Não é segredo afeito a sábios ou doutores que o ensino, em nossas paragens, foi artigo de luxo, coisa rara como cometa. Houve um tempo, e não faz muito, em que o saber andava pelas ruas com vergonha, encolhido nos cantos das livrarias minguadas, espiando, com olhos de cão sarnento, as portas fechadas das escolas.
O bom povo brasileiro, esse mesmo que enche praças e palanques, não precisa ser estudado, diz com graça o meme da internet — precisa estudar. E não o faz. Antes a maioria não podia, outros porque não viam nisso serventia maior do que aprender a desenhar o nome no papel do cartório. João do Vale, coitado, olhava os meninos a caminho da escola como quem mira procissão santa da qual foi banido.
Os anos se passaram e com eles, muitas carroças e automóveis; no entanto, o amor ao saber continuou mais escasso que água no sertão.
"Ninguém lê nesta terra! Gente rica não compra livro. Você encontra, numa casa de luxo, vinte penicos de porcelana mas nenhum volume. Se os encontrar, estão encadernados e arrumados como enfeite do salão!"
Graciliano Ramos dizendo a Câmara Cascudo num encontro dos dois no Rio de Janeiro.
Mas eis que o mundo virou de ponta-cabeça, e com ele, também, o Brasil. Hoje há escolas por toda parte, livros distribuídos como bênçãos em romaria, universidades públicas abertas à esperança, e até auxílio de estudo a sustentar o estudante em seu martírio com a álgebra e a gramática. O país que tanto se gabava da ignorância agora se debate na abundância de oportunidades.
É certo que nem tudo são flores; há ainda quem prefira o sono macio da preguiça ao desconforto das ideias. Mas já não se pode clamar que faltam caminhos — o que falta, talvez, é o passo decidido. Só não estuda quem não quer, e querer, senhores, é a mais árdua das disciplinas.
Se o Brasil tem seus males — e quem há de negá-los? — também carrega uma virtude: somos, de todos os povos, o que mais oferece ao filho do pobre o mapa da mina que é o livro. Está nas mãos de cada um decidir se quer o ouro ou se prefere brincar com as pedras do caminho.



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