Na província de Caicó, outrora ornada pelas modéstias da fé e pelas decências da música sacra, deu-se agora um curioso fenômeno: a santidade cedeu lugar ao batuque.
Não digo que seja milagre — pois milagre supõe intervenção divina —, mas se houve alguma mão invisível nesse negócio todo, foi antes a do erário do que a de Deus. A entidade chamada "Caicó Eventos", dotada de ímpeto moderno e gosto peculiar, decidiu que a tradicional Festa de Sant’Ana seria mais bem celebrada com o estalo eletrônico de um piseiro do que com as cordas discretas de um violoncelo. Assim, como quem planta batatas, cultivou-se uma programação: quinze atrações, todas rigorosamente semelhantes, todas com vocação auditiva que faria Santo Agostinho tapar os ouvidos com as próprias mãos.
A cidade, cuja cultura é variada como feira de interior, virou palco de um só som — e que som! Dizem que a santa, assustada com tanto autotune, já pediu transferência para outras bandas do Seridó, onde se cante pelo menos uma novena em tom menor. E não é por preconceito celeste, é por cansaço mesmo.
Correram verbas — rápidas como corcéis —, e corriam não para os livros, nem para a orquestra da UFRN (a qual, por sinal, teve de esperar sentada), mas para os cachês retumbantes daqueles que confundem decibéis com arte. Dizem que o argumento era "fomento à cultura popular", mas quem viu a cena sabe que o povo, na verdade, fomentava cerveja e suor, e que a cultura, essa senhora discreta e de óculos na ponta do nariz, não fora convidada.
No palanque, autoridades sorriam com a fisionomia típica de quem confundiu administração com animador de micareta. Tudo em nome do “povo”, palavra que se conjuga sempre que se quer gastar sem culpa.
Afinal, em tempos modernos, que é uma santa ao lado de um DJ com luz de LED?


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