Josué de Castro é nome homenageado na Cátedra de pesquisas de Sistemas Alimentares Saudáveis e Sustentáveis da USP, um reconhecimento à importância de suas obras e à contribuição dada ao estudo dos problemas brasileiros
Josué de Castro (à direita da foto) conversa com o então presidente dos EUA, Harry Truman - Foto: Fundo Correio da Manhã/Arquivo Nacional via Wikimedia Commons
Por Reginaldo Ramos - Jornal da USP
Médico, nutrólogo, geógrafo, sociólogo, entre outras coisas mais, o recifense Josué Apolônio de Castro faz parte de um arquipélago pernambucano de grandes pensadores. Entre seus contemporâneos, como Paulo Freire, João Cabral de Melo Neto e Nelson Rodrigues, Josué se destaca por revelar o problema da fome como um objeto político. Na contramão dos pensamentos vigentes da época, que consideravam a questão como uma fatalidade inevitável da natureza, o docente dedicou sua obra e vida ao objetivo de evidenciar que a fome é produto de uma estrutura socioeconômica.
Uma proposta inovadora
Autor de livros publicados em 25 idiomas diferentes, como Geografia da Fome e Geopolítica da Fome, que, em tempos de Guerra Fria, circularam como destaque tanto nos Estados Unidos quanto na União Soviética, o estudioso se tornou referência mundial no assunto. Em uma época em que quase não se tinha dados em relação à alimentação no Brasil, sua obra põe a fome em debate sob uma perspectiva social.
Em Geografia da Fome, o escritor identifica mazelas específicas de cada região do País e o divide de acordo com critérios relacionados aos problemas de cada região. “Das cinco diferentes áreas que formam o mosaico alimentar brasileiro, três são nitidamente áreas de fome: a Área Amazônica, a da Mata e a do Sertão Nordestino. Nelas vivem populações que em grande maioria — quase diria na sua totalidade — exibem permanente ou ciclicamente as marcas inconfundíveis da fome coletiva”, explica em trecho do livro.
Josué nega veementemente a interpretação de que os locais que sofriam com a fome eram “castigados biologicamente” e sofriam com questões naturais. Para ele, essa visão era conveniente, pois conferia aos governos o subtexto de que, sendo essas problemáticas de cunho natural, nada se poderia fazer a respeito. Quando se assume que a questão é política, significa então dizer que existem, sim, alternativas viáveis.
A obra trata não somente da fome no sentido da escassez de alimentos, mas também da subnutrição. “A alimentação do brasileiro tem-se revelado, à luz dos inquéritos sociais realizados, com qualidades nutritivas bem precárias, apresentando, nas diferentes regiões do País, padrões dietéticos mais ou menos incompletos e desarmônicos. Numas regiões, os erros e defeitos são mais graves e vive-se num estado de fome crônica; noutras, são mais discretos e tem-se a subnutrição. Procurando investigar as causas fundamentais dessa alimentação em regra tão defeituosa e que tem pesado tão duramente na evolução econômico-social do povo, chega-se à conclusão de que elas são mais produto de fatores socioculturais do que de fatores de natureza geográfica”, conclui.
Para além do trabalho analítico em sua atuação acadêmica, Josué se dedicou a pensar e aplicar soluções, desenvolvendo um currículo extenso também na prática política, chegando a exercer mandato de presidente da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) entre 1952 a 1956. Nas palavras de Darcy Ribeiro, “na década de 50, havia no mundo cinco personalidades de suma importância na humanidade que precisavam estar reunidas quando a ONU fosse debater algo que importasse ao gênero humano, uma delas, indispensável, era Josué”.
No cenário nacional, o médico foi eleito deputado federal pela finada sigla do PTB, da antiga tradição Jango-Varguista, representando Pernambuco em dois mandatos, de 1955 a 1959 e de 1959 até 1962, sendo o parlamentar mais votado do Nordeste nas eleições de 1958. Em 62, renunciou ao mandato de deputado federal para exercer o cargo de representante do Brasil junto aos Organismos das Nações Unidas, do qual foi destituído após o golpe dos militares em 1964, que o exilou na França até o dia de sua morte.
Ex-chefe da Casa Civil em 1963, Darcy contou em entrevista ao documentário Josué de Castro – Cidadão do Mundo, 1994 que chegou a combinar com o então presidente, João Goulart, a nomeação de Josué como ministro da Agricultura do governo. Para Darcy, Josué era “o nome mais brilhante do Brasil na área de alimentação e agricultura”. Em uma conversa com o presidente, Darcy Ribeiro argumenta em favor da nomeação do pernambucano para o cargo. “O presidente concordou comigo e eu fui diretamente a Josué contar o combinado de que ele iria ser nomeado, e então pedi a ele que não contasse a ninguém. No entanto, ele foi a Pernambuco e contou a notícia por lá”.
Diante da notícia, vários membros do próprio PTB se posicionaram contra a nomeação, alegando que havia nomes melhores para o cargo, visto que Josué passava muito tempo fora do País. “O próprio partido dele o impediu de assumir o cargo. É de se imaginar o que é que ele teria feito caso tivesse exercido a função. Tínhamos uma economia voltada para a produção de soja para engordar os porcos no Japão e frangos na Alemanha, e era necessário um sistema preocupado com arroz e feijão para a alimentação das pessoas. Era Josué quem iria pensar nessa inversão”, afirmou Darcy.
Ainda que não tenha exercido diretamente o papel de ministro, Josué guiou grande parte das políticas públicas direcionadas às questões alimentares que foram aplicadas e bem sucedidas no País. Anos após sua morte, o Brasil assume que a fome é um problema político e desenvolve um conjunto de ações públicas que auxiliam a população a acessar os alimentos produzidos. “São políticas como o Programa Nacional de Alimentação Escolar, o Programa de Alimentação do Trabalhador, a educação alimentar e nutricional, o fortalecimento da agricultura familiar, o Programa de Aquisição de Alimentos, o aumento no salário mínimo, os restaurantes populares, entre outras, que possuem fortemente a digital de Josué”, exemplifica Nascimento. Em 2014, o Brasil deixou o mapa da fome pela primeira vez.
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