% de um público mais alinhado ao bolsonarismo. No entanto, enquanto o cluster mais alinhado à direita criava narrativas diariamente, os perfis mais progressistas praticamente se concentraram em tentar rebater as chamadas fake news.
Segundo Marcus Di Flora, analista-chefe do Núcleo de Integridade da Informação da agência Nova, os dados demonstram que há uma forte tentativa de manipular a realidade utilizando-se de particularidades, a partir de uma tragédia de grande proporção, para questionar a importância da ação estatal e das instituições. “Nota-se o reforço de se reviver um movimento antipolítica fragilizado com o resultado eleitoral de 2022 e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, mobilizado nas redes, e aproveitando-se de sentimentos de raiva e frustração, naturais nestes momentos trágicos.”, aponta.
A pesquisa qualitativa, realizada pela Nova em parceria com a professora Esther Solano, em 10 municípios brasileiros com perfil sócio-econômico variado, apontou também o impacto das narrativas que alegam censura a opositores e o Governo esconde a verdade. Mesmo após os veículos tradicionais de mídia, principalmente noticiários televisivos, desmentirem fake news que circularam com grande alcance nas redes sociais, algumas ganharam tração. O relatório aponta que a transmissão de notícias falsas na TV, mesmo com foco em desmenti-las, muitas vezes faz a narrativa ganhar credibilidade na outra tela.
Reflexão presencial
O estudo quantitativo, feito em parceria com o Instituto OMA, contou com 1226 entrevistas presenciais em todo o território nacional, apenas no Rio Grande do Sul as amostras foram realizadas por abordagem telefônica devido às condições de deslocamento no estado. A margem de erro foi de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, com intervalo de confiança de 95%. Entre os dados de destaque estão a força da internet. A maioria dos entrevistados acompanhou as atualizações da tragédia pelas redes sociais e não pela mídia tradicional, o que pode ajudar a explicar por que as fake news estão no centro do debate da tragédia ambiental no RS.
Outro ponto de atenção é que foi identificado um comportamento de reflexão e autoanálise quando a pessoa é exposta narrativas de desinformação presencialmente. No âmbito virtual ocorre, segundo os pesquisadores, totalmente o oposto. A exposição é feita de forma mais rápida, assim como o compartilhamento, provocando mais engajamento pelo algoritmo das plataformas.
"O relatório aponta que o centro do debate passou a ser as informações falsas que circulam e não a tragédia em si, com seu impacto social, humanitário e econômico. Esse comportamento nos provoca várias reflexões sobre o impacto do sofrimento humano que ficou relegado pela disputa política, fomentada por uma grande rede de desinformação, confirmando vários estudos de que estes desinformadores se aproveitam de situações extremas para descredibilizar as instituições democráticas, sem medir as consequências para a vida das pessoas, o medo e o pânico sua matéria-prima.", explica Flora, da agência Nova.
Postagens com grande repercussão submetidas aos entrevistados
- Caminhões com doação estão sendo barrados por falta de nota fiscal (56% acreditam);
- Luciano Hang e Pablo Marçal estão fazendo mais pelas vítimas da catástrofe do que o Governo Federal (48% acreditam);
- Lula e Janja foram ao show da Madonna e só depois visitaram o Rio Grande do Sul (39% acreditam);
- Lula não mobilizou o exército para ajudar no socorro às vítimas das enchentes no RS (33% acreditam);
- Lula não está ajudando os gaúchos porque o Sul votou no Bolsonaro (27% acreditam).



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