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sexta-feira, 5 de julho de 2024

Enfrentamento às mudanças climáticas demanda adaptação e recursos direcionados às cidades

Há fundos e linhas para financiamento climático, mas não há não há direcionamentos práticos para auxiliar diretamente os mais impactados: os municípios e as populações que vivem neles.



Luciana Sonck, mestra em planejamento territorial, especialista em governança e sócia-fundadora e CEO da Tewá 225
 

À medida que o cenário político reconhece cada vez mais o papel central das cidades na adaptação às mudanças climáticas, cresce também a sensação de despreparo quanto à implementação de soluções eficazes. Com isso, surge uma pergunta que precisa de uma resposta cada vez mais urgente: como os municípios podem se adaptar?
 

É reconhecido e cientificamente comprovado que, o que parte da sociedade insiste em nomear como “desastre natural”, é uma consequência direta do aquecimento global. Mas enquanto as discussões da crise climática avançam na agenda internacional, as cidades - onde o impacto é sofrido diretamente - estão longe de estarem preparadas para enfrentar situações extremas que se tornaram cada vez mais recorrentes, como é o caso dos municípios atingidos pelas fortes chuvas no Rio Grande do Sul.
 

A construção desse cenário de cidades despreparadas está ligada diretamente ao nosso sistema federativo, que sobrecarrega os municípios com a responsabilidade pela execução das políticas públicas, incluindo áreas como saúde, educação, assistência social e ordenamento territorial, sem proporcionar uma distribuição equitativa de recursos financeiros. Esta realidade cria um desafio adicional na adaptação às mudanças climáticas, especialmente considerando que, para as populações urbanas, o papel central recai sobre o poder público municipal.
 

Embora o Governo Federal tenha liderado internacionalmente a agenda climática como parte dos esforços para garantir financiamento global, ainda há uma lacuna significativa na disponibilidade de mecanismos financeiros que direcionam o recurso para as cidades. Atualmente, com recursos majoritariamente provenientes de fundos, como o Fundo Amazônia, o dinheiro ainda não está chegando aos municípios de forma direta para realizar as necessárias ações de adaptação.
 

Um aspecto fundamental do debate é a formação e fortalecimento das capacidades técnicas de equipes municipais, permitindo que os instrumentos de ordenamento territorial, como Planos Diretores, Planos de Mobilidade e Zoneamento Ambiental, sejam elaborados com considerações específicas para a mitigação dos impactos das mudanças climáticas e a promoção da resiliência urbana. Além disso, é essencial promover uma governança compartilhada, envolvendo os diversos atores da sociedade local, para garantir que as soluções adotadas sejam verdadeiramente eficazes e inclusivas.
 

Porém, existe ainda o desafio da implementação efetiva das ações planejadas para a mitigação e adaptação, já que as prefeituras enfrentam dificuldades significativas de realizar os projetos e obras. Embora existam linhas de financiamento disponíveis, como algumas oferecidas pelo Ministério das Cidades, os montantes são muitas vezes insuficientes para atender às necessidades dos municípios, dada a escala do desafio. Segundo a ONU, o financiamento global para a adaptação climática, que é da casa dos R$300 bilhões anuais, encolheu nos últimos anos.

 

O Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, evento da agenda do G20 em 2024, também debateu o assunto, concluindo que todo o recurso global vem se concentrando em fundos e mecanismos financeiros com potencial de repasse de recursos, como o Fundo Amazônia ou o Fundo Clima. No entanto, ninguém ainda soube apontar como esse recurso será revertido às cidades. Ou seja, em um dos principais espaços para debater o financiamento climático para as 20 maiores economias do mundo, ainda não há direcionamentos práticos para auxiliar diretamente os mais impactados: os municípios e as populações que vivem neles.

 

Nos últimos anos, os casos de eventos extremos (como ondas de calor, enchentes, tornados, secas históricas) se multiplicaram de norte a sul do Brasil, fazendo com que milhares de pessoas perdessem tudo o que construíram em seus territórios e migrassem para outro lugar para sobreviver. A essas pessoas chamamos de refugiadas climáticas.

 

Uma das cidades atendida pela Mentoria de Ordenamento Territorial Municipal para Cidades Amazônicas do Projeto ANDUS (Apoio a Agenda Nacional Desenvolvimento Urbano no Brasil), Brasiléia (AC) é um caso emblemático de discussão de adaptação da crise climática: a cidade, na fronteira com a Bolívia e com menos de 30 mil habitantes, pode mudar de lugar, já que ficou completamente debaixo d’água desde de fevereiro, início do período de chuvas regionais e cheia do Rio Acre. Desde então, 4 mil pessoas ficaram desabrigadas.

 

Os orçamentos destinados às Defesas Civis municipais não são suficientes para enfrentar o que está por vir. E o caso do Rio Grande do Sul é o maior exemplo disso, mas infelizmente não é o único. As milhares de famílias que se tornaram refugiadas climáticas estão, no momento, dependendo de ações de solidariedade da sociedade civil. Ao discutirmos ações de adaptação à mudança climática, não podemos ficar à mercê de doações, PIX ou atos voluntários. É por isso que é preciso pensar e executar uma solução urgente de repasse direto às cidades para construção de políticas climáticas.

 

Caso contrário, continuaremos a falhar em não responder adequadamente às necessidades e problemas enfrentados pelas populações mais afetadas, acumulando diversas perdas, além de entrar em contradição com o que pregamos sobre adaptação climática no cenário internacional.

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