Faoro foi mais do que um jurista brilhante. Ele foi um pensador do Brasil. Um homem que, a partir da formação em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, dedicou sua vida a compreender os fundamentos históricos, sociais e políticos que moldaram o Estado brasileiro.
Sua principal obra, Os Donos do Poder, publicada em 1958, permanece como um dos maiores marcos da ciência política nacional. Nela, Faoro introduz uma análise profunda do conceito de patrimonialismo — um modelo no qual o poder público é apropriado como extensão dos interesses privados de uma elite dominante.
Para Faoro, o patrimonialismo no Brasil remonta ao período colonial e ao Estado português. Um Estado centralizado, autoritário e patrimonial, que desde cedo confundiu o que é público com o que é privado. Não havia distinção clara entre o rei e o Estado, entre o patrimônio pessoal e a administração pública.
Ao transplantar essa estrutura para o Brasil, criou-se uma sociedade onde o acesso ao poder e às riquezas sempre esteve condicionado à proximidade com o Estado. A cidadania plena, a igualdade perante a lei e o império da coisa pública permaneceram por muito tempo como ideais distantes.
Em Os Donos do Poder, Faoro descreve a formação de uma classe dirigente — a 'burocracia de Estado' — que não representava o interesse da coletividade, mas sim de seus próprios membros. Esses 'donos do poder' manipulavam a máquina pública como instrumento de autopreservação e benefício privado.
Essa crítica é extremamente atual. Mesmo em tempos de democracia formal, o Brasil ainda enfrenta dificuldades em romper com essa herança patrimonialista.
E, ainda hoje, manifesta-se em novas roupagens, como no fenômeno das emendas parlamentares de execução obrigatória.
Emendas que, sob o manto da legalidade, muitas vezes resgatam o velho espírito patrimonialista:
Recursos públicos pulverizados sem critério republicano, destinados não à universalização de direitos, mas à barganha política e à reprodução do poder local.
Raymundo Faoro acreditava que o fortalecimento do Estado Democrático de Direito — com instituições independentes, cidadania ativa e administração pública profissionalizada — era o caminho para superar o patrimonialismo e construir uma nação verdadeiramente republicana.
No centenário de seu nascimento, a obra e o pensamento de Faoro nos convidam à reflexão: compreender o Brasil real para transformá-lo; enxergar as raízes dos nossos problemas para cultivar uma democracia mais sólida, mais justa, mais consciente.



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